Há uma semana, um dos grafites que colore os tapumes das obras na Praça da Liberdade, na Região Centro-Sul de BH, amanheceu censurado. Mamilos e genitália da mulher representada na peça foram cobertos com tinta branca. Desta vez, a nudez que compõe Sonho agridoce, ou imaculado, exposta no Centro Cultural São Geraldo, na Região Leste de BH, foi questionada por parlamentares, que apontaram “apologia à erotização e à masturbação” e afirmaram que crianças estariam “expostas a uma mostra pornográfica.” Após a crítica dos vereadores, pelo menos quatro ameaças ocorreram no espaço e guardas municipais foram solicitados para proteger permanentemente o local. Os funcionários estão com medo de outras possíveis intimidações. Mas, na contramão da intolerância, tanto eles quanto a obra receberam apoio de visitantes e instituições culturais. Ontem, um grupo esteve ao local para se manifestar a favor do artista e da liberdade de expressão. A Fundação Municipal de Cultura também se pronunciou: o trabalho se encontra dentro dos padrões sugeridos como critérios para a classificação livre, diz a instituição que ainda “lamenta’ e “repudia o ato de desrespeito dos vereadores”.
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Aluna do Belas Artes denuncia censura da UFMG a exposiçãoConheça o homem que para uma rodovia com uma exposição de bonecosKalil diz que para o século 21 exposição de Moraleida 'não tem nada de mais'Ex-vereador é preso após dirigir carro roubadoExposição na Praça da Estação resgata joias sacras de Minas GeraisMPF recomenda que exposição em BH seja suspensa se não tiver classificaçãoAdvogados oferecem orientação jurídica de graça na Praça Sete Casal é preso na BR-381 em carro com compartimento secreto para drogasSegundo ele, crianças não têm maturidade psicológica para compreender temas da sexualidade adulta. “A Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) são expressos em reconhecer a vulnerabilidade psicológica. A lei é expressa ao proibir a exibição de fotos, imagens ou desenhos eróticos”, afirmou ele. Colega de Câmara Municipal de Belo Horizonte de Borja, o vereador Jair Di Gregório, líder da bancada cristã, também foi ao centro, onde fez um vídeo “ao vivo” para mostrar a “aberração”.
Ao EM, Gregorio sustenta a mesma argumentação do colega sobre a suposta “apologia à erotização”. E afirma: “Material dessa natureza não pode estar exposto a crianças e adolescentes, principalmente em equipamento público.” Segundo ele, o fato será apurado com a Secretaria Municipal de Cultura. O parlamentar garante que não se trata de censura: “Estamos cumprindo as leis. Os artigos 78,79 e 214 do Estatuto da Criança e Adolescente, bem como os artigos 218 e 233 do Código Penal proíbem a exposição de imagens ou mensagens pornográficas ou obscenas a crianças e adolescentes.”
ATAQUES AO CENTRO Após as visitas, o Centro Cultural São Geraldo tem recebido constantes ameaças.
Diante dos ataques envolvendo a instalação, o artista se manifestou para explicar o conceito em torno da obra e apontou censura nas atitudes dos vereadores.
Meshiacha ainda pontua que, de acordo com o Guia Prático de Classificação Indicativa do Ministério Público Federal, seu trabalho está dentro dos padrões sugeridos como critérios para a classificação livre. “Observado o contexto do trabalho proposto – que está explicitado no texto que acompanha a instalação e ignorado pelos dois vereadores que foram até a exposição –, acredito que o trabalho está de acordo com a classificação livre sugerida pelo Ministério da Justiça, uma vez que nenhum órgão genital está exposto e as imagens não sugerem atos sexuais nem se apresentam em nenhum contexto erótico”, completou.
Por meio de nota, a Fundação Municipal de Cultura prestou apoio e solidariedade aos funcionários do Centro Cultural São Geraldo e à instalação Sonho agridoce, ou imaculados e concordou que o trabalho não fere as normas sugeridas para classificação livre. E reafirmou “a vocação pública de seus equipamentos culturais ao oferecer seus espaços expositivos para artistas e projetos culturais, fomentando reflexões artísticas e prezando pela pluralidade”.
Frequência à mostra dobra
É a arte cumprindo o seu papel? A polêmica levou centenas de pessoas ao Centro Cultural São Geraldo. Há quem admire e quem critique a exposição Sonho agridoce, ou imaculado. Mas se o número de pessoas que passavam por ali não era muito grande até o último fim de semana, após a polêmica, as atenções se voltaram para a mostra e o número de visitantes dobrou. E na contramão do ódio um grupo de cerca de 30 pessoas foi ontem ao espaço em solidariedade ao artista.
“A exposição já estava acontecendo e não tinha gerado repercussão nenhuma. Agora, está trazendo uma discussão, e vemos que a arte está cumprindo seu papel.
Leandro Pereira Dias, de 38 anos, produtor cultural e músico foi ao local para prestar suas homagens e pedir pela liberdade de expressão. “A gente percebe que a questão dessas pessoas que fomentam o ódio não é contra a exposição em si, porque a obra mesmo não traz nada além do que a gente vê todos os dias na televisão, nas bancas de revista. A posição dessas pessoas é contra a cultura, contra a arte, contra a liberdade de expressão”, afirmou o produtor, que levou a filha de 1 ano e nove meses para o protesto. “A gente cria nossos filhos já com esse pensamento do que é arte e a importância que ela tem”, completou.
Durante o ato, um abaixo-assinado foi repassado para os visitantes em apoio à exposição. Até o início da tarde de ontem, pelo menos 100 pessoas já haviam assinado o documento. Meshiacha se diz muito satisfeito e grato pelo apoio. “Fiquei muito surpreso quando vi os vídeos. Mas estou ainda mais surpreso com o apoio. Estou muito feliz”, contou.
SERVIÇO
Centro Cultural São Geraldo – Av. Silva Alvarenga, 548, Bairro São Geraldo
Até 31 de agosto. Segundas, das 9h às 17h. De terça a sexta, das 9h às 18h.
Outras informações: (31) 3277-5648