Uma frota que não para de crescer – formada por veículos cada vez mais modernos, capazes de desenvolver maiores velocidades – circulando em uma infraestrutura de estradas ultrapassadas, com sinalização, pavimento e traçado deficientes, e que pouco aumenta ao longo dos anos. Esse é o retrato que emerge da terceira edição do Anuário CNT do Transporte, divulgado ontem. O resultado da equação que soma a falta de dinheiro e planejamento com a imprudência de muitos motoristas não chega a surpreender: acidentes e mortes que alimentam outro aspecto sinistro das estatísticas. Exemplo local do quadro nacional, Minas, estado de maior malha rodoviária do país, tem trechos pavimentados que não chegam a 10% do total de suas vias. E um terço dos caminhos analisados estão em condição deplorável. Quem entende do setor decreta: enquanto não houver investimento de fato, os resultados dessa combinação não vão melhorar.
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Em Minas, a malha pavimentada saiu de 22,8 mil quilômetros, em 2003, para 26,2 mil, no ano passado. Mas o que chama mais a atenção é o conjunto dos trechos sem asfalto: ainda há 244,9 mil quilômetros de estradas de terra no estado, segundo o estudo. Proporcionalmente, a situação mudou pouco em 14 anos, quando eram 249 mil quilômetros de caminhos não asfaltados.
TRILHAS ESBURACADAS No Anuário do Transporte foram pesquisados 15.076 quilômetros de vias que cortam o estado. Embora alguns indicadores negativos tenham experimentado redução, o quadro geral ainda assusta. Praticamente um terço da malha rodoviária mineira tem seu estado geral considerado ruim ou péssimo (4.963 quilômetros). Em 2007 eram 38,9% (5.245 quilômetros).
Em Minas, a frota de veículos aumentou duas vezes e meia no período de 13 anos, passando de 4,42 milhões, em 2005, para 10,91 milhões de unidades este ano. Em 10 anos, o licenciamento de veículos novos registrou pequena queda, passando de 1,3 milhão, em 2007, para 1,19 milhão, no ano passado. Assim como ocorreu em nível nacional, o movimento de novos carros foi ascendente até 2012. Nos anos seguintes, diminuiu pouco a pouco, sendo que de 2016 para 2017 registrou novo aumento (12%).
O resultado da combinação de estradas ruins e quantidade grande de veículos aparece no número de acidentes. Embora as melhorias feitas nas vias ao longo dos anos tenham se refletido na redução de colisões, o quantitativo segue assustando: somente no ano passado, foram 89.396 desastres nas rodovias federais que atravessam o país – queda de 36,6% em relação a 2008, quando foram registrados 141.112 acidentes.
Em Minas, a redução foi de quase metade, passando de 22.721 ocorrências para 12.709 em um período de nove anos. A redução nas mortes em decorrência de batidas foi menor, passando de 6.948 para 6.243 (queda de 10%) nas rodovias federais em todo o país.
Mesmo assim, dados como esses tornam o Brasil um dos países onde mais se mata no trânsito, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS). São 23,4 óbitos para cada grupo de 100 mil habitantes, uma das maiores taxas de letalidade – a quarta maior do continente americano.
CURVAS E ARMADILHAS Outro fenômeno que no caso mineiro contribui para as estatísticas de acidentes são os traçados das vias. Mais da metade das estradas em Minas (58,6%) tiveram sua geometria avaliada pelo Anuário CNT como ruim ou péssima. Um dos casos mais emblemáticos é o da BR-381, cuja rotina de acidentes nos 100 primeiros quilômetros de Belo Horizonte a João Monlevade (na Região Central) valeu à estrada o título de Rodovia da Morte.
A duplicação da 381 nesse trecho é promessa de solução para a infinidade de armadilhas escondidas nas curvas da estrada. Mas as obras – que tiveram ordem de serviço emitida em 2014, com previsão de que já neste ano os motoristas contassem com 205 quilômetros de vias separadas, áreas de escape e túneis – têm menos de 50% do total concluído.
Para o professor de engenharia de transporte e trânsito Márcio Aguiar, da Fumec, o que falta é investimento. “É uma área igual à da saúde ou da educação, em termos de ser essencial. Mas o país não pensa em transporte como algo importante para a mobilidade das pessoas. E são necessidades que vão custar caro, porque cada vez mais, quando não se fazem intervenções no momento oportuno, o custo aumenta nos acidentes, nos prazos, nas demoras em deslocamentos”, ressalta. “Os acidentes são cada vez mais severos, porque a frota aumenta e a estrada deveria melhorar à medida em que ela cresce, aumentando sua capacidade, o que não ocorre.