“Em entrevista de emprego, disseram que gostaram das minhas experiências, mas vieram com um questionamento: ‘Você vai trabalhar com isso (referindo-se ao véu)?’”, relembra Imane el Khal, designer de interiores, de 20 anos, muçulmana. “Estava numa padaria e veio um pastor tentar arrancar meu véu. Ele começou a gritar comigo e tentava falar em árabe”, diz a também muçulmana Daniela (nome fictício), contabilista, de 36. “Por nossa postura, somos apontadas como se fôssemos exemplo de opressão, mas, na realidade, várias mulheres são agredidas e a culpa não é da religião. É algo que ocorre em todas as sociedades”, lamenta Luar Furtado, de 24. Os relatos de intolerância religiosa, se não chegam a surpreender, estão muito mais próximos do que se poderia imaginar: refletem a rotina que mulheres islâmicas enfrentam no dia a dia nas ruas de Belo Horizonte.
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Novos aplicativos de transporte prometem aumentar segurança para mulheresMulheres foram o principal alvo de quatro dos seis crimes que cresceram em MinasSaiba como é encontro em que homens refletem sobre agressões a mulheres em BHMulheres saem às ruas de BH para condenar violência e lutar por direitosMulher é encontrada morta em BH e marido é principal suspeito do crimeImane, Luar e Daniela compartilham não só a fé e os desafios diários de se viver em uma cidade de maioria cristã, mas também o desejo de combater o preconceito, que consideram deturpado e que sempre as coloca na posição de mulheres oprimidas e submissas.
Ela avalia que ser mulher muçulmana em países ocidentais é missão ainda mais desafiadora. “Vejo que há um preconceito que está muito infiltrado na sociedade. A gente vê que tem uma evolução nos direitos das mulheres, nas lutas que o feminismo promove. Mas nós, muçulmanas, não podemos usufruir dessas conquistas. Parece que não estamos juntas no mesmo barco.
Luar Furtado não encontrou muita dificuldade de se adaptar ao véu e às roupas mais compridas, quando há dois anos se converteu ao islamismo. “O véu foi o mais difícil, por causa do calor. O restante foi muito tranquilo. É só uma questão de adaptação. Hoje, ando de skate e passeio com meu cachorro toda montada no look islâmico”, brinca. “Não saio de casa mais sem o véu. E me sinto empoderada com ele”, afirma a jovem de Ipatinga, no Vale do Aço, que se mudou para Belo Horizonte para estudar design gráfico. Hoje, formada, trabalha em casa.
A designer acredita que os equívocos sobre a mulher muçulmana estão ligados à falta de informação.
A contabilista Daniela (nome fictício) se converteu ao islã em 2009, quando planejava se mudar de país. Ela conheceu muçulmanos em grupos de intercambistas e acabou se aproximando da religião, por admirar o comportamento dos novos amigos. “Já no início tive empatia, pois a forma pela qual alguns se expressavam era bem organizada e pé no chão. Desisti de viajar, mas decidi visitar a mesquita de BH e conhecer melhor a religião”, relembra.
O episódio de agressão que ela sofreu em uma padaria da capital foi um choque. Tanto que, atualmente, ela prefere não se expor, principalmente no ambiente de trabalho. “Já sofri preconceito várias vezes. No meu trabalho, procuro não comentar nada sobre a religião, apenas mantenho minha postura respeitosa”, comenta Daniela, que começou em novo emprego há quatro meses.
Conquistas anteriores às ocidentais
Se aos olhos da cultura ocidental as muçulmanas podem ser vistas como submissas, sem direitos, na ótica histórica dos pilares da religião a interpretação é outra. Pelas leis do islamismo, as muçulmanas têm prerrogativas há séculos, como o direito ao voto, que só foi conquistado pelas mulheres brasileiras há pouco mais de 80 anos.
Ela ressalta a importância de as pessoas não confundirem o islamismo com regras de estados e países. “A Arábia Saudita, o Irã e todos esses Estados fechados, que têm governos que oprimem, principalmente as mulheres, não estão no islã. Muito pelo contrário, o islã garante os direitos à mulher”, afirma.
Em tempos de crescentes demandas feministas, Imane garante que a luta contra o machismo e a busca por igualdade de direitos entre homens e mulheres são pautas também dentro da religião. “Esse empoderamento feminino é algo que existe e que temos de manter vivo o tempo todo. Isso não é uma coisa que se oponha à fé, muito pelo contrário. A valorização das mulheres e a igualdade de direitos são algo islâmico, sim”, afirma a jovem.
'Já sofri preconceito várias vezes. No meu trabalho, procuro não comentar nada sobre a religião, apenas mantenho minha postura respeitosa'. Daniela (nome fictício), de 36 anos, contabilista
Saiba mais: Islamismo
É uma religião fundada nos ensinamentos de Muhammad, profeta ao qual Deus revelou o Alcorão, livro sagrado muçulmano. A palavra islã significa submeter-se à obediência, à lei e vontade de Allah (Deus, em árabe).
* Estagiária sob supervisão do editor Roney Garcia.