Jornal Estado de Minas

Falta de ação leva a repetidos desastres no Complexo da Lagoinha e no Anel Rodoviário



Três acidentes que transformaram o princípio de semana em Belo Horizonte em um caos generalizado no trânsito – pelo menos um deles com consequências para os próximos dias – confrontaram motoristas e pedestres da capital com uma dura realidade: a falta de providências que faz com que problemas conhecidos se repitam indefinidamente. A segunda-feira desafiou a paciência de condutores tanto no acesso ao Centro de BH pelo Complexo da Lagoinha quanto na descida de seis quilômetros do Anel Rodoviário entre os bairros Olhos D’água e Betânia. Para piorar, duas ocorrências à tarde, em Contagem, agravaram ainda mais as condições de tráfego na região metropolitana da capital.

No primeiro acidente em BH, uma carreta que transportava uma retroescavadeira bateu nas vigas da trincheira entre o Túnel da Lagoinha e o Viaduto Oeste, ainda na noite de domingo. O quinto acidente do tipo desde que a obra foi inaugurada motivou o fechamento total das pistas, tanto em cima quanto embaixo da transposição. O motorista estava com a carteira vencida desde abril. O pórtico com limite de altura de 4,5 metros, a mesma da trincheira, poderia alertar o condutor, evitando que a carreta chegasse até a estrutura de concreto. Mas só existe na saída da Avenida Cristiano Machado, e não na Avenida Antônio Carlos, de onde veio o veículo de carga. Com o acidente e o fechamento de pistas, o resultado foram filas que se esticaram pelas avenidas Cristiano Machado, Antônio Carlos e Pedro II.

Já nos outros acidentes, um deles com morte, duas batidas na já temida e conhecida descida do Bairro Betânia, no Anel, escancararam mais uma vez a necessidade de reformas que nunca saem do papel e se arrastam há anos, ameaçando vidas e travando a rodovia a cada acidente, em um trecho que tem potencial para parar boa parte da Região Centro-Sul de Belo Horizonte (leia na página 14).

O acidente no Complexo da Lagoinha aconteceu ainda na noite de domingo.
Segundo a Terraplenagem Modelo, empresa dona da carreta e da retroescavadeira que atingiu as vigas da trincheira, houve um erro na acomodação da máquina, que seria levada do Bairro Santa Cruz, Nordeste da capital, a uma obra no Bairro Santo Agostinho, Centro-Sul de BH. O braço da escavadeira não foi colocado em altura inferior a 4,5 metros e o resultado foi uma pancada que danificou em maior ou menor grau pelo menos 15 das 20 vigas da trincheira entre o túnel e o Viaduto Oeste, nesse sentido.

- Foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press

O superintendente da Sudecap, Henrique Castilho, informou que pelo menos oito vigas de concreto terão que ser reparadas, além das quatro de metal que são usadas com caráter de sinalização. Segundo Castilho, porém, não há risco de desabamento da estrutura, e por isso pistas sob as vigas foram liberadas parcialmente no fim da manhã de ontem. Porém, a parte superior, que consiste em uma alça que liga a Avenida Pedro II às avenidas Antônio Carlos e Cristiano Machado, vai continuar fechada devido à trepidação que pode ocasionar o desprendimento de pedaços de concreto sobre os carros.
“As pistas superiores só serão liberadas depois da recuperação. O caminhão esbarrou nas vigas e trincou o concreto apenas na parte de baixo. Não afetou estrutura e nem ferragem”, afirmou Castilho, que estima em cerca de quatro dias o tempo necessário para liberação total do tráfego na estrutura. O coronel Alexandre Lucas, secretário de Defesa Civil de BH, explicou que inicialmente houve uma necessidade de fechamento total, até porque foram observadas trincas no concreto logo depois do acidente, ainda na noite de domingo.
Após a vistoria conjunta com a Sudecap, já com a luz do dia, foi possível perceber que não havia risco de desabamento, e por isso houve a determinação de liberação parcial do trânsito.

A PROVIDÊNCIA QUE NÃO VEIO
O que mais chama a atenção é que, em outubro de 2013, acidente semelhante gerou interdição parcial da trincheira, quando um caminhão bateu nas vigas e deslocou parte das estruturas. Na época, a BHTrans anunciou que seria colocado um pórtico com material leve na mesma altura (4,5 metros), que pudesse servir de anteparo, fazendo com que veículos altos se chocassem antes com essa sinalização, de forma a alertar os caminhoneiros antes de um acidente na trincheira. A colocação ocorreu, porém, apenas na saída para condutores que chegam pela Avenida Cristiano Machado. Na Antônio Carlos, permanece apenas a sinalização avisando sobre a altura.

Questionada sobre o assunto, a BHTrans justificou que o pórtico ou dispositivo de alerta – que consiste em uma placa zebrada amarela e preta – “não é obrigatório”. “É um dispositivo acessório para chamar a atenção do motorista”, informou a empresa municipal, em nota. “É importante lembrar que todos os acessos à trincheira têm sinalização indicativa de altura máxima – 4,5 metros – e que respeitar a sinalização é obrigação de todo motorista”, acrescenta o texto. Ainda segundo a nota, veículos com altura acima de 4,40m precisam de autorização especial para trafegar. Mas a empresa informou que vai “avaliar toda a sinalização existente e, se houver necessidade, reforçá-la”.



SUCESSÃO DE ERROS Segundo a coordenadora administrativa da empresa responsável pela carreta, Renata Costa, foi justamente o caminho via Antônio Carlos que o caminhão percorreu.
O motorista estava com a Carteira de Habilitação vencida. Quatro autuações, três para o condutor e uma para a firma, foram lavradas (veja quadro). “O fato é que houve um erro conjunto. Não houve a conferência da carteira e vamos retomar esse procedimento. Por algum acaso o setor de Recursos Humanos pulou essa rotina, mas os motoristas também têm essa responsabilidade”, afirmou a representante da empresa. Ela reiterou o erro na acomodação do braço da retroescavadeira, que estaria na altura correta para o tráfego na estrada, mas não para o limite do Complexo da Lagoinha. Renata Costa informou que já está negociando com a Sudecap o reparo, que, segundo a prefeitura, será assumido pela empresa.

Se por um lado a empresa afirma que está negociando o ressarcimento referente ao valor que será gasto na obra, por outro o transtorno causado à população não pode ser medido em valores. O motoboy William Santos, de 28 anos, diz que gasta normalmente 40 minutos entre a Região de Venda Nova e o Bairro Belvedere, Centro-Sul de BH. Ontem, com uma hora e meia na rua, ele ainda estava no Complexo da Lagoinha. “Trabalho com entregas e hoje o serviço ficou prejudicado.
O trânsito agarrou de uma forma que não estamos acostumados. Foi impressionante”, afirma.

Acostumado a percorrer a distância entre o Bairro São Cristóvão e o Complexo da Lagoinha em oito minutos em dias com trânsito mais intenso, o músico Niltom Paim, de 66, só não perdeu o compromisso que tinha ontem porque saiu de casa bem mais cedo. “Foram 40 minutos do São Cristóvão à Lagoinha. A população foi extremamente prejudicada”, afirmou.

Infrações e castigo


Veja autuações aplicadas no caso do acidente no Complexo da Lagoinha

1) Dirigir com a Carteira Nacional de Habilitação ou permissão para dirigir vencida há mais de 30 dias
Infração gravíssima: multa de R$ 293,47 e perda de sete pontos na carteira

2) Transitar com o veículo ou carga com dimensões superiores ao estabelecido pela sinalização, sem autorização
Infração grave: multa de R$ 195,23 e perda de cinco pontos na carteira

3) Transitar com veículo danificando a via, suas instalações e equipamentos
Infração gravíssima: multa de R$ 293,47 e perda de sete pontos na carteira

4) Permitir posse ou condução de veículo a pessoa com CNH ou permissão vencida há mais de 30 dias
Infração gravíssima: multa de R$ 293,47 (para a empresa)

 

 

 

Por dentro da trincheira


» A via que liga o Túnel da Lagoinha ao Viaduto Oeste e à Avenida Nossa Senhora de Fátima tem uma trincheira, que apoia alça de ligação da Pedro II às avenidas Antônio Carlos e Cristiano Machado.

» No ponto onde ocorreu a batida, a trincheira tem 20 vigas transversais à pista, sendo quatro de metal e 16 de concreto. São visíveis danos em pelo menos 15 delas

» No sentido oposto há 10 estruturas de concreto e duas de metal, não danificadas

» No ponto mais largo onde ocorreu o acidente, as vigas têm cerca de 18 metros, segundo a Sudecap

» Os danos se resumiram a avarias na parte inferior das vigas, com amassamento das estruturas de metal e descolamento de partes de concreto nas outras atingidas

 

 

 

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