No país com um dos índices de envelhecimento populacional mais acelerados do mundo, a definição de idoso está ultrapassada. Afinal, boa parte de quem está nessa faixa etária cuida dos pais quando ainda toma conta dos filhos, adota estilo de vida e hábitos de consumo que eram associados aos jovens, se sentem saudáveis, mas viram o padrão de vida cair nos últimos anos, aponta o estudo “Tendências do mercado prateado de Minas Gerais”. Encomendado pela Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL/BH) e divulgado na tarde de ontem, o levantamento traça o perfil do grupo que até 2031 vai superar, em termos numéricos, o de crianças e jovens até 14 anos, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Produzido pela consultoria de marketing Hype60+ e a plataforma Pipe.Social, o estudo integra um levantamento inédito chamado“Tsunami 60 ”, que contou com uma pesquisa quantitativa de 277 casos (veja quadro). E os números não deixam dúvidas: os ganhos dessa geração são proporcionais aos desafios que enfrenta.
Esse é o caso do núcleo familiar de Adriana Pinheiro, de 59 anos, que ainda conta com a presença dos filhos em casa. Divorciada, Adriana é a matriarca da casa. Com ela moram o filho mais velho, de 36, a filha do meio, de 35, e a caçula, de 31. E além dos três filhos, a casa da empresária ainda tem espaço para o neto, de 12, filho da sua filha do meio. Adriana se considera privilegiada por ter a família unida e, apesar de morarem juntos, ela afirma que todos têm sua privacidade respeitada. “Não interfiro na vida deles. É como se fôssemos uma comunidade”, comenta. Todos os filhos de Adriana trabalham, mas ela não cobra que eles ajudem financeiramente com as despesas da casa.
“Todos ajudam de alguma forma e isso não precisa envolver dinheiro. Minha filha do meio, por exemplo, me ajuda com as tarefas de casa”, pontua. Porém, cuidar do neto nunca foi responsabilidade de Adriana. Ela conta que não interfere na educação da criança e que esta responsabilidade é da mãe. “O filho é da minha filha. Se posso ajudar, ajudo, mas isso nunca foi uma obrigação”, afirma.
GERAÇÃO SANDUÍCHE Segundo Lívia Hollerbach, cofundadora da Pipe.Social e uma das idealizadoras da pesquisa, é muito interessante o intercâmbio entre gerações. “Principalmente em lares onde há avós e netos no mesmo lugar. Percebe-se o avô muito mais ativo, correndo atrás da criança e muito mais ligado às pautas do mundo contemporâneo. E, para o neto, também há ganhos, como absorver valores que são importantes dentro de uma fundação socioemocional”, explicou. Por outro lado, a geração conhecida como “sanduíche” – que se desdobra para cuidar dos próprios pais e dos filhos – muitas vezes se sente pressionada. A pesquisa aponta que 35% consideram que os filhos dependem mais deles do que gostariam.
Com dois filhos pequenos, a professora Janaína Bastos dos Santos, de 41, é uma dessas filhas que precisa lançar mão dos cuidados oferecidos de pais “maduros” e sente o benefício do intercâmbio de gerações. Ela teve que retornar à casa deles por não ter condições de sustentar a família sozinha. Desempregada, pediu ajuda após se separar do marido. Na época, Janaína e os filhos, de 5 e 7 anos, moravam em uma cidade no interior de Minas Gerais e a volta para BH não foi fácil. “Voltar pra casa não é traumático, mas envolve um sentimento de fracasso. Mas eu não tinha outra alternativa”, afirma. Mesmo depois de conseguir se estabilizar, Janaína decidiu continuar morando na casa dos pais. “Percebi que o convívio com os avós foi muito bom para as crianças. Abri mão da minha privacidade para que eles tivessem conforto”, argumenta.
Janaína conta que apesar de o pai das crianças ser presente e fazer visitas regulares aos filhos, ele não contribui com as despesas da educação deles. Por este motivo, a professora preferiu morar com os pais. “O avô virou a referência paterna para eles, afinal é ele quem está presente em todos os momentos. Ele me ajuda a pagar a escola, natação e até a aula de computação dos meninos, enquanto o pai deles só paga a pensão, que não supre todas as necessidades de uma criança. Não posso contar com o pai deles para isso”, conta. Janaina ainda destaca que o convívio com os netos trouxe alegria para a casa dos pais. “Os meninos são muito apegados aos avós. E eu me sinto segura em sair para trabalhar sabendo que eles estão sendo bem cuidados”, disse.
PLANEJAMENTO Enquanto se torna comum o perfil de filhos adultos que moram com os pais, 69% dos mineiros com mais de 55 anos planejam a velhice e só querem a sua independência, sem depender de ninguém. Mas conquistar essa independência não tem sido nada fácil, devido aos gastos: a conta do envelhecimento aperta e 38% dos mineiros entre 55 e 64 anos afirmam que o padrão de vida caiu nos últimos anos. Esse número aumenta para 48% entre os que têm mais de 65 anos. Embora 49% tivessem a expectativa de que estariam em uma condição financeira melhor, a realidade não é bem essa. Os gastos com saúde e ajuda a familiares tiveram um impacto negativo, aponta a pesquisa.
Chances no mercado de trabalho
Nem a palavra “idoso” é bem aceita hoje para identificar quem passou dos 60 anos. Uma a cada três pessoas com mais de 55 anos prefere aplicar o termo “maduro” a essa faixa etária em plena atividade. Somente um em cada 10 considera o termo “idoso” adequado. “Trata-se de um novo conceito de idoso. E seria importante que não usássemos uma nomenclatura que não os representa, idoso como construção social, que era a pessoa com muleta. Precisamos revisitar esse conceito”, explica Lívia Hollerbach, cofundadora da Pipe.Social e uma das idealizadoras da pesquisa “Tendências do mercado prateado de Minas Gerais”.
Segundo o estudo, entre os que trabalham na faixa de 55 anos a 64 anos, 31% são autônomos, 13% empresários, 17% funcionários em período integral e 4% são funcionários em um dos períodos. Entre os entrevistados com mais de 55 anos, 22% afirmaram que não há vagas no mercado de trabalho para pessoas dessa idade. “Queremos transformar Belo Horizonte na capital dos 60 , ou a capital da geração prateada. Queremos mostrar o benefício do jovem e do mais experiente. Eu, por exemplo, contratei um funcionário de 59 anos há três semanas. É uma pessoa estável, mais equilibrada, que vai agradecer a oportunidade de estar aqui e, consequentemente, ficar mais tempo na empresa. É preciso reconhecer a qualidade”, diz o presidente da CDL/BH, Bruno Falci.
Por isso, a CDL/BH pretende acionar o governo do estado, a prefeitura da capital, outras entidades de classe e representantes da sociedade civil para, em conjunto, planejarem ações voltadas especificamente para essa parcela da população – o que inclui planos de mobilidade urbana, acessibilidade, programas de saúde e prevenção de doenças, de cultura e lazer, atendimento qualificado, além de outras iniciativas. “Temos que criar o melhor ambiente de trabalho e de negócios. Se a pessoa já entra na empresa sendo tratada como velho, isso destrói o relacionamento e a desmotiva”, afirmou Falci. A CDL/BH também vai iniciar um trabalho para qualificar os seus associados, comerciantes e prestadores de serviços para entender e atender melhor esses consumidores, que crescem a cada ano.