Uma história iniciada há 38 anos e com indícios de final traumático para alunos, professores, universidade e para uma cidade inteira. A Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) deve ser despejada de seu câmpus Mariana, o município vizinho da Região Central de Minas. A Arquidiocese da cidade ganhou na Justiça o direito de reaver os prédios onde hoje funciona o Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS), e um oficial de Justiça é esperado a qualquer momento para cumprir a ordem. A instituição de ensino, que é dona do terreno, busca solução para não prejudicar 1,5 mil alunos e cogita até mesmo suspender o próximo processo seletivo. Para além da comunidade acadêmica, o assunto deixa a população e a própria administração municipal em estado de alerta. Depois do rompimento da barragem da mineradora Samarco, em 2015, é mais um duro golpe para o caixa da prefeitura. A Igreja não negocia e aguarda apenas a execução da sentença.
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SEM ACORDO Depois disso, a universidade começou a negciar e envolveu a Câmara Municipal e a Prefeitura de Mariana nas conversações. “Há duas semanas, durante encontro da direção do instituto e da Reitoria com a Arquidiocese, fomos comunicados pela Cúria de que não haveria acordo.
No ICHS, funcionam cinco cursos de graduação (bacharelado e licenciatura em letras, história e pedagogia) e pós-graduação (mestrado em história, educação e letras e doutorado em história). Além de 1,5 mil alunos, conta com 100 professores e 50 técnicos (veja quadro). Como complicador na disputa, ao longo de quase 40 anos a universidade construiu prédios próprios no terreno (a biblioteca e o auditório) e ampliou a estrutura por meio do Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). “A sentença dá tudo de volta, mas nossos procuradores entendem que só um comodato venceu, o de 1980. De qualquer forma, não vemos como continuar no espaço, com três prédios no mesmo lugar, sem poder murar nem cercar, e duas atividades funcionando ao mesmo tempo.
Uma das propostas feitas pela universidade, com intervenção da Câmara, foi de estender o comodato por mais de 10 anos para, assim, ter tempo de negociar uma possível construção dentro do terreno. “Disseram que não aceitavam essa proposta e seguiriam com processo, o que significa que o oficial vai vir e pedir para sair”, diz Luciano Silva. “Uma cidade que acabou de passar por uma tragédia, que enfrenta problema econômico e de emprego, vai perder uma universidade federal, aquilo que prefeitos de todo o Brasil fazem lobby para ter, sem contar o impacto imobiliário e cultural”, acrescenta. Dois pontos intrigam a universidade e só serão conhecidos no ato da execução da sentença: o primeiro é que a decisão judicial prevê o fim do comodato, mas não detalha qual, já que são dois acordos; o segundo é que pede o pagamento retroativo de aluguel desde a data em que a Arquidiocese entrou na Justiça.
Por dentro da Ufop
Alunos
12.272 ao todo na graduação, sendo
1.001 na educação a distância
Cursos
47 em todos os câmpus
Câmpus Mariana
» Instituto de Ciências Humanas e Sociais – ICHS
» Instituto de Ciências Sociais Aplicadas
Câmpus Ouro Preto
» Escola de Direito, Turismo e Museologia
» Escola de Minas
» Escola de Farmácia
» Escola de Medicina
» Escola de Nutrição
» Instituto de Ciências Exatas e Biológicas
» Instituto de Filosofia, Arte e Cultura
» Centro de Educação Aberta e a Distância
» Centro Desportivo
Câmpus João Monlevade
» Instituto de Ciências Exatas e Aplicadas
Decisão judicial pode deixar 1,5 mil universitários sem teto
Hoje, 23% dos alunos do ICHS são de Mariana, 20% de Ouro Preto e o restante, de cidades da região. De acordo com o diretor do instituto, Luciano Campos da Silva, os estudantes do instituto são hoje os mais vulneráveis socioeconomicamente de toda a universidade, ou seja, os que mais demandam recursos da assistência estudantil – entre bolsas e moradia.
A reitora da Ufop, Cláudia Marliére de Lima, classifica como “uma situação difícil e lamentável a saída dessa forma, embora a Arquidiocese não tenha deixado propriamente definido que ocorreria de imediato”. Precisando de tempo para estudar a logística de eventual transferência, pensar em alternativas se tornou urgente. A Ufop faz levantamento de quais unidades no câmpus de Ouro Preto teriam disponibilidade para receber os alunos de Mariana – e em quais horários –, o que implica, certamente, ajuda financeira aos estudantes para deslocamento e permanência e um estudo econômico de mais essa despesa. “Sem esse apoio, perderíamos muitos alunos”, avisa a reitora.
Segundo ela, as repúblicas de Ouro Preto não conseguirão absorver a demanda. Se os universitários ficam em Mariana, volta-se ao primeiro ponto, relativo ao apoio de deslocamento. Tentar recurso para construir um prédio no terreno da Ufop em Mariana é outra saída, mesmo em tempos de crise, mas esbarra no tempo necessário para erguer o imóvel e nas restrições do patrimônio para construção na área de interesse histórico. “A previsão de corte para o ano que vem na rubrica de capital, que permite o investimento em obras, é bem maior, de 52%.
“É muito preocupante, mas ainda acredito na possibilidade de negociação, não no sentido de reverter a situação, o que gostaria muito, mas de mais sensibilidade por parte da Arquidiocese, de nos deixar por mais tempo até viabilizar a construção”, afirma Cláudia Lima. Outro ponto obscuro diz respeito a com quem e para quem deixar a moradia estudantil em caso de uma possível saída, já que vender um bem público não é algo que se faça do dia para a noite.
RECEITA AMEAÇADA Para a reitora, a delicadeza da situação exige decisões conscientes, para se evitar um impacto jamais visto na região. “A presença da universidade é fonte significativa de renda e, do ponto de vista educacional, traria prejuízo de enorme monta. A cidade perderia tudo o que se faz na educação básica e fundamental, por meio de nossos projetos de extensão, acadêmicos e de pesquisa, que levam uma contribuição inestimável para professores e alunos da rede estadual e municipal e da universidade. É uma troca de aprendizagem muito importante.”
Mariana, que amarga a perda de receitas após a suspensão das atividades da mineradora Samarco, em 2015, pode ver mais uma parte de seu capital bater asas. O prefeito, Duarte Júnior, prefere não acreditar no fim do câmpus. “Nem passa pela minha cabeça. Seria um prejuízo incalculável. Além das pessoas que movimentam a economia, 23% dos alunos são marianenses. Se não houver uma solução conjunta, é um prejuízo para os filhos da terra, que terão de buscar solução em outro lugar”, diz. Segundo ele, a prefeitura está batalhando para fazer prevalecer o diálogo entre a Ufop e a Arquidiocese, já que a cidade não tem outro lugar para oferecer à universidade. “A decisão judicial existe e ela deve ser cumprida, mas deve haver um meio de não prejudicar nenhuma das partes nem o município.”
A Arquidiocese informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não vai se manifestar sobre o assunto e que tudo o que tem a dizer está nos autos do processo.
Raio-x do ICHS
Alunos
1,5 mil
Professores
100
Técnicos
50
Graduação
» Licenciatura: pedagogia, história e letras (inglês e português)
» Bacharelado: história, letras (tradução, estudos literários e estudos linguísticos)
Pós-graduação
» Mestrado: história, educação e letras
» Doutorado: história
Origem do ICHS
Foram firmados os seguintes acordos com a Igreja:
15/12/1980 – Doação à Ufop, pela Arquidiocese de Mariana, de terreno com área de 212.500 metros quadrados. A doação foi feita expressamente para a instalação do Instituto de Ciências Humanas e Sociais na cidade de Mariana
15/12/1980 – Celebrado contrato de comodato por 30 anos
» Prédio: parte nova do seminário, onde são lecionadas as aulas para os alunos, e o antigo Palácio dos Bispos
2/12/1982 – Celebrado contrato de comodato por 51 anos
» Prédio: Seminário Menor de Nossa Senhora da Assunção
Ações da Igreja
1- Pedido de declaração de que a doação do imóvel pela Arquidiocese de Mariana à Ufop se deu apenas em relação ao terreno
Pedido julgado procedente trânsito em julgado
2- Rescisão de contrato com relação ao comodato de 1980
Pedido julgado procedente trânsito em julgado
Proposta apresentada pela Ufop durante negociação com a Igreja na Câmara Municipal
Prorrogação do comodato por 10 anos para a construção de novas instalações no próprio terreno (construção a ser negociada com os órgãos que cuidam do patrimônio)
Resposta dada pela Igreja em reunião na Cúria
Só admite o previsto nas sentenças e aguarda execução da decisão judicial
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