Para deslanchar as ações, uma boa notícia: a imagem de Santana, de origem portuguesa, vai ser restaurada com recursos próprios da paróquia, principalmente obtidos na barraquinha da última festa. Logo depois de a reportagem do Estado de Minas chegar à igreja, que fica numa comunidade rural, a peça sacra foi retirada do altar-mor e levada para o ateliê de especialistas. Em madeira policromada e com 1,30 metro de altura, a imagem de Santana com a filha Virgem Maria menina recebeu várias demãos de tinta que desfiguraram os traços originais. Olhando cada detalhe, padre Wellington afirma que “todo mundo está empenhado” na restauração do objeto de fé e da construção dos tempos coloniais. Muito apropriadamente, a campanha se intitula Juntos por Santana.
Tendo o pároco como guia, a equipe percorre o interior da construção e vê que, ao longo do tempo, foram feitas ali intervenções que retiraram o brilho e traços originais. À primeira vista, a impressão é de que alguém “correu” uma tinta, como costumam dizer os pintores de casas, tanto nas paredes como nas imagens e nos altares. Se os anjos barrocos do retábulo-mor ganharam a camada de um prateado metálico, os próximos ao sacrário perderam completamente os douramentos. No espaço no qual fica a padroeira, tecnicamente chamado de camarim, cores berrantes foram escolhidas em outras épocas, num contraste com o ar singelo da igreja, tombada pelo município.
CUPINS Personagens vorazes e contumazes de igrejas e capelas do século 18, os cupins estão na Igreja de Santana, como mostra o padre Wellington. Numa coluna pintada de verde, a madeira está “esfarinhando”. Na parede perto da sacristia, uma rachadura rasga a tinta branca e sinaliza os riscos. “Precisamos de obras de engenharia, pois a estrutura e o telhado estão comprometidos”, revela.
O zelador Giovane Álvaro Vieira, de 57 anos, avisa que a parte elétrica está em boas condições. Um alívio para o padre. “Quando a igreja foi construída não havia a devoção católica a Nossa Senhora de Lourdes, então aquele quadro foi pintado depois”, afirma, sobre um painel recriando a aparição da Virgem à adolescente Bernadette Soubirous (que se tornou Santa Bernadete) numa gruta em Lourdes, na França, em 1846.
Nascido e criado na comunidade de Santana do Paraopeba, Giovane devota profundo amor ao templo, onde foi batizado e se casou. “Meu sonho é ver a igreja pronta. Não podemos deixá-la acabar”, afirma.
Seu filho, Christian Egg de Castro, é presidente da Associação dos Zeladores da Igreja de Santana do Paraopeba, parceira da paróquia. Contando com esse duplo apoio, padre Wellington lembra que muitos noivos procuram a igreja para se casar, e que é a mais “querida” dos moradores do Alto Paraopeba. “Estamos Juntos por Santana”, anima-se o zelador. As doações vão chegando, como um quadro emoldurado, que está coberto com um tecido, e retrata Santana.
PROJETO Em 2007, a igreja entrou no foco do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que pediu providências às autoridades municipais para sua restauração. A secretária municipal de Cultura, Turismo, Esporte e Lazer de Belo Vale, Eliane dos Santos, informou ontem que a prefeitura vai bancar um terço do valor da obra no bem, tombado pelo município. Não há estimativa de valor. A intervenção deve começar em março de 2019, contemplando a parte civil.
Quanto ao projeto de restauração, equipe formada por estudantes e professores de arquitetura do Centro Universitário Newton Paiva, de BH, está encarregada da execução, trabalho que compreenderá também a planilha de custos. O serviço vai contemplar as partes de engenharia, elementos artísticos e entorno do templo.
PORTA DE ENTRADA DE BANDEIRANTES
Conforme pesquisa do Memorial da Arquidiocese de Belo Horizonte, o Vale do Paraopeba foi a entrada aos sertões das Minas pela bandeira de Fernão Dias Paes Leme. Ao longo do caminho, vários integrantes da bandeira estabeleceram povoamentos que se tornaram, com o tempo, pontos de abastecimento e hospedagem para viajantes. A bandeira conduzida por Paes Leme, acompanhado do mestre de campo Matias Cardoso, do genro Manoel de Borba Gato e do filho Garcia Rodrigues Paes, chegou à região em 1675, como relata Diogo de Vasconcelos: “Passada a estação das chuvas, em março do ano seguinte, dirigiram-se os bandeirantes em direção à Serra da Borda e atravessaram a região do campo, entrando na do Paraopeba (Piraipeba, rio do Peixe Chato), onde fundaram o segundo arraial (Santana).”
A pesquisa diz ainda que “em cada núcleo de povoamento foi colocada uma pessoa de confiança do chefe bandeirante. Seu filho, Garcia Rodrigues Paes, administrou a feitoria de São Pedro do Parahypeba (atual Santana do Paraopeba). Em seguida à fundação da feitoria, Manuel Teixeira Sobreira e seu sócio Manuel Machado fizeram pedido de concessão de sesmaria em São Pedro do Parahypeba e, em 1735, ergueram a Capela de Santana, conforme provisão de 4 de março de 1750”.
E mais: “Em 1823, a capela era filial de Congonhas, tendo como capelão o padre Domingos Ribeiro de Sousa. Em 1865, foi elevada a freguesia pela Lei nº 1.254, de 25 de novembro, tornando-se, então, sede da paróquia. Até 1880, devido a razões políticas, a sede da paróquia alternou-se sucessivas vezes entre Santana do Paraopeba e São Gonçalo, vinculando-se, então, definitivamente, a São Gonçalo. O terreno onde se erigiu a capela foi doado legalmente, conforme escritura passada em 2 de setembro de 1925, por Antônio Vieira dos Santos e sua mulher, Nívea da Conceição Braga”.
FASES O tempo apresenta fases distintas: barroca (de 1735 a 1920) e eclética (de1920 a 1929). Neste último ano, foram feitas “reformas substanciais”, divididas em dois anos críticos, sendo 1920 o primeiro, segundo o Livro de Tombo, quando a capela foi “retocada”. Em 1929, houve uma grande intervenção, “que transformou a fachada original, abriu os arcos e inseriu ornatos contrastantes nas fachadas, embora a inscrição refeita ainda mostre a data da construção, 1735”.