Conceição do Mato Dentro e Santana do Riacho – O cheiro de café forte, daqueles torrados com grãos cultivados em pés no quintal e passados na mesma hora, suaviza a paisagem dura do cerrado fechado, tornando-a mais amistosa. E não é só impressão. Mais alguns passos adiante e o perfume típico das fazendas da roça se intensifica. Vem da velha cozinha de alpendre do vaqueiro Silvestre Costa, o senhor Celi, de 51 anos, que prepara o café da manhã logo cedo em seu fogão a lenha, na localidade conhecida como Capão Redondo. “Aqui é pouso de apoio a muita gente. Quem vem fazer a travessia liga para pedir abrigo, alimento, uma prosa boa. Vem gente de todo o Brasil e até de fora. E mesmo quem não avisa para combinar pode ter certeza de que um gole de café quentinho vai conseguir aqui comigo”, afirma. A propriedade rural onde o vaqueiro vive é um dos sete sítios e chácaras estratégicos para a travessia entre o povoado de Lapinha da Serra, em Santana do Riacho, e o Parque Municipal Natural do Tabuleiro, em Conceição do Mato Dentro. Essa rede de solidariedade e serviços acaba se tornando parte do encanto e da imersão na cultura sertaneja propiciada por essa travessia.
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Conheça a Cachoeira do Tabuleiro, a mais alta de Minas, com 273 metrosEM refaz trajeto de tropeiros entre Lapinha da Serra e Conceição do Mato DentroCentenas de pessoas se reúnem em ato para recuperar a Serra da CalçadaPioneiro no país, parque eólico do Morro do Camelinho acabou abandonadoAdolescente de 16 anos é baleado na rua em VespasianoNo primeiro contato com a gente estranha que se aproxima, o senhor José Ferreira já trata de desfazer as formalidades. “Todo mundo aqui me conhece como seu Zé da Olinta, minha mãe. Pode me chamar assim”, disse. Além de ajudar com informações e recursos, seu Zé também gosta de uma boa conversa na porta de casa, ou mesmo dentro dela se a pessoa não estiver com pressa. Suas terras, dentro do parque, foram herança de família e ele revela isso sem temor de que um dia esse conflito seja resolvido com seu despejo, algo que já ocorreu em outras unidades de conservação. “De primeiro era o meu sogro que mexia aqui (nessas terras). A minha dona, que era a filha dele, mexia aqui também. Aí eu fiquei aqui, fui comprando algumas terras de um e de outro. E fui fechando também algumas cercas, que não eram de ninguém, ninguém veio brigar comigo. Porque, do governo, não viriam aqui brigar, né? Então eu fiquei aqui, ninguém procurou nada aqui comigo”, disse.
Ele confessa que se alegra com o movimento de gente atravessando a montanha. “De primeiro, quase não passava gente aqui. Agora, vêm pessoas de tudo quanto é canto. Eu não vim para o turismo, foi o turismo que veio para mim. Aí faço comida para eles, banho quente, café, alguma vez costumam ficar em quartos aqui de dentro de casa também”, disse. Segundo ele, os pratos que mais fazem sucesso são as comidas caipiras. “Nada muito complicado não, porque não tenho como. Mas sai uma salada, um ovo, uma carne. Uma galinha. Não é muita coisa não, porque para se chegar a um lugar desse não é fácil não. Só de helicóptero”, brinca.
'Feitiço' do povo do lugar
A chegada a Lapinha da Serra, do alto da Serra do Breu, é impressionante. O povoado se espalha entre duas lagoas compridas e o sopé da serra oposta. Do alto já se vislumbra o pacato ambiente rural, com pessoas cavalgando animais no pelo, navegando em caiaques ou simplesmente perambulando pelas ruas de chão de terra. Ao se descer a montanha que antecede a comunidade, já se observam várias placas com indicações de cachoeiras, algumas delas muito próximas, como a do Poço Escuro, outras mais exigentes. Ou seja, há locais para todos os gostos e disposição de visitantes. Alguns festejos costumam atrair mais turistas e por isso é bom deixar seu lugar reservado numa pousada ou camping. Os preços na vila também são mais salgados que em muitos comércios da capital, sobretudo devido à dificuldade logística de serem abastecidos. Santana do Riacho, a sede do município, fica a 12 quilômetros, numa estrada de terra que pode piorar durante as chuvas.
Receptividade quando se tem uma vasta oferta de camas sobrando é algo bonito. Mas e quando sua pousada está lotada devido à maior festa do povoado? É nessas horas que pessoas realmente hospitaleiras estendem suas mãos aos viajantes, mostrando um pouco da solidariedade de Lapinha da Serra. Exemplo disso é João Elias Neto, dono da Pousada Cipó Brasil. Quando a reportagem chegou da travessia, no fim da tarde, e encontrou quase todas as pousadas repletas de turistas, João abriu uma exceção para os viajantes estafados. O estabelecimento é muito aconchegante e funciona há três anos. Atrai muitos casais e atletas também interessados nas belezas da Lapinha. “O clima aqui é muito aconchegante e gosto de focar também na culinária. Eu mesmo faço bolos e pães. Nos fins de semana, procuro criar noites temáticas, com culinária italiana ou espanhola”, afirma o proprietário, que também dá ótimas dicas de passeios para explorar a região, outra de suas paixões.
O que começou como turismo acaba conquistando o coração de muitos, que adquirem propriedades na Lapinha da Serra e passam a se tornar frequentadores assíduos. Como o funcionário público Paulo Henrique Vale, de 42 anos, e sua mulher, Rita Araújo Vale, de 40, que compraram uma casa e sempre passeiam com as filhas gêmeas, Gabriela e Luana, de 6. “Conhecemos a Lapinha desde 2002. Temos uma casinha aqui e costumamos vir com bastante frequência, seja quando tem festas seja para aproveitar as férias das meninas”, disse Paulo Henrique. “O que mais nos tocou foi a simplicidade da vida aqui, a cultura do lugar. E a paisagem, que é linda”, afirma Rita.
Cuidados para a travessia
Detalhes que devem ser observados, principalmente pelos menos experientes
Precaução // Motivo
Contate os pontos de apoio // Com isso você garante o pouso e não tem de dormir no frio do mato
Cuidado com a água // Pastilhas de cloro ou tintura de iodo ajudam a purificar. Vimos um cavalo morto num córrego onde se coleta água
Contrate um guia ou use GPS // Não dá para confiar na sinalização, que apesar de boa pode confundir
Use calçados adequados // Botas de cano médio ou alto previnem torções nas montanhas
Observe os horários // Procure levantar acampamento antes das 17h. A noite cai rápido nos montes
Evite os pastos // Muitos deles são infestados de carrapatos
Nunca vá sozinho // Recomendações de segurança são para pelo menos três componentes
Leve fogareiro // É proibido fazer fogueira. Todo cuidado é pouco para evitar incêndios
Carregue seu lixo de volta // Tenha sacolas e recipientes para lixo e excrementos
Não esqueça o celular // Além de poder fazer contato em alguns pontos, o GPS pode ajudar
(A LOJA ROTA PERDIDA/ROTA EXTREMA - www.rotaperdida.com.br - forneceu parte dos equipamentos usados nas expedições)