Desenvolvidos e lançados sob o argumento de facilitar a mobilidade nas grandes cidades do Brasil, levando as pessoas até seus destinos de forma mais ágil e barata, os aplicativos de transporte induziram, na verdade, a uma realidade um pouco diferente. Um dos aspectos abordados na pesquisa sobre o tema conduzida pelo professor Fábio Tozi, do Departamento de Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais, é a maior pressão sobre a mobilidade de Belo Horizonte. Isso porque a maior parte das corridas se concentra no perímetro da Avenida do Contorno, região que já tem oferta de transporte coletivo considerada boa.
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Apps de transporte: estudo inédito mostra por que despencou a qualidade do serviçoLiminar suspende lei que limitava operação de apps de transporte privado em ConfinsMotorista do Uber é feito refém e escapa ao pular de carro em Vespasiano Especialistas e usuários falam sobre os prós e contras dos patinetes em BHZona Sul de BH vive tormento com engarrafamentos em acessos ao Belvedere e Vila da SerraNo mês passado, Nova York foi a primeira cidade dos Estados Unidos a limitar a presença de motoristas de aplicativos de transporte como Uber e Lyft. Uma lei aprovada pelo Poder Legislativo municipal proibiu, por 12 meses, a emissão de novas licenças para esses apps, exceto no caso de carros que estiverem preparados para receber cadeiras de rodas. A suspensão vale para o período em que a cidade vai estudar o impacto das plataformas para o sistema de transporte urbano.
Problemas identificados no transporte público de Nova York e o alto custo dos estacionamentos criaram o cenário ideal para a proliferação dos aplicativos. Por outro lado, o suicídio de seis taxistas desde dezembro, com possível ligação com a falta de passageiros, ligou o alerta para a entrada descontrolada dos carros na cidade, sem nenhum estudo de impacto, situação que foi duramente criticada pelas autoridades, inclusive o prefeito democrata Bill de Blasio.
Em Belo Horizonte, desde 2014 houve redução de cerca de 30% das corridas de táxi, segundo o chefe de gabinete da presidência da BHTrans, Reinaldo Avelar, mas a empresa que cuida dos transportes e trânsito da cidade diz não ter como avaliar qual o percentual pode ser atribuído aos aplicativos, em um cenário que também é de crise econômica.
Redução de passageiros também é verificada nos ônibus, mas esse é outro sistema, em que não é possível mensurar o impacto dos apps.
Segundo o chefe de gabinete da BHTrans, não é possível concluir que os usuários estejam sendo atendidos em áreas onde o transporte coletivo é forte, por falta de informações disponíveis. “Entendemos que esse serviço existe e não há ideia de proibição. Ele é um componente do sistema de mobilidade do município, e a ideia é que esteja alinhado com esse sistema”, acrescenta Reinaldo Avelar. A Prefeitura de BH propõe atualmente a cobrança de uma taxa pública para as empresas para, a partir de então, evoluir com a regulamentação. Depois de seis meses travado na Câmara Municipal por decisão judicial, o projeto voltou a tramitar na última quinta-feira, por decisão do presidente do Legislativo, em concordância com decisão da Justiça.
Em dezembro de 2015, a prefeitura conseguiu aprovar na Câmara a primeira legislação sobre o tema, que restringia o funcionamento dos apps apenas à intermediação de corridas de táxi.
A pressão popular pela permissão dos programas foi grande e a prefeitura criou um decreto autorizando o funcionamento do serviço, mas o instrumento também foi suspenso pela Justiça, nesse caso sob o argumento de que deveria passar pela Câmara Municipal. Quando chegou ao Legislativo, em fevereiro deste ano, o assunto sofreu nova interrupção por via judicial, dessa vez por discordância quanto às comissões em que deveria tramitar antes de ser levado a plenário. Porém, na quinta-feira, a Câmara acatou recomendação da Justiça sobre a forma de apreciação do tema e o Projeto de Lei 490 voltou a tramitar na tentativa de, enfim, garantir a regulamentação dos aplicativos.
POSICIONAMENTO Questionadas pelo Estado de Minas sobre os resultados da pesquisa conduzida na UFMG e sobre as declarações de motoristas e usuários, as empresas Uber e 99 se manifestaram em nota. Segundo a Uber, a falta de referências sobre o estudo, quanto à metodologia ou ao eventual número de motoristas da plataforma entrevistados, dificulta um posicionamento quanto aos resultados.
A multinacional, porém, sustenta que os condutores têm liberdade de definir quantas horas trabalham, “sem qualquer imposição”. Argumentou ainda que cerca de um terço dos “motoristas parceiros” em Belo Horizonte dirige menos de 20 horas por mês pela plataforma.
Para a companhia, viagens pelo aplicativo representam pequena parcela de veículos nas ruas em cidades como São Paulo. “O maior volume de viagens da Uber ocorre no período noturno e aos fins de semana, justamente quando o trânsito está menos congestionado e a oferta de transporte público é menor”, afirma o texto.
Quanto à concentração das viagens em pontos centrais, mais atrativos e de tráfego já saturado, apontada pelo estudo desenvolvido na UFMG, a empresa sustenta que seus serviços vêm chegando à periferia e regiões mais afastadas. “Mais de 25% das viagens de Uber em BH começam na região metropolitana”, informou, acrescentando que sua atuação cresceu duas vezes mais nas cidades da Grande BH.
A responsável pela plataforma defende que não compete, mas complementa o sistema de transporte público, e que por isso vem fechando parcerias com o setor. Citando estudos feitos em outros países, a multinacional sustenta que não há evidências de que seus serviços retirem usuários do setor público e que na verdade sua atuação “em cidades americanas está elevando o uso do transporte público”.
Em relação aos critérios para admitir condutores e automóveis, a empresa informou que exige dos candidatos carteira de motorista que permita exercer atividade remunerada e documentação válida dos veículos, que devem ter quatro portas e ter ar-condicionado.
Já a 99 informou que conecta mais de 300 mil motoristas a 14 milhões de passageiros em mais de 500 cidades no Brasil, e que verifica o histórico dos condutores, a partir de documentos como identidade, carteira de motorista e licenciamento do veículo. Em relação ao veículo, em BH, é exigida data de fabricação a partir de 2008 e modelo quatro portas.
A empresa citou ainda levantamento da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), segundo o qual seus serviços aumentam o acesso dos passageiros a oportunidades de emprego e reduzem a demanda por estacionamento. “Isso tende a melhorar também os índices de congestionamento. Segundo estudo de Donald Shoup, autor do livro The high cost of free parking, em média, 30% dos carros em centros urbanos densos estão circulando em busca de vagas”, informou, em nota.
Já a Cabify esclarece que não teve acesso à metodologia ou ao estudo mencionado e, por isso, não comentará o material.
Qualidade em queda,
insatisfação em alta
Os problemas verificados a partir da massificação e popularização dos veículos a serviço dos aplicativos de transporte são relatados pelos motoristas, ficam explícitos em pesquisa conduzida na UFMG e também estão na boca do povo. Dados do site Reclame Aqui, que recebe queixas contra diferentes empresas, mostram que, somados, os apps Uber, Cabify e 99 tiveram aumento de reclamações em Minas Gerais quando analisados os períodos de janeiro a julho, entre 2015 e 2018 (veja quadro). Em 2015, foram 62 reclamações por motivos diversos, contra 4.533 em 2018, sempre considerando os sete primeiros meses do ano.
O advogado Frederico Amaral, de 31 anos, costuma usar um dos aplicativos mais populares nos fins de semana. Um dos problemas que tem notado com frequência é o ar-condicionado desligado. “É comum eles não se oferecerem para ligar mais. Uso terno e gravata e, às vezes, o calor fica complicado”, afirma.
No caso da servidora pública Bárbara Viegas, de 30, a experiência ruim não foi com manutenção do carro, mas com um motorista. Ela havia chamado o carro por um dos apps, do Centro para casa, no Bairro Silveira, Nordeste de BH, e resolveu cancelar, devido à demora. Pediu outro carro, mas continuou esperando no mesmo lugar. Instantes depois, o primeiro motorista a aceitar a corrida apareceu, xingando-a. “Deletei o aplicativo na hora. Tenho observado uma queda de qualidade grande nos serviços. O próprio motorista que me atendeu depois do episódio relatou isso.” .