Desde novembro de 2014 em Belo Horizonte, com um mercado inaugurado pela Uber e seguido por outras empresas como Cabify e 99pop, os aplicativos de transporte se tornaram ferramentas populares nos celulares dos belo-horizontinos, como forma de se deslocar pela cidade. Mas a disseminação dessas plataformas, com a explosão do número de carros e motoristas associados e também de novos apps, traz a reboque consequências que começam a ficar evidentes nas ruas da capital mineira, mensuradas principalmente por relatos que trazem reclamações quanto ao serviço e denúncias de sucateamento da frota, diante da falta de fiscalização adequada. Pesquisa pioneira no Brasil feita na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mostra que a relação das empresas com os motoristas tem levado à precarização das condições de trabalho e trazendo de volta uma situação que parecia superada no país.
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Projeto de Lei que regula transporte por aplicativos volta a tramitar em BHNovos aplicativos de transporte prometem aumentar segurança para mulheresGrupo suspeito de assaltos a motoristas de aplicativos é preso em BHAvança na Câmara, PL que pretende regular transporte privado por apps; confira as possíveis mudançasExcesso de carros de apps não facilita mobilidade e congestiona trânsito, diz pesquisaAs condições abrem caminho para o resultado observado tanto em conversas com motoristas quanto usuários: carros cada vez mais sucateados e qualidade das corridas em queda livre. “A tecnologia dos aplicativos gera um volume muito grande de pessoas disponíveis e elas acabam entrando nessas plataformas. Isso não quer dizer que o dinheiro não circule. O motorista consegue ter dinheiro a curto prazo, mas não consegue perceber que a médio e longo prazos os gastos são altos e vão ser pagos por ele. Não está incorporado o desgaste, a manutenção, o seguro, além da depreciação do veículo”, afirma o professor Fábio Tozi.
O resultado da pesquisa, que começou em 2016 e continua sendo feita, foi o artigo “As novas tecnologias da informação como suporte à ação territorial das empresas de transporte por aplicativo no Brasil”, que Fábio Tozi já apresentou na Universidade de Barcelona e na Science Po, em Paris, considerada a principal universidade francesa.
VOLTEI AO TÁXI As consequências desse quadro de precarização do trabalho e queda de rendimentos já fizeram, por exemplo, o hoje taxista Sávio Valadares, de 28 anos, deixar os aplicativos e voltar a dirigir um táxi, função em que começou há seis anos. Naquela época, chegou a pagar até R$ 185 de diária para trabalhar como taxista auxiliar. Largou o serviço comandado pela BHTrans atraído pela inovação e pelos rendimentos prometidos pelo Uber.
Há um ano, pressionado pelas condições mencionadas pelo professor Fábio Tozi, resolveu voltar para o táxi. “Minha ficha caiu quando percebi que, mesmo com um fluxo muito grande de corridas, os valores que recebia eram muito pequenos. Quando fui ver, a manutenção do carro pesou e não estava tendo lucro.
As jornadas eram tão pesadas que o motorista começou a ter pouco tempo para as três filhas. “Hoje, colocando na ponta do lápis, o táxi compensa mais, além de o meu desgaste ser menor”, afirma. Pesou na decisão também o fato que o preço das diárias para taxistas ter despencado. Atualmente, o condutor conta que paga R$ 70 ao dono da placa por dia para ficar com o carro 24 horas, e usa diferentes aplicativos que oferecem corridas para taxistas, alguns com até 40% de desconto na tarifa.
O crescimento da frota dos aplicativos é um dos fatores que pesaram para os motoristas, que passaram a ter menos corridas disponíveis. Segundo o professor Fábio Tozi, durante a discussão do projeto de lei que autorizou os apps no Brasil mediante algumas obrigações, a Uber – um dos aplicativos mais difundidos e populares – usou dados para amparar sua tese de que uma regulação diferente da aprovada iria trazer impactos para a vida de milhares de motoristas. Na ocasião, a companhia divulgou que tinha 50 mil motoristas cadastrados no Brasil em 2016, e que esse número passou para 500 mil em 2017.
Um deles é Roberlan Nunes, motorista da Uber em BH desde 2016. Ele acredita que a chegada da empresa ajudou a melhorar a vida de quem não tinha opção de trabalho.
Em meio à febre dos aplicativos, Roberlan destaca que já chegou a se deparar, inclusive, com um táxi cadastrado como Uber. Quando estava de folga, ele pediu um carro pelo aplicativo de celular, para uma conhecida. “Imediatamente reportei a situação à Uber. O carro que chegou era um táxi e a placa era a mesma do cadastro”, conta.
Para Iori Takahashi, que também é motorista de app e faz parte do Movimento dos Motoristas de Aplicativo em BH, a precarização do trabalho é facilmente percebida no dia a dia. “Há cerca de um ano, ainda houve redução da tarifa e sofremos a pressão do aumento da gasolina. Desse jeito, sobrou menos ainda para o motorista, que precisa rodar muito mais horas para conseguir algum dinheiro. Tem dia que você não ganha nem R$ 30”, relata.