Fogo, tristeza e, agora, busca de proteção. No dia seguinte ao incêndio que destruiu grande parte do acervo e do prédio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro (RJ), autoridades de Minas se mobilizam para evitar que o patrimônio estadual siga o mesmo caminho ou sofra com a degradação – no estado, há 430 museus, sendo 125 na Região Metropolitana de Belo Horizonte e 68 na capital. Ontem, o Ministério Público, via Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico (CPPC), começou a fazer um levantamento para verificar o tipo de proteção existente nas edificações que funcionam como equipamento cultural. Já o governo do estado anunciou a realização da Operação Alerta Vermelho pelo Corpo de Bombeiros, com órgãos mineiros ligados ao setor cultural, de patrimônio histórico e de meio ambiente, para fiscalizar equipamentos públicos e orientar sobre a prevenção a incêndios.
No caso da iniciativa do MP, segundo a coordenadora da CPPC, promotora de Justiça Giselle Ribeiro de Oliveira, estão sendo expedidos comunicados às comarcas para que os representantes das promotorias verifiquem a situação dos museus nas cidades e quais são as formas de proteção. A partir das investigações, promotores de Justiça vão elaborar um diagnóstico e propor medidas de salvaguarda aos gestores municipais ou de museus particulares, a fim de fomentar as ações. “Estamos todos chocados com o ocorrido no Rio de Janeiro, acho mesmo que ficamos de luto por perda tão grande”, lamentou Giselle.
No estado, conforme a Superintendência de Museus e Artes Visuais, vinculada à Secretaria de Estado da Cultura, cerca de 20% dos museus estão em situação lamentável quanto à segurança. “A maior parte deles funciona em prédios antigos”, disse a diretora de Ações Museológicas, Ana Werneck, ressaltando que os acervos mais importantes para contar a história de Minas, especificamente sobre o Ciclo do Ouro, estão na Região Central, embora haja expoentes também no Sul de Minas, como em Campanha, e no Vale do Jequitinhonha, a exemplo de Diamantina.
Os especialistas lastimam a grande perda do patrimônio arqueológico, com muitas peças oriundas da Região Cárstica, que tem Lagoa Santa como principal referência. Mas o secretário municipal de Cultura e Patrimônio de Ouro Preto, Zaqueu Astoni Moreira, lembrou que estavam no museu também uma coroa e um cetro do congado, um tambor do século 18 da Igreja Nossa Senhora do Rosário e dois anjos da Igreja das Mercês de Cima, no Centro Histórico da antiga Vila Rica.
Em Ouro Preto, o Corpo de Bombeiros vai intensificar a fiscalização em todos os locais que guardam a memória da cidade, reconhecida como Patrimônio da Humanidade. Haverá bastante trabalho. Conforme apurou o Estado de Minas, o Museu da Inconfidência, por exemplo, ficou com as contas de luz em atraso por 19 meses. O EM entrou em contato com o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), ao qual a unidade está vinculada, mas até o fechamento da edição não obteve resposta. Considerado o segundo museu federal mais visitado do país, atrás apenas do Museu Imperial, em Petrópolis (RJ), o Inconfidência recebe cerca de 150 mil pessoas/ano.
IMPACTOS No interior de Minas, os efeitos da destruição do Museu Nacional foram avassaladores. “Cortou a nossa história na raiz”, disse, com consternação, Álvaro Kelmer, coordenador do Museu Georges Bernanos, em Barbacena, na Região Central. Ele conta que o equipamento cultural, localizado no Bairro Vilela, precisa de reestruturação principalmente no telhado, e que descendentes do escritor francês (Georges Bernanos – 1889-1948), que morou em Barbacena na década de 1940, vão se encarregar dos projetos.
Quem também ficou impressionada – “Não paro de receber telefonemas desde a hora do incêndio”, ressaltou – foi a curadora e diretora Mônica Castello Branco, do Museu Casa Natal de Santos Dumont, em Cabangu, no distrito de Mantiqueira, em Santos Dumont, na Região Central. A casa dedicada à memória do Pai da Aviação tem três pavilhões interditados há 10 anos e está com vários projetos para recuperar o equipamento.
Já em Santa Luzia, na Grande BH, a população não vê a hora de ter de volta o Museu Aurélio Dolabella/Casa da Cultura, fundado em 1962 e há quatro anos fechado. No casarão que abrigava o equipamento cultural, na Praça da Matriz, no Centro Histórico, e que serviu de quartel durante a Revolução de 1842, há toda sorte de problemas. A expectativa é de que, a partir da conclusão dos projetos, neste mês, a licitação seja feita no mês posterior para começo das obras em novembro. O acervo incluindo armas, mobiliário, louças, documentos, quadros e outros objetos do século 19 está guardado em local seguro.
DIMENSÃO MUNDIAL Em nota, a Secretaria de Estado da Cultura lamentou a destruição do Museu Nacional, instalado desde a proclamação da República no palácio imperial da Quinta da Boa Vista, no Rio. “Constitui numa tragédia imensa para todo o Brasil e em perda de dimensão mundial. Muito da história de Minas passava pelos acervos do local, e os riscos que cercavam o conjunto arquitetônico sempre causaram apreensão a todos os militantes do campo da cultura”. E mais: “Uma advertência incontornável impõe-se ao Brasil e a todos nós quanto à necessidade de proteção e salvaguarda do patrimônio cultural, com investimentos financeiros à altura das demandas acumuladas”.
Estado cria força-tarefa para fiscalizar
Em reação ao incêndio que destruiu o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, o governador Fernando Pimentel (PT) se reuniu ontem com os comandantes do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, da Defesa Civil e representantes das secretarias de estado de Cultura e Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, além de órgãos ligados ao patrimônio cultural, como o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) e a Fundação Clóvis Salgado. No encontro foi determinada mobilização em nível estadual para fiscalizar equipamentos culturais e orientar sobre a prevenção a incêndios, por meio da Operação Alerta Vermelho.
De acordo com o comandante-geral dos Bombeiros, coronel Cláudio Roberto de Souza, esta será a 11ª edição da operação em 12 meses. “Faremos visitas de orientação nos equipamentos onde existe esse acervo histórico, com os outros órgãos”, afirmou. “Vamos averiguar a falta do extintor, sinalização de emergência, material combustível que está inadequadamente acondicionado, coisas desse tipo”, disse, afirmando que a operação ocorrerá em todo o estado.
EMPENHO A Prefeitura de Belo Horizonte, por meio da Secretaria Municipal de Cultura e da Fundação Municipal de Cultura, informa em nota que tem se empenhado “em garantir a segurança e a preservação dos acervos que estão sob sua guarda, dotando os equipamentos de infraestrutura de combate a incêndio, bem como aprimorando as equipes responsáveis por sua utilização. Todos os equipamentos culturais do município têm extintores de incêndio devidamente sinalizados e com a validade em dia, e têm também brigadistas treinados em seu corpo técnico”.
Altos e baixos
1) Museu de Arte da Pampulha (MAP), em BH
Parte do conjunto moderno, em Belo Horizonte, o equipamento cultural está aberto à visitação e aguarda recursos para restauro, incluindo investimento do PAC das Cidades Históricas
2) Museu Georges Bernanos, em Barbacena
Na década de 1940, o escritor francês morou na cidade e hoje a direção do museu tombado pelo município busca meios para continuar a receber os visitantes. Descendente de Bernanos se encarregam do projeto
3) Museu Casa Natal de Santos Dumont, em Cabangu, em Santos Dumont
Com três pavimentos interditados há 10 anos, a direção do museu que guarda a memória do Pai da Aviação também busca meios para manter aberto o equipamento cultural inaugurado em 1973
4) Museu Mineiro, em BH
Integrante do Circuito Liberdade, o museu passa por uma grande obra de restauração, que contemplou toda a parte elétrica e novo sistema de iluminação
5) Museu Aurélio Dolabella/Casa da Cultura, em Santa Luzia
O solar diante da Matriz de Santa Luzia está fechado há mais de quatro anos e precisa de obras urgentes, principalmente na estrutura. Gambiarras próximas ao prédio assustam moradores e visitantes
Acervo da PUC destruído
Em 22 de janeiro de 2013, o fogo destruiu parte do acervo do Museu de Ciências Naturais da PUC Minas, no Bairro Coração Eucarístico, na Região Noroeste de Belo Horizonte. As labaredas atingiram o segundo andar do prédio e queimaram, principalmente, réplicas e cenários. Foi consumida parte das exposições Peter W. Lund, sobre a vida do paleontólogo e naturalista dinamarquês, e do pleistoceno, cujo tatu gigante teve placas da carapaça descoladas. O museu foi reaberto depois de 11 meses.
Palavra de especialista
Sarah Issa, doutoranda no Museu Nacional e técnica analista em arqueologia do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
Uma perda gigantesca
“É muito difícil, em um momento desses, dizer se podemos tirar alguma lição positiva do incêndio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro. Pode ser que haja alguma lição, no sentido de tentar remediar e que seja apurado o que realmente ocorreu. Fiquei muito emocionada, pois perdemos um patrimônio gigantesco. Temos que ver que não se perdeu apenas um prédio, mas todo um acervo, documentos históricos, enfim, um acervo muito rico. A estrutura estava bem precária, não havia porta corta-fogo”