Em um cenário de desalento quanto à preservação do patrimônio histórico após o incêndio no Museu Nacional, no Rio de Janeiro, a cidade de Mariana, na Região Central do estado, ganhou incentivo para valorização da memória mineira. Por meio da Lei Rouanet, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vai repassar R$ 14,2 milhões para a execução das obras de restauração e reforma da Igreja São Francisco de Assis, fechada desde 2012, e da Casa do Conde de Assumar, anexa ao templo. O dinheiro também se destina à criação do Museu da Cidade, localizado no complexo religioso, com o intuito de resgatar a história do município. As negociações pela verba duraram dois anos e os recursos vão quitar 94% do investimento total.
As obras devem sair do papel ainda neste ano ou no início de 2019, segundo Efraim Rocha, secretário de Cultura, Patrimônio Histórico, Turismo, Esporte e Lazer de Mariana. As intervenções programadas vão realçar os traços do Barroco mineiro da Igreja São Francisco de Assis. Segundo Rocha, o espaço vai passar por melhorias em sua estrutura, aprimoramentos para evitar infiltrações e trabalhos de alvenaria, pintura, iluminação e som, além da restauração da parte artística (pinturas e forros).
Serviços semelhantes aos da igreja serão executados na Casa do Conde de Assumar, localizada atrás do templo religioso e tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1938. A verba do BNDES ainda será empregada na construção de um museu, anexo à igreja, que pretende contar a história de Mariana. A proposta do Museu da Cidade de Mariana consiste em oferecer um percurso que vai se iniciar na Casa do Conde de Assumar, passar por vestígios arqueológicos que se encontram no jardim entre as duas construções históricas, adentrar a Igreja São Francisco de Assis e terminar na Praça Minas Gerais, um dos principais cartões-postais do estado.
Segundo o secretário Efraim Rocha, os projetos já estão prontos e devem demorar cerca de dois anos para ser concluídos. Para o representante do Executivo municipal, as obras representam um avanço significativo para a economia da cidade, abalada desde o rompimento da Barragem do Fundão, que despejou rejeitos de mineração e destruiu o distrito de Bento Rodrigues. “São obras muito esperadas pela comunidade, pois a igreja está fechada há muito tempo. Estamos contando com esse dinheiro. Nossa cidade perdeu muita receita e renda e é hora de restabelecer nossa vocação para a arte e para a cultura”, ressalta.
Além do restauro das duas construções e da criação do museu, o projeto prevê também a realização de ações educativas. A ideia é que elas contribuam para estreitar laços entre a população e o patrimônio histórico da cidade, por meio de visitas monitoradas ao canteiro de obras. Outra iniciativa no cronograma é a Escola de Ofícios, um programa de formação nos modos de fazer tradicionais da construção civil – considerados patrimônio imaterial de Minas Gerais. As obras do conjunto arquitetônico do Museu de Mariana poderão servir de canteiro de aprendizagem para os alunos e integrantes do programa.
Após o término das obras, a gestão das edificações será compartilhada: a casa do Conde de Assumar e a sede do museu serão de responsabilidade da Prefeitura de Mariana, enquanto a Igreja de São Francisco de Assis ficará a cargo da Arquidiocese da cidade. Ambas também deverão destinar recursos para manutenção das respectivas construções pelo período de 20 anos, a partir da assinatura do convênio.
A professora Luciana Silveira, de 47 anos, ficou feliz com a notícia. “Acho importante preservar, não só pela arte, mas também para o povo ter acesso. Apesar de termos muitas igrejas, todas têm a sua importância, as congregações sentem falta, a gente fica sentido por estar fechada esses anos todos. Frequentei esse templo desde criança e fico preocupada com o risco de os danos irem piorando e um dia não ter mais como voltar a ser como era”, disse.
Para a servidora pública federal Fábia Alves, de 34, que estava a passeio em Mariana com duas amigas, a restauração é essencial. “Para visitar Minas Gerais temos de ver a parte histórica. Por isso, ela precisa ser preservada. Viemos do Nordeste, onde há também igrejas antigas e patrimônio, justamente para ver as de Minas, tão belas”. Também funcionárias públicas, Thereza Xavier, de 36, e Evoncleide Ramos, de 40, concordam. “O conjunto daqui é um tesouro, um patrimônio que precisa mesmo ser preservado. Não podemos deixar acabar para depois agir”, diz Thereza. “Se como estão hoje já são tão bonitas, imagine quando as igrejas forem restauradas”, admira-se Evoncleite.
Tesouro do século 18 interditado
Interditada há mais de seis anos, a igreja ostentava a vice-liderança no ranking de visitação a templos religiosos de Mariana quando foi fechada. Em maio de 2012, laudo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artísco Nacional (Iphan), assinado pelo engenheiro Luiz Mauro Rezende, apontou problemas na cobertura e estrutura do prédio, o que motivou o veto à visitação e às celebrações religiosas.
Três anos antes, em abril de 2009, uma decisão judicial também lacrou as entradas da igreja. À época, a juíza Lúcia de Fátima Magalhães Albuquerque Silva acatou pedido do Ministério Público Estadual (MPE), que denunciou as fragilidades do prédio por causa da umidade causada pelas infiltrações e pela ação dos cupins.
A Igreja São Francisco de Assis foi construída no século 18, entre 1761 e 1794, por meio de um projeto proposto pelo arquiteto José Pereira Arouca. A primeira missa foi celebrada em dezembro de 1777, quando começou uma série de intervenções. Em 1794, a igreja foi entregue, depois de ser concluída pelo irmão Miguel Teixeira Guimarães, administrador da obra. A fachada e os elementos ornamentais (como púlpito, retábulo-mor, lavabo e teto da capela-mor) são de autoria de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.
O ponto turístico conta também com influência de outro expoente do Barroco mineiro. No período de 1791 a 1825, Mestre Ataíde ficou responsável pelo douramento do retábulo do altar-mor, do trono, do tabernáculo e do altar de Santa Isabel. Os painéis do forro da sacristia e do teto do corpo da igreja são de autoria desconhecida, embora haja dados a respeito de um pagamento efetuado entre 1816 e 1817 pelas pinturas da sacristia. Diferentes pintores contribuíram na execução dos trabalhos, como Francisco Xavier Carneiro, professor que examinou as obras de Ataíde, João Lopes Maciel, José Luís de Brito, José Joaquim do Couto, Francisco Moreira de Oliveira e João Nepomuceno Correa e Castro.