(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Comunidade reabre igreja fechada há 10 anos, limpa, celebra missa e pede retomada das obras

Cansada de esperar restauração de igreja do século 18, comunidade põe a mão na massa e limpa o templo para celebração, com esperança de que obras sejam, enfim, retomadas


postado em 17/09/2018 06:00 / atualizado em 17/09/2018 07:59

No sábado, devotos ajudaram na limpeza do imóvel histórico, cujo processo de restauração foi interrompido em 2014(foto: Marcos Vieira/EM/DA Press)
No sábado, devotos ajudaram na limpeza do imóvel histórico, cujo processo de restauração foi interrompido em 2014 (foto: Marcos Vieira/EM/DA Press)


Aos 92 anos, Maria da Piedade Ferreira Pinto, conhecida como dona Lia, tem fé, mas a esperança vem se esvaindo. No pensamento da senhora que nunca foi à escola, embora tenha escrito dois livros, esperança é para “quem vem por aí... os filhos, netos e bisnetos”. Se tem razão ou não, só o tempo dirá, pois ela traz um sentimento bem realista, que fecha seu semblante: já se cansou de aguardar o fim da restauração da Igreja Nossa Senhora da Assunção da Lapa, tesouro do distrito de Ravena, em Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Na tarde de sábado, Maria da Piedade viu, da porta principal, a faxina lá dentro do templo para a missa que seria celebrada ontem de manhã, e entrou, a convite do administrador paroquial, padre Eloísio Vieira da Silva. “Será que agora vai?”, comentou um morador, para ouvir em seguida: “Sei não... pelo andar da carruagem...”.


A igreja está fechada há 10 anos, para intervenções que foram interrompidas em 2014 – em agosto último, foi reaberta para a novena da Assunção. Há oito meses na comunidade, padre Eloísio decidiu dar um basta nas “portas fechadas” e abrir a igreja construída no início do século 18 e tombada há 41 anos pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) e pelo município. Primeiro, fez um mutirão para a limpeza geral, principalmente para retirar as fezes de pombos grudadas aos borbotões nas paredes brancas, tendo em vista a novena da padroeira. Depois, conclamou autoridades e empresários para a ajuda urgente. “Esta igreja vai fazer 300 anos em 2020 e não pode continuar fechada, pois isso causa deterioração. O projeto ficou todo fragmentado”, afirma o sacerdote.

De boa notícia, e que acalma um pouco o coração de dona Lia, está a recuperação do muro de pedras que circunda a construção colonial. A estrutura, conforme explica padre Eloísio, é o pivô da situação, já que está cedendo e aumentando a sensação de insegurança quanto à igreja: “O templo não está abalado, mas sim o muro. Vai ser preciso fazer um serviço de drenagem, construção de talude e outras intervenções, a cargo da Prefeitura de Sabará. Já a pintura externa terá recursos de empresários e de um vereador”, conta. A próxima etapa será o restauro do interior, mas padre Eloísio está certo de que é preciso dar um passo de cada vez, e todos estão sendo acompanhados por técnicos do Iepha e pela coordenadora do Memorial da Arquidiocese de BH, Maria Goretti Gabrich.

Ontem, voltaram a ocupar espaço diante da capela-mor, ainda protegida por lonas e tomada de andaimes (foto: Lucas Eufrasio Ferreira/Divulgação)
Ontem, voltaram a ocupar espaço diante da capela-mor, ainda protegida por lonas e tomada de andaimes (foto: Lucas Eufrasio Ferreira/Divulgação)


FISCALIZAÇÃO No próximo dia 27, adianta padre Eloísio, uma equipe da Defesa Civil fará uma vistoria na Igreja Nossa Senhora da Assunção da Lapa para avaliar as condições. “Queremos celebrar missas uma vez por mês, no segundo domingo. Quando mais aberta a igreja ficar, melhor”, afirma o padre. “A cobertura foi refeita, faltando fazer a amarração das telhas, por causa do vento. A parte elétrica está boa”, relata. As missas são celebradas no “espaço familiar” da paróquia e nas demais comunidades. O desejo maior é poder reunir todo o rebanho em apenas um lugar, no caso, a igreja secular.

A missa de ontem foi celebrada pelo bispo auxiliar da Arquidiocese de BH, dom Vicente de Paula Ferreira, que lembrou a importância da igreja para Ravena, fortaleceu a sensação de “pertencimento” e ressaltou a identidade. Na véspera, o casal Daniel Pinto dos Santos, motorista, e Elisângela Aparecida Ferreira, dona de casa, também esteve no templo com os filhos Arthur, de 6 anos, e Luiz, que completará 1 ano quarta-feira. “Meu pai foi ministro da eucaristia e morreu há 15 dias, aos 68 anos. Sempre foi muito dedicado à igreja e morreu sem vê-la pronta”, conta a mulher, com os olhos brilhando pela emoção. “Já eu quero vê-la pronta, em nome de Jesus! A paixão do povo todo daqui é esta igreja. Dói na gente ver tudo inacabado. É nossa raiz.” Ao lado, o marido diz que o casamento deles foi um dos últimos celebrados ali.

Enquanto o repórter conversa com a família, as voluntárias Maria da Conceição Cândida, conhecida como Tuquinha, e Idete Martins Pinto, continuam a varrer o piso de madeira. “Tudo o que queremos é esta igreja cheia, para celebrar casamentos, batizados, missas aos domingos, enfim, a casa cheia”, afirma Idete, sem perder o entusiasmo. Em retribuição, ganha um abraço carinhoso do padre. “Contamos com todo mundo”, ele proclama, em voz alta e com bom humor. Para evitar invasões, as imagens foram retiradas dos altares e guardadas em local seguro. “A padroeira foi roubada há 35 anos e nunca mais apareceu”, lamenta.

Escoras Um giro pela igreja traz surpresas, como na capela-mor ocupada por andaimes desde 2010, em especial para dar apoio ao arco-cruzeiro. Portanto, as missas como a de ontem, que lotou a igreja, só podem ser realizadas na área permitida e que tem como barreira uma gigantesca lona azul. Padre Eloísio mostra satisfeito os dois altares colaterais já restaurados. “Estão prontos. Pode ver, aqui não tem cheiro de mofo, não há necessidade de ficar fechada”, reitera o sacerdote.

A assessoria do Iepha confirma que as atividades são desenvolvidas com o conhecimento dos técnicos da instituição. Em nota, informam que “não há risco iminente de desabamento da igreja, mas é primordial que as intervenções na parte estrutural sejam concluídas para que os fieis voltem a frequentar o templo religioso”. A Igreja Nossa Senhora da Assunção da Lapa foi objeto de contrato de serviço de restauração executado pelo Iepha em 2012. Os serviços envolveram parte do tratamento de restauração dos elementos artísticos, sendo investidos pelo governo estadual R$ 815,1 mil, entre 2013 e 2014.

A nota esclarece que “no curso da execução da obra, foram identificados problemas estruturais na edificação que comprometeram a finalização dos serviços, paralisados em 2014”. “Na atual gestão foi contratada obra emergencial de escoramento e de sistema de prevenção de descarga atmosférica do templo, com investimento de R$ 160 mil”, acrescenta o texto. E mais: “A retomada dos trabalhos está condicionada à execução de obras estruturais junto ao talude de contenção do terreno da edificação, ação prioritária para a estabilização do templo. Somente após sanado o problema estrutural, será possível o reinício das obras civis e dos elementos artísticos. Tendo em vista a indisponibilidade de recursos financeiros do estado para assumir a totalidade das ações necessárias, o governo de Minas tem articulado com a Prefeitura de Sabará e a Arquidiocese de BH para a retomada das obras prioritárias de forma compartilhada”.

Ao se despedir, dona Lia lança um último olhar ao interior do templo e se diz “apaixonada” pelo espaço sagrado. Mãe de nove filhos, que lhe deram 14 netos e seis bisnetos, lembra que, na igreja, foi batizada, crismada e se casou. Mesmo realista e com os pés no chão, parece guardar a certeza de que, desta vez, as obras não ficarão ao Deus-dará. “A esperança é a última que morre.”

 

Igreja Nossa Senhora da Assunção da Lapa 

(foto: Marcos Vieira/EM/DA Press)
(foto: Marcos Vieira/EM/DA Press)

Conforme pesquisa do Iepha, o conjunto arquitetônico e paisagístico foi tombado em 2 de junho de 1977. A construção do século 18, com elementos da arquitetura colonial mineira, fica no Centro de Ravena, no largo da rua principal, com adro murado que abriga o cemitério. A inscrição “1750”, existente no arco-cruzeiro, parece indicar a conclusão de parte importante das obras do templo, que passou por diversas reformas: em 1853, realizada por frei Luís de Ravena; em 1948-49, recuperação da torre que fora atingida por um raio; e em 1953, quando foi restaurado o altar-mor e teve partes da cantaria recobertas com pintura imitando mármore. Outras obras ocorreram entre 1984 e 1987.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)