O caminho percorrido pelas mãos em cada peça tem a ver com a mensagem passada pelo artista. Em foco, São Francisco de Assis, o primeiro santo católico. Um acervo precioso, originário de 15 museus da Itália e de um museu de Nova Iorque, nos Estados Unidos, está reunido em Belo Horizonte e mostra o padroeiro do país europeu retratado em diversas fases – do homem simples e frágil, quase maltrapilho, ao santo de rosto belo e imponente. Na exposição São Francisco na arte de mestres italianos, pinturas seculares ganharam volume para quem precisa enxergar a arte de forma diferente. Com recursos da tecnologia, três das obras em exposição na Casa Fiat de Cultura, um dos museus do Circuito Liberdade, na Praça da Liberdade, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, foram recriadas no formato de peças em 3D para deficientes visuais poderem, por meio da experiência tátil, também apreciar essas joias da cultura mundial. O evento integra a programação da 12ª Primavera dos Museus, que vai até domingo, em todo o Brasil.
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Na 12ª Primavera dos Museus, série do EM mostra os atrativos de equipamentos de BHMinas tem vários museus em estado precário: veja o que estado e MP prometem fazerCorpo de Bombeiros vistoria mais de 300 museus de Minas Gerais hojeExposição retrata laços entre Japão e Minas GeraisEspaço do Conhecimento UFMG celebra a educação nos museusAssaltante invade educandário e agride funcionária e interno em Juiz de ForaDo segundo núcleo, Os estigmas, o quadro São Francisco recebe os estigmas (1570 – Renascimento), de Tiziano Vecellio, ganhou versão em 3D. Nela, um jogo de perspectiva, que é um dos grandes cânones do Renascimento, constrói a ilusão de profundidade. Para passar essa impressão, o número de camadas dessa peça é maior que as das outras, sendo possível perceber os diversos planos em que os personagens da tela de Tiziano – Cristo, São Francisco e o comendador da obra em oração – se encontram.
Do terceiro e último núcleo, Conversas sagradas, a tela escolhida foi São Francisco de Assis, santo Antônio de Pádua e são Boaventura de Bagnoregio (século 17 – Barroco), de Andrea Lilli. Nele, há o jogo de volumetria e contraste entre claro e escuro, dois aspectos que foram cânones do barroco e que conferem dramaticidade às cenas. Na peça, isso é apresentado a partir da diferença de profundidade, onde a sombra e as imagens em planos mais distantes estão nas camadas inferiores.
FOCO O trabalho é iniciativa do Núcleo de Acessibilidade do Programa Educativo da Casa Fiat de Cultura e produção do Centro de Design da Fiat. As peças 3D foram pensadas inicialmente para pessoas com deficiência visual – cegas e com baixa visão –, mas podem ser usadas também por pessoas sem qualquer problema como forma de aprofundar o conhecimento sobre os quadros da mostra. “Falar de pintura e arte visual com uma pessoa que enxerga pouco ou não enxerga é um diálogo possível”, afirma a coordenadora do núcleo, Clarita Gonzaga.
Do dia a dia pautado pela construção de modelos de futuros carros à recriação de pinturas seculares num modelo totalmente tecnológico, voltado para deficientes. Esse foi o desafio da equipe de 20 integrantes do Centro de Design da Fiat. O primeiro desafio, conforme explica o supervisor do departamento, Celso Morassi, foi transformar a tela plana de um quadro secular em três dimensões para um público da atualidade. “O designer faz o desenho manual, há o profissional que dá volume e o transforma em 3D e, por fim, aquele que executa, ou seja, constrói o modelo para tatear”, afirma. A partir da foto da obra posta no computador, um programa construiu os contornos principais. A eles, foram dados os volumes, com espécie de degraus entre um desenho e outro. A fresna (uma máquina de corte) se encarregou de talhar as peças e o modelador, de lixar manualmente para tirar o áspero da resina.
VISITA BEM ESPECIAL Integrantes do Lar das Cegas fizeram ontem uma visita guiada e conheceram as peças em primeira mão. Em cada sala, informações precisas, como o tamanho do espaço, cor das paredes e quais os quadros estavam no local davam a ideia da mostra. As cordas de sisal que compõem a linha do tempo e uma cortina puderam ser tocadas e sentidas. As peças táteis impressionaram. “O contato com a memória é um direito fundamental. Mecanismos alternativos para qualquer pessoa ter acesso é muito importante. A experiência de tocar nas peças é muito gratificante”, afirma o professor de história Flávio Oliveira, deficiente visual. “É a possibilidade de compreensão do mundo imagístico, que fica perdido. E de conhecer a linguagem das artes plásticas e o repertório de um mundo preparado, hoje, para ser visto.”
Também deficiente visual, Izaulina Alecrim dos Santos, de 53 anos, gostou de sentir as formas. “Passando a mão, podemos conhecer os quadros”, disse.
O presidente da Casa Fiat de Cultura, José Eduardo de Lima Pereira, ressaltou que acessibilidade é uma tradição desde a primeira exposição montada no espaço, há 12 anos. “Este ano, caprichamos ainda mais. A 12ª Primavera dos museus, uma iniciativa coletiva, buscou o tema educação. E nós, que temos a inclusão como premissa, aproveitamos para tratar de educação voltada para deficientes auditivos e visuais”, disse. Segundo ele, é um desafio e tanto: “Não tenho a ilusão de poder fornecer a visão perfeita para o deficiente, mas será bastante razoável, algo que ele não teria nunca, não fosse a oportunidade tátil”.
Serviço
Primavera dos Museus
A Primavera dos Museus é um evento anual.
Exposição São Francisco na arte de mestres italianos
A mostra reúne 20 obras pintadas entre os séculos 15 e 18, de mestres como Tiziano Vecellio, Perugino, Orazio Gentileschi, Guido Reni, Guercino e os Carracci. Elas fazem parte de importantes coleções italianas e estão pela primeira vez ao Brasil. O acervo fica na Casa Fiat de Cultura até 21 de outubro. Com curadoria dos especialistas em história da arte italiana, Giovanni Morello e Stefano Papetti. .