Mariana – O escritório SPG Law, que vai acionar a BHP Billiton britânica na Justiça do Reino Unido pelo desastre do rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, pretende adiantar cerca de 10% das indenizações devidas aos atingidos para que eles não se sintam fragilizados e dependentes de acordos desesperados com as mineradoras. A informação é de um dos sócios do escritório anglo-americano, Glenn Phillips, durante reunião com clientes em Mariana, encontro no qual o Estado de Minas esteve presente. “Nós fazemos isso para que as pessoas continuem tendo comida no prato, paguem suas contas, tenham gasolina para seus carros e não fiquem dependendo das migalhas que as empresas jogam em troca de acordos desvantajosos”, disse. Seguindo essa estratégia, o escritório também ganha maior poder de atuação. “Assim que passamos esses recursos, paramos de conversar com eles (BHP Billiton). Daí, dizemos: quer negociar? Só com 5 bilhões de libras sobre a mesa, ou vamos a julgamento”, disse Phillips.
Conforme o EM noticiou com exclusividade na edição de ontem, o escritório SPG Law reúne atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão e seus advogados ao longo de toda a Bacia Hidrográfica do Rio Doce para representá-los numa ação judicial contra o braço britânico da BHP Billiton, que ao lado da Vale controla a mineradora Samarco, a operadora do barramento rompido. Os custos do processo e a reunião de especialistas devem custar para o escritório em torno de US$ 20 milhões, segundo Phillips, mas o valor da causa deve superar os 5 bilhões de libras. Na reunião, o sócio norte-americano do escritório explicou como a soma surgiu, ainda que não se tenha fechado o número de atingidos e nem a gravidade dos danos morais e materiais de cada um. “Isso é porque se trata de uma soma que eles já pagaram antes. Então, não é um valor longe da realidade, mas pode ser ainda maior. Ainda temos muito trabalho a fazer reunindo o máximo de pessoas atingidas. E estamos falando aqui de indenizações de sete dígitos (na casa dos milhões de libras)”, disse.
RECEIO Para o advogado Flávio Almeida, que representa 50 clientes em Mariana, essa forma de agir pode aliviar a situação de muitos pais de família e outros profissionais que têm receio de ingressar com ações ou de cobrar com mais veemência pelos seus direitos. “Há um grande temor de os profissionais serem retaliados, principalmente entre aqueles que trabalham no ramo de mineração, que é muito forte em Mariana. Há um medo velado e até um dizer de que o empregado que é contra uma das mineradoras e entra na Justiça acaba não sendo mais contratado pelas outras empresas. Quem presta ou prestou serviço no setor tem muito esse temor”, disse o advogado.
A ação coletiva deverá ingressar nos tribunais britânicos na primeira semana de novembro, quando o desastre completa três anos. Legalmente, o prazo de prescrição ocorre em 5 de novembro. Mas, mesmo que uma pessoa perca esse prazo, teoricamente ainda poderá requerer uma indenização por meio do acordo coletivo internacional. “Pode ocorrer, neste caso, que esse atingido tenha um montante menor a receber, mas tudo vai depender das negociações ou do julgamento”, disse Phillips.
O sistema de classificação dos atingidos será feito por categorização. Dependendo dos danos morais e materiais, a pessoa entra num nível de reparação por intervalos de valor indenizatório. Dentro de cada categoria, serão especificadas subcategorias com valores específicos. Uma das dúvidas que os atingidos tinham era com relação à sua capacidade de aceitar acordos propostos pela mineradora. Tais ações poderão ser feitas por meio de procurações confiadas aos seus advogados.
Mesmo sendo levada a tribunais britânicos, a ação será julgada segundo a lei brasileira. Isso, segundo o escritório anglo-americano, não significa que as reparações ficarão restritas a valores indenizatórios já previstos pela jurisprudência nacional. “Vai depender mais daquilo que os especialistas que serão contratados e vão nos assessorar julgarem ser justo para cada atingido. Um pescador, uma pessoa que perdeu sua casa, alguém que perdeu um parente”, exemplificou.
O rompimento da Barragem do Fundão despejou cerca de 35 milhões de metros cúbicos de lama e de rejeitos de minério de ferro na Bacia Hidrográfica do Rio Doce, atingindo também a costa brasileira. Nesse que é o pior desastre socioambiental do Brasil, morreram 19 pessoas. Até hoje não foi encontrado o corpo de Edmirson José Pessoa, de 48 anos, que trabalhava para a Samarco havia 19 anos quando ocorreu o desastre. Cerca de 500 mil pessoas foram atingidas.
Resposta rápida e eficiente
Uma situação que pode transcorrer com maior reconhecimento na Justiça britânica do que na brasileira é a das pessoas que não foram diretamente impactadas, como comerciantes e empresários que não estavam no caminho da lama. “Represento casos de pessoas que fizeram acordos de divórcio num patamar de ganhos, mas perderam sua renda depois que a Samarco parou de produzir, após o acidente, e suspendeu os serviços de sua empresa terceirizada. Essa pessoa não consegue mais pagar essas pensões. Tem muita gente que está sob efeito de medicamentos, frequentando psiquiatras”, descreve o advogado Flávio Almeida.
A também advogada Maria Marta da Silva tem uma situação ainda mais dramática. Ela é nascida e criada em Bento Rodrigues, a comunidade que o rompimento simplesmente riscou do mapa. Agora, advoga pelos seus direitos e pelos dos seus pais, que ainda moravam no vilarejo e se salvaram do tsunami de lama e rejeitos de minério de ferro. “Todas as minhas memórias estavam lá: fotografias minhas de infância e dos meus ancestrais. Minhas referências eram lá. Participava com meus pais das festas, dos aniversários. Na festa do padroeiro, a banda almoçava lá em casa e por isso eu ia até Bento um dia antes para ajudar com os preparativos da celebração”, conta. Para ela, o processo no estrangeiro representa uma oportunidade de resposta mais rápida e eficiente. “Temos a expectativa de que lá fora seja mais efetiva (a Justiça). A ineficiência aqui foi muito grande. Até agora não recebi nada, só quem foi atingido diretamente. A Renova é que acabou definindo quem tinha ou não direito à reparação. Por isso tudo, esperamos que a Justiça britânica tenha uma abrangência mais justa”, espera.
Outra questão que causa insegurança aos atingidos é o fato de vários terrenos terem sido inundados para a construção do Dique S4, um dos quatro criados pela Samarco para segurar o fluxo de sedimentos da barragem que ainda está aberta, impedindo esse material de entrar nos rios Gualaxo do Norte, do Carmo e Doce. “Há terrenos que estão sendo subvalorizados. Isso está criando muitos conflitos, uma vez que são, muitas vezes, terrenos de heranças ainda não divididos pelos espólios, que podem chegar a ter mais de 10 irmãos. Assim, uma parte aceita, a outra acha pouco e não aceita. Há uma insegurança até mesmo sobre a duração do uso desse terreno como dique”, afirma Almeida.
O outro lado
A Samarco esclarece que o Dique S4, que integra o sistema de contenção de rejeitos, foi implementado após a publicação do Decreto Estadual nº 500, de setembro de 2016, que tratava da requisição administrativa dos terrenos. Antes da implementação da estrutura, a Samarco assinou, em setembro de 2016, um Termo de Transação e Ajustamento de Conduta com o Governo de Minas Gerais. Tanto a obra do dique, quanto as avaliações dos imóveis e as indenizações seguiram o que estava estabelecido nestes documentos e foram baseados nas melhoras práticas e normas técnicas aplicáveis.
A empresa afirma que prestou todos os esclarecimentos sobre o assunto ao Ministério Público de Minas Gerais e aos proprietários dos terrenos que foram requisitados administrativamente pelo Governo de Minas.