O que chamou a atenção na devastação do rompimento da Barragem do Fundão e que atraiu o escritório, motivando essa ação coletiva?
Estive no Brasil pela primeira vez em novembro de 2017 para ver a ruptura da represa e desde então retornei outras cinco vezes. Fiquei extraordinariamente angustiado ao ver como ficou Bento Rodrigues, em Mariana, e também muitas outras cidades afetadas. Isso quase três anos depois desse rompimento (da barragem de rejeitos). Por outro lado, não vi nada ou muito pouco em termos de compensação. A vila de Bento Rodrigues se tornou uma cidade fantasma. Fiquei muito tocado pelos cenários que vi. E, para mim, é ultrajante, após tanto tempo, saber que há pessoas cujas vidas foram permanente e drasticamente destruídas, mas não tiveram, ainda, a chance de ter algo recuperado, em termos de compensação, e suas vidas voltando aos trilhos.
Como você vê essa situação, três anos depois do rompimento?
Infelizmente, outro fator que nos trouxe a esse caso é o fato de que o mundo parece estar se esquecendo do que ocorreu. Lembro-me quando o desastre foi manchete mundial. Mas essa cobertura minguou nos Estados Unidos e no Reino Unido desde então, apesar de ser um dos piores desastres ambientais desde a Era Industrial.
"Para mim, é ultrajante, após tanto tempo, saber que há pessoas cujas vidas foram permanente e drasticamente destruídas, mas não tiveram, ainda, a chance de ter algo recuperado, em termos de compensação, e suas vidas voltando aos trilhos"
Tom Goodhead, sócio do escritório anglo-americano de advocacia SPG Law
Quais são as responsabilidades das grandes companhias nesse caso?
Uma empresa tão grande e poderosa como a BHP Billiton deve ter responsabilidade sobre as ações de suas subsidiárias no Brasil. É claro que os lucros dessa subsidiária no Brasil retornaram para a BHP Billiton, na Inglaterra e na Austrália. E para mim está claro que eles devem pagar pela sua parcela de culpa pelo dano causado, algo que foi resultado de falhas de sua subsidiária (Samarco). As evidências mostram que essa subsidiária estava ciente dos riscos que a barragem corria e, ainda assim, não fez tudo que poderia para impedir que essa tragédia ocorresse.
Como será o processo nas cortes britânicas?
As cortes da Inglaterra e do País de Gales estão acostumadas a tratar de temas internacionais. Muitas vezes, casos envolvendo desastres de mineração, como já ocorreram na África, na América Latina e na Ásia. Todos foram tratados nas cortes britânicas. O motivo para esses processos ocorrerem em Londres é por envolver multinacionais quer têm escritórios em Londres. Particularmente, as mineradoras têm escritórios em Londres ou negociam suas ações na Bolsa de Londres.
Por que ingressar com uma ação internacional e não no Brasil?
Acreditamos que as cortes britânicas oferecem uma excelente chance de reparação individual para as famílias atingidas, os pequenos negócios, até para as médias e grandes empresas afetadas. Achamos que, assim, alcançarão a justiça neste caso. Os juízes envolvidos não pendem para um lado ou outro. E asseguramos para as pessoas que as cortes da Inglaterra e do País de Gales vão garantir a compensação financeira sobre as perdas que eles merecem ter restituídas. Tenho certeza de que (as cortes) aceitarão o caso.
"O bom das cortes da Inglaterra e do País de Gales é que os juízes são completamente livres. Os juízes aplicarão a lei brasileira, mas dentro de uma corte britânica"
Como os atingidos serão pagos?
O bom da Justiça na Inglaterra é que os valores serão pagos para a SPG Law (escritório de advocacia), que os repassará diretamente aos atingidos, sem ter de depender da BHP Billiton ou de fundações como a Renova para isso.
O processo internacional trará algum prejuízo sobre as ações brasileiras?
Não acreditamos que o processo nas cortes britânicas terá qualquer impacto nas ações brasileiras. O processo em Londres é sobre um réu diferente. Será sobre a BHP Billiton PLC, que atua no Reino Unido. Não há nenhum processo contra essa companhia no Brasil. Os conselhos que recebemos dos mais renomados juristas brasileiros é de que nosso processo não terá qualquer interferência nos processos brasileiros.
Esse processo será julgado em mais de uma corte?
Sim, o processo será julgado mais de um tribunal. A corte será a High Court of Justice (Corte de Justiça Superior) da Inglaterra e do País de Gales. Uma corte acostumada a esse tipo de processo, na qual centenas de milhares de pessoas trazem casos individuais. Caso o processo vá a julgamento, o que essa corte faz é ouvir uma amostragem de casos, talvez 50 ou 100. Escuta um pescador, um fazendeiro que perdeu sua casa, um comerciante que teve prejuízos com seu negócio, pessoas que ficaram sem fornecimento de água, e a corte vai considerar cada um deles. Em seguida, será feito uma tentativa de acordo. Se um acordo não for atingido, a corte terá de ouvir todos os casos, mas será algo mais rápido do que ocorre no Brasil.
"As evidências mostram que essa subsidiária estava ciente dos riscos que a barragem corria e, ainda assim, não fez tudo que poderia para impedir que essa tragédia ocorresse"
Como são as cortes britânicas? Há jurados para esse tipo de processo, como na Justiça norte-americana?
Não. Nesse tipo de processo, a corte conta com especialistas e um juiz que é especialista em leis ambientais e de construção. O bom das cortes da Inglaterra e do País de Gales é que os juízes são completamente livres. Os juízes aplicarão a lei brasileira, mas dentro de uma corte britânica.
Posição da Samarco
Em relação à reportagem publicada pelo Estado de Minas sábado e domingo, a Samarco esclarece que o Dique S4, que integra o sistema de contenção de rejeitos, foi implementado após a publicação do Decreto Estadual 500, de setembro de 2016, que tratava da requisição administrativa dos terrenos. Antes da implementação da estrutura, a Samarco assinou, em setembro de 2016, um Termo de Transação e Ajustamento de Conduta com o Governo de Minas Gerais. Tanto a obra do dique, quanto as avaliações dos imóveis e as indenizações seguiram o que estava estabelecido nesses documentos e foram baseados nas melhoras práticas e normas técnicas aplicáveis. A empresa afirma que prestou todos os esclarecimentos sobre o assunto ao Ministério Público de Minas Gerais e aos proprietários dos terrenos que foram requisitados administrativamente pelo governo de Minas.