A perspectiva de uma negociação internacional pode minimizar os prejuízos causados a milhares de pessoas afetadas pela tragédia de Mariana, que há quase três anos esperam compensação por terem sido afetadas pelo rompimento da Barragem do Fundão, da mineradora Samarco, em 5 de novembro de 2015, naquele que representou o pior desastre socioambiental da história do país. Para advogados ligados ao escritório anglo-americano SPG Law, o simples ingresso de um processo nas cortes do Reino Unido contra a gigante da mineração BHP Billiton – controladora da Samarco ao lado da Vale – pode motivar um acordo para que a empresa se previna de repercussões negativas, sobretudo no mercado financeiro.
O valor da ação indenizatória é estimado em 5 bilhões de libras (mais de R$ 26 bilhões segundo a cotação de ontem, em que uma libra valia R$ 5,35). “A pressão será grande e nós só iremos negociar quando a situação for favorável. A pressão que as empresas fazem sobre os atingidos também não é nova. Isso ocorre sempre. É sempre a mesma história. Por isso estamos preparados para representar os anseios dos atingidos e trazer-lhes justiça”, disse um dos sócios do escritório, o norte-americano Glenn Phillips.
Para que possa representar os afetados pelo desastre, o escritório internacional precisa da adesão de pessoas afetadas pela tragédia. Isso vem sendo preparado por meio eletrônico, em uma página da internet na qual cada atingido concorda em ser representado via acionamento eletrônico, sem a necessidade de assinaturas físicas. Para a Justiça britânica, segundo os advogados, essa concordância é suficiente, mas, como no Brasil há uma burocracia documental e física, papéis assinados também serão produzidos para garantir segurança aos beneficiários.
De acordo com responsáveis pelo processo, as negociações para pôr fim a ações judiciais são relativamente comuns em casos como esses. “Muitas vezes, as empresas recorrem a acordos para extinguir o processo. As companhias fazem isso porque a má publicidade afeta o valor da mineradora nas bolsas. Os acionistas podem, também, processar a empresa por não ter previsto que uma desvalorização ocorreria após o rompimento”, avalia o advogado Flávio Almeida, que representa mais de 50 atingidos em Mariana, o município mais devastado pelo rompimento.
À espera de Justiça
O processo nas cortes do Reino Unido é a esperança de justiça para muitas pessoas que tiveram suas vidas completamente mudadas pela tragédia, há quase três anos, e que ainda não foram indenizadas. Muitos deles atualmente vivem com um cartão de auxílio de um salário mínimo, acrescido de 20% por dependente de uma cesta básica.
Mais de 60 mil processos de reparação de atingidos que perderam suas casas ou tiveram outros impactos, como a paralisação do fornecimento de água, aguardam uma definição no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) em processos individuais. Em Mariana, o Ministério Público ingressou com uma ação coletiva de reparação, mas o próprio promotor, Guilherme de Sá Meneghin, declarou ao EM que recomenda às pessoas que puderem que recorram à Justiça por meio de advogados ou da Defensoria Pública, para garantir impactos específicos antes do prazo legal de prescrição, em 5 de novembro.
INDENIZAÇÕES De acordo com a Fundação Renova, criada pelas mineradoras BHP, Vale e Samarco para lidar com os efeitos da tragédia, as indenizações e auxílios financeiros pagos a atingidos somam R$ 1,1 bilhão até este mês. Tais recursos beneficiaram mais de 250 mil pessoas, segundo a entidade. As indenizações aos atingidos, segundo a fundação, saltaram de 78, pagas em janeiro de 2018, para mais de 7 mil em agosto, relacionadas a danos gerais.
A Renova informou ainda que 10.906 famílias foram atendidas por “danos sofridos”, com o fechamento de 7.368 acordos e 1.010 antecipações de indenização de danos gerais. “Das propostas apresentadas, 99,38% foram aceitas”, acrescentou. O programa de auxílio financeiro emergencial assiste, atualmente, 9.579 famílias, representando mais de 22.700 pessoas atingidas. A fundação contabiliza a indenização de 252.539 pessoas por danos decorrentes da suspensão temporária no abastecimento de água, “representando um percentual de aceitação de 98% dos atingidos”.
Na esfera criminal, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou 22 pessoas, entre diretores da Samarco e responsáveis pela consultoria VogBr, que assinou o laudo de garantia de segurança da barragem rompida. Eles respondem por homicídio e crime ambiental. O rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, provocou o pior desastre socioambiental do país, devastando a Bacia Hidrográfica do Rio Doce ao longo de 40 municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo, até a foz do curso d’água na costa brasileira. Na tragédia morreram 19 pessoas, sendo que até hoje não foi encontrado o corpo de Edmirson José Pessoa, de 48 anos, que trabalhava para a Samarco havia 19 anos na época do rompimento. Estima-se que cerca de 500 mil pessoas tenham sido atingidas pela tragédia.
GIGANTES PROCESSADOS O escritório SPG Law da Inglaterra é um braço da associação de advogados norte-americano Sanders Phillips Grossman, e é uma das firmas que mais conseguiram vereditos contra gigantes das indústrias farmacêutica, automobilística e química e contra representantes do governo dos Estados Unidos, entre outros. Obteve indenizações de grande volume em ações coletivas que somaram mais de US$ 100 milhões contra fabricantes de medicamentos e US$ 1,2 bilhão contra o Departamento de Agricultura norte-americano, e ainda move um processo de 500 milhões de libras contra a companhia aérea British Airways, pelo vazamento de informações de 380 mil consumidores, e contra a Volkswagen, por ter teoricamente burlado as leis de emissões de gases da União Europeia na fabricação e venda de 1 milhão de unidades de veículos.
Consultada sobre o processo articulado pelo escritório anglo-americano, a BHP Billiton informou ontem que sempre apoiou todas ações de remediação e compensação realizadas pela Samarco e pela Fundação Renova. A mineradora afirma ter destinado até este mês R$ 1,6 bilhão para as ações de remediação e compensação ligadas ao desastre. A empresa acrescentou que teve conhecimento do processo internacional anunciado pelo SPG Law por meio da imprensa, e que acompanha o andamento dos fatos.