Mariana – De um lado, os atingidos pela maior tragédia socioambiental do país comemoraram, ontem, o fechamento de um acordo firmado entre o Ministério Público, a Samarco e suas controladoras (BHP Billiton e Vale) na Justiça. Conquistaram direitos contra situações que os afligiam, como a interrupção do prazo legal de prescrição das indenizações, a garantia de uma reparação sem teto monetário e a individualização de seus processos. Porém, qualquer pagamento não ocorrerá antes de, no mínimo, um ano e meio, segundo os termos da própria negociação. Ou seja: as primeiras vítimas da maior tragédia socioambiental da história do país não colocarão a mão no dinheiro para tentar reconstruir suas vidas e rotinas antes de quatro anos e meio da tragédia – na estimativa mais otimista.
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As quase 12 horas de embates entre advogados das gigantes da mineração Vale, BHP Billiton (anglo-australiana) e Samarco (controlada pelas demais) levaram os atingidos que compareceram à audiência na Segunda Vara Cível, Penal e de Execuções do Fórum de Mariana a se verem no meio de uma guerra jurídica. “Eu vi advogado pedindo tempo para ligar para a Austrália, o outro ligando para Londres para ver se aceitavam termos como ‘obrigação’ ou então ‘compromisso’. Perguntei para o doutor (o procurador de Justiça) se não era a mesma coisa e ele disse que não”, relatou o comerciante Mauro Marques da Silva, de 49 anos, que vivia no distrito arrasado de Bento Rodrigues e hoje dorme numa casa temporária, alugada pela Fundação Renova – criada pelas mineradoras para lidar com os efeitos da tragédia.
Para o promotor de Justiça de Mariana, Guilherme de Sá Meneghin, o acordo foi uma vitória em vários aspectos.
O promotor destacou outros pontos em favor dos atingidos. Um dos que mais afligiam essa comunidade era o prazo de prescrição legal das indenizações, que poderia ser alcançado em 5 de novembro, quando o desastre completa três anos.
Atualmente, há 3 mil pessoas cadastradas em Mariana. Um bloqueio feito em 2016 nas contas bancárias da Samarco, no valor de R$ 250 milhões, será mantido, a título de garantia, e liberado à medida que as indenizações forem sendo pagas. “Certamente o valor das indenizações deve superar esse total, mas outra vantagem desse acordo é que não há limite para a reparação dos danos sofridos”, garante o promotor. Uma das formas de indenização previstas antes pela Renova e radicalmente rejeitada pelo MP considerava uma matriz de danos listados pela fundação, que, de acordo com a promotoria, não contemplava todos os prejuízos materiais e atividades impactadas ou devastadas.
MAIS ESPERA A Fundação Renova e a Samarco terão três meses para apresentar sua proposta de indenização mediante os cadastros dos atingidos, um ano para negociação e outros 90 dias para o pagamento. Ultrapassados esses prazos, estará sujeita a multas, a serem arbitradas pela Justiça. “Depois de tanto tempo, a gente achando que seria derrotado, sair com um acordo desses depois de tanta luta foi uma vitória.
Sobre o acordo, a Samarco se manifestou em nota, afirmando que “reforça o seu compromisso com as comunidades impactadas pelo rompimento da Barragem do Fundão, e informa que já foram gastos, até agosto, R$ 4,4 bilhões com ações de reparação e compensação”. “O acordo homologado é de suma importância para concluir o pagamento das indenizações aos moradores atingidos do município de Mariana”, acrescentou.
Em 5 de novembro de 2015, a Barragem do Fundão, em Mariana, se rompeu, liberando 35 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério na Bacia do Rio Doce, atingindo o litoral brasileiro entre o Espírito Santo e a Bahia. Morreram 19 pessoas e pelo menos 500 mil foram atingidas em 39 municípios. O acordo anunciado ontem abrange 3 mil dessas pessoas, apenas em Mariana.
Para estrangeiros, volta à estaca zero
Os advogados norte-americanos e britânicos do escritório SPG Law, que estão na região devastada pela tragédia do rompimento do Barragem do Fundão preparando uma ação internacional contra a BHP Billiton, têm uma visão menos otimista do acordo entre MP, Fundação Renova, mineradoras e Justiça. O simples fato de ter chegado faltando quase um mês para o prazo de prescrição de direitos lhes parece algo ultrajante em termos de direitos das pessoas que tiveram as vidas arrasadas pela lama e os rejeitos de minério de ferro.
“Não estão considerando todas as pessoas (que se sentem atingidas), nem todos os prejuízos, e sequer há uma estimativa de valores envolvida nesse acordo de reparação (indenização final), três anos depois de uma tragédia dessas. Tudo o que ouvi é aquela mesma antiga retórica de novo, de que a Renova vai indenizá-los completamente”, observou o advogado inglês Tom Goodhead, um dos sócios do escritório. “Mais uma vez, se confia demais na negociação com aqueles que provocaram tudo. E se você não concordar com o acordo, invariavelmente terá de se dirigir ao tribunal para lutar por quantos anos mais? Pelo que posso ver, desde o início da tragédia, após três anos de negociação, as pessoas se encontram praticamente na mesma posição do início”, avalia.
Para Goodhead, o prazo para se chegar a um valor para a reparação já teria se excedido além do tolerável. “Imagine quem teve uma morte entre as 19 vítimas, ou quem ficou mutilado ou quem lutou desesperadamente e tem ainda as cicatrizes de sua batalha para escapar da lama? Não é razoável que até hoje essas vítimas não tenham, sequer, uma oferta da Renova para indenizá-las. Em vez disso, o que vemos é a humilhação de pessoas respondendo a cada dia um novo questionário de prejuízos, com centenas de páginas, e nada mais”, considera o advogado inglês.
Por meio de uma comparação que demonstraria como a Justiça brasileira é morosa, outro sócio do escritório, o norte-americano Glenn Phillips, avalia como é a ação contra as multinacionais no sistema brasileiro.
O promotor Guilherme Meneghin informou que, por enquanto, é impossível ter uma noção do valor das indenizações, restando aguardar o fim dos cadastros feitos em Mariana pela assistência da Cáritas. Ainda de acordo com o representante do Ministério Público, as pessoas que ainda não foram cadastradas no âmbito da Ação Civil Pública, pela Cáritas, devem fazê-lo no prazo de 60 dias. “Todas as pessoas que entrarem na ação serão defendidas individualmente, não ficando desamparadas”, garantiu.