Um conjunto de 60 peças arqueológicas que remontam à batalha travada em 20 de agosto de 1842 em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, foi apreendido, ontem, na Operação Luzias, deflagrada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e a Polícia Militar de Meio Ambiente. O material encontrado no Bairro Camargos, na Região Noroeste da capital, inclui moedas do período imperial, botões, fragmentos de armas de fogo, quatro projéteis de artilharia, cravos, fivelas, espelhos de fechaduras e alguns artefatos de uso ainda desconhecido. De acordo com o MPMG, três pessoas são investigadas por crimes contra o patrimônio cultural, mas os nomes são mantidos em sigilo.
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Peças históricas da Batalha de Santa Luzia são recuperadas em Belo HorizonteComo BH ajudará em rede de proteção a patrimônios da humanidadeA incrível história da peça sacra que, após 34 anos, voltou misteriosamente ao altarMP recupera peça do século 18 e a devolve para museu Arquidiocesano de MarianaMPF recomenda plano anti-incêndio ao Museu da Inconfidência, em Ouro PretoConforme a 6ª Promotoria de Justiça de Santa Luzia, as investigações tiveram início após instauração de um procedimento criminal em setembro e, em nota, a instituição informa que “o MPMG recebeu denúncias sobre a ocorrência de saques, flagrados por detectores de metais, no local da Batalha de Santa Luzia, a última da Revolução Liberal de 1842”. A ordem judicial para apreensão das peças foi expedida pelo Poder Judiciário do município e o material apreendido será periciado por especialistas em história e arqueologia. Ainda de acordo com o Ministério Público, “as peças podem contribuir para esclarecer detalhes batalha”.
MEMÓRIA O presidente da Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia, Adalberto Mateus, considera a recuperação do material muito importante. “Em um contexto de perda de parte da memória nacional, a apreensão dos artefatos relacionados à Batalha de Santa Luzia pode reforçar duas ações na comunidade luziense: a reabertura do Museu Histórico Aurélio Dolabella – Casa da Cultura, que reúne o acervo relacionado ao episódio, e a necessidade de realização de pesquisas arqueológicas na área em que ocorreram os embates. Ainda não conhecemos boa parte dessa história porque ainda não tivemos um compromisso sério com os vestígios de uma guerra que aconteceu em Minas no século 19”.
Para entender melhor a relevância da apreensão das peças, é preciso compreender a importância da Batalha de Santa Luzia. De um lado, estavam as tropas imperiais comandadas pelo então barão Luis Alves de Lima e Silva (1803-1880), de 39 anos, futuro Duque de Caxias. Do outro, as forças chefiadas pelo mineiro Teófilo Otoni (1807-1869), E, no meio, a defesa dos princípios constitucionais e da liberdade. Em 20 de agosto, os luzienses lembraram, com a tradicional cerimônia cívica, os 176 anos do fim da Revolução Liberal de 1842, cuja última batalha se deu em Santa Luzia.
Quem explica melhor o episódio que ainda ecoa em São Paulo e Minas é o desembargador e integrante do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, Marcos Henrique Caldeira Brant, desde 2003 imerso em pesquisas sobre o tema: “Fazemos um resgate dessa página da História do Brasil, que envolveu, nos campos de batalha, 5.460 homens, sendo 2.460 do Exército e 3 mil liberais”.
A Revolução de 1842, diz Caldeira Brant, foi um movimento armado que ocorreu de forma simultânea nas duas mais importantes províncias do império – São Paulo e Minas. “Ela resultou das paixões exaltadas e das divergências dos dois únicos partidos políticos existentes, o Conservador e o Liberal, tendo como causa maior a defesa da Constituição de 1824, que tinha princípios violados pelos dirigentes do Partido Conservador no poder administrativo do império, por meio de edições de leis reacionárias”, diz o desembargador. “Na verdade, os dois partidos políticos pouco diferenciavam quanto aos métodos e processos de fazer política.”
Em Minas, “terra do culto à liberdade e com vocação para as tradições”, a Revolução Liberal pode ser considerada como acontecimento político e histórico mais significativo do período imperial (1822 a 1889), devido “à sua forte consistência e expansão por todo o território mineiro e caracterizado pela grande participação das elites dominantes polarizadas”, afirma Caldeira Brant, lamentando que o assunto ainda seja pouco explorado nos livros didáticos.