Comunidades de dois condomínios residenciais e pelo menos quatro propriedades rurais convivem dia e noite com um risco superior àquele a que estavam expostos os moradores de Bento Rodrigues – subdistrito de Mariana e primeiro povoado a ser arrasado pela lama da Barragem do Fundão, da Samarco, que se rompeu há quase três anos, no pior desastre socioambiental da história do país. A denúncia, que envolve represas de rejeitos em empreendimento da gigante da mineração Vale, é do Ministério Público da comarca de Nova Lima, onde ficam as populações vulneráveis. Diante da situação, a promotoria local entrou com ação civil pública, com pedido de liminar, para que os moradores sejam retirados de uma área em que, no caso de colapso dos reservatórios, teriam entre 29 e 139 segundos para tentar salvar suas vidas.
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Tragédia de Janaúba: missa e minuto de silêncio marcam 1 ano de incêndio em crecheDuas cidades do Sul de Minas são alvos de explosões em bancosAtingidos por rompimento de barragem de Mariana têm dúvidas sobre ação internacionalMPMG tenta suspender implantação de megabarragem da Vale próximo a condomínios em ItabiritoRelatório aponta cinco barragens mineiras com risco de rompimentoBarragens à beira de condomínios de Nova Lima podem voltar a operarJustiça barra lançamento de rejeitos de mineração em Nova Lima“O risco deles é muito maior do que o das pessoas que estavam em Bento Rodrigues. Estão em posição muito mais extrema”, alerta a promotora Cláudia de Oliveira Ignez, do Ministério Público de Minas Gerais. Um mês antes de a tragédia de Mariana completar três anos, e temendo desastre semelhante no empreendimento da Vale, ela entrou com ação pedindo que a mineradora – uma das controladoras da Samarco – retire e indenize os moradores dos dois condomínios localizados próximos às barragens de Maravilhas 2, em operação, e Maravilhas 3, em implantação no município vizinho de Itabirito, na Região Central de Minas (veja mapa).
Um dos argumentos é que as famílias não teriam tempo hábil para deixar suas casas em caso de desastre. Além disso, a promotoria cita com preocupação a implantação da Barragem Maravilhas 3. Segundo ela, o reservatório é três vezes maior do que a Barragem do Fundão, que se rompeu em novembro de 2015, causando a morte de 19 pessoas.
A briga em torno do empreendimento é antiga. Desde 2016, um inquérito civil investiga os riscos da mineração na região.
Agora, o caso volta a ser discutido na esfera judicial. Na última terça-feira, a promotora Cláudia de Oliveira Ignez entrou com pedido de tutela provisória de urgência para retirada dos moradores dos condomínios Vale dos Pinhais e Estância Alpina, além de solicitar outras medidas por parte da mineradora (veja quadro). “Já tramita, há um tempo, um inquérito civil questionando o seguimento do empreendimento Maravilhas 3, diante da proximidade com os condomínios. Conseguimos observar a movimentação da atividade minerária. Houve oito alteamentos na Maravilhas 2 para aumentar a barragem, dando à estrutura maior capacidade de comportar o volume de rejeitos”, explicou a promotora.
A Barragem Maravilhas 2 pertencia a outra mineradora, mas foi adquirida pela Vale. Segundo consta na ação civil pública, desde a mudança de dono, a atividade minerária só aumentou na região.
Na ação proposta pelo MP, a promotora requer, além da retirada dos moradores, que a empresa comunique imediatamente qualquer elevação do risco de rompimento das estruturas e que pare de lançar rejeitos nas duas barragens, entre outros pedidos. Em caso de descumprimento de alguma das medidas eventualmente deferidas, a promotoria pede multa de R$ 100 mil por dia.
AUTORIZAÇÕES OFICIAIS De acordo com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad), a Barragem Maravilhas 2 dispõe de Autorização Provisória para Operar (APO), concedida após cumprimento dos requisitos necessários.
Já sobre a Barragem Maravilhas 3, a Semad informou que a Vale está apta a implantar e operar o empreendimento. “A Licença de Instalação, concomitante à Licença de Operação da Barragem de Maravilhas 3, foi pautada na reunião da Câmara Técnica de Mineração (CMI) e deferida em 30 de outubro de 2017. Em 1º de novembro de 2017, foi publicada decisão judicial suspendendo o ato. Posteriormente, em 1º de dezembro de 2017, a decisão judicial foi revogada, tornando as licenças novamente válidas. Portanto, o empreendedor está apto a implantar e operar o empreendimento”, acrescentou.
Por meio de nota, a Vale informou que ainda não recebeu a citação do processo proposto pelo MP, e que por isso não comentará o assunto. A mineradora sustenta que a Barragem Maravilhas 2 “foi auditada no último mês de setembro e obteve a Declaração de Condição de Estabilidade”. Já sobre a Barragem Maravilhas 3, informou que está em fase de implantação e detém licença do órgão ambiental. “Ambas contam com Plano de Segurança de Barragens e Plano de Ação de Emergência de Barragens, todos regulares e em conformidade com a legislação”, concluiu.
Nas mãos da Justiça
Veja pedidos da promotoria na ação proposta contra a Vale
» Suspender o lançamento de rejeitos nas barragens Maravilhas 2 e 3
» Apresentar em três meses o cadastramento de todos os moradores da zona de
autossalvamento dos empreendimentos Maravilhas 2 e 3. Essa é a área em que a população não tem tempo para contar com ajuda oficial para escapar de eventual
rompimento das barragens de rejeitos
» Em 24 meses, a mineradora deve indenizar os moradores mediante a aquisição de
todas as propriedades imobiliárias situadas na zona de autossalvamento
» A empresa deve elaborar e executar, no prazo de máximo 15 dias, um plano de ações emergenciais dos empreendimentos Maravilhas 2 e 3, que deve ser submetido a aprovação no mesmo intervalo de tempo
» Em 15 dias, deve elaborar, executar e
submeter à aprovação dos órgãos
competentes o plano de segurança de
barragens para Maravilhas 2 e 3
» Comunicar aos órgãos competentes
qualquer situação de elevação de risco de rompimento das represas de rejeitos
Fonte: Ação Civil Pública/MPMG