Os barracões e casas assentados nos declives da serra que emoldura Belo Horizonte formam a maior favela de Minas Gerais. São oito vilas e cerca de 40 mil habitantes, segundo o censo do IBGE de 2010 – ou cerca de 120 mil atualmente, de acordo com moradores. De qualquer forma, um complexo maior do que muitas cidades mineiras. Na comunidade da Região Centro-Sul da capital, a morte de um adolescente de 14 anos durante operação da Polícia Militar em um baile funk, em 8 de julho de 2017, marcou o Aglomerado da Serra. Mas o episódio também transformou a região, que se mobilizou para conseguir uma grande conquista: o primeiro baile funk com alvará de Minas. A equipe do Estado de Minas subiu o morro para acompanhar o evento regulamentado e mostrar como funciona essa balada, que já coleciona admiradores entre quem vive em outros locais da cidade.
São 20h30 de um domingo na Praça Esportiva da Vila Cafezal quando a DJ Ray Laís sobe ao palco, provocando um momento de êxtase. Gritos e assovios reverberam pelo ambiente. Mulheres se debruçam no alambrado que separa o público do pequeno palco improvisado na carroceria de um caminhão. Quem consegue se espremer na frente não só garante vista privilegiada da apresentação, como assegura alguns centímetros da grade que vai sustentar a firmeza do rebolado até o chão. Espaço é artigo de luxo na praça lotada. Lá fora, as catracas travaram ao bater na marca de 3 mil funkeiros. Os quatro equipamentos posicionados na entrada do espaço são novidade para os frequentadores do baile. Com as roletas chegaram a delimitação do espaço com grades, seguranças particulares, bombeiros civis, ambulância, banheiros químicos.... E a hora para acabar: sempre às 23h. É o preço do pacote de exigências para que o evento ocorra dentro da lei.
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No baile funk da Serra ninguém é excluído, mas manter segurança é desafioBaile Funk na SerraEu sou favela: conheça Kika, líder comunitária no Aglomerado da SerraProjeto social do Aglomerado da Serra faz máscaras de algodãoMoradores do Aglomerado da Serra organizam a primeira Parada LGBT+ neste sábadoO desafio agora é encontrar espaços semelhantes, que atendam às exigências do poder público para que o baile permaneça itinerante entre as oito vilas que compõem a comunidade. “É um aglomerado que tem mais de 120 mil habitantes, e o pessoal reclamava que só se fazia na Rua Binário. Por conhecer todas as comunidades, comecei a rodar o baile, cada final de semana numa vila. Isso foi muito bom. A criminalidade dentro aglomerado abaixou demais, os conflitos diminuíram”, conta Cristiane Pereira, conhecida como Kika, organizadora do baile e mobilizadora social no aglomerado. Ela e uma equipe composta de profissionais que vão de advogada a jornalista criaram, há pouco mais de um ano, o Observatório do Funk, entidade responsável pela legalização do baile.
A fundação do movimento ocorreu no dia seguinte à morte do adolescente no baile, em 2017. “A versão da polícia foi de que, devido a um enfrentamento do tráfico, um homem tinha sido assassinado. O pessoal ficou muito revoltado, primeiro porque não era um homem, era uma criança. Segundo, que não tinha nenhuma relação com o tráfico de drogas. Todos os relatos de testemunhas dizem que os tiros vieram de policiais. Portanto, entendemos que essa era uma forma de narrar para criminalizar o funk”, argumenta a advogada do movimento, Maíra Neiva. “Articulamos o observatório para fazer a defesa do direito das pessoas de terem lazer em sua comunidade, de se expressarem culturalmente e de terem o seu espaço respeitado. O que aconteceu foi uma violação gravíssima dos direitos”, diz a defensora.
Na época do assassinato, a PM sustentou ao Estado de Minas ter sido acionada por moradores que reclamavam do barulho da festa. Ao chegar, os policiais teriam sido recebidos com o arremesso de pedras e garrafas. Ainda segundo o relato oficial, os militares reagiram com bombas de efeito moral, o que teria sido respondido com tiros por criminosos que estavam no evento. Os policiais recuaram e, quando voltaram ao local, afirmaram ter encontrado o adolescente morto. Outras duas pessoas se feriram na ocasião.
LEGAL, MAS FICOU CARO
O baile acompanhado pelo EM ocorreu depois de um intervalo de mais de um mês desde o último realizado. Normalmente, os eventos ocorriam todos os domingos, mas a regulamentação encareceu a festa – o custo de produção saltou da média de R$ 1 mil para R$ 8 mil por noite. “Antigamente, a gente conseguia pagar a estrutura com as barraquinhas. Hoje, não conseguimos a grana com a venda de comida e bebida. Agora está assim: faz no dia que dá”, conforma-se Kika.
Para conseguir fazer a festa em intervalos menores, os organizadores apresentaram a proposta de cobrar entrada de R$ 2, no último evento. A ideia acabou barrada pela Comoveec, por se tratar de um espaço público. Entretanto, houve um pedido de colaboração. “Precisamos da contribuição de todos vocês. É simplesmente para a gente continuar fazendo. Conseguimos sim, a liberação do alvará para fazer, mas a gente tem de pagar”, anunciou no microfone a organizadora, durante a festa.