Dois tempos de Belo Horizonte destacados como riquezas de Minas. O Conselho Estadual de Patrimônio Cultural (Conep) reconheceu, ontem, por unanimidade, como patrimônio cultural imaterial, o quilombo Manzo Ngunzo Kaiango, no Bairro Santa Efigênia, na Região Leste, com território original até o município vizinho de Santa Luzia. Já para o inventário arquitetônico de Oscar Niemeyer (1907-2012) – no total, 62 projetos em 17 cidades mineiras, a maior parte na capital –, foram apresentadas 14 ações para preservação. Como primeiras decisões, está a abertura de processo de tombamento do Colégio Estadual Central e envio do inventário, pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), às prefeituras com obras de Niemeyer.
Declarando-se “muito feliz” com o reconhecimento pelo estado, Makota Cássia, da liderança do quilombo Manzo Ngunzo Kaiango afirmou que o título valoriza a cultura e a resistência de um povo. “Está sendo preservado um berço da nossa história”, disse. Ela explicou que, mais do que um reconhecimento, trata-se de uma “reparação”, pois os negros, desde o início da escravidão no Brasil, sofreram não só “torturas” como também violação. O território original do quilombo, por exemplo, passava pela Região de Venda Nova e chegava a Santa Luzia, estando restrito hoje ao Bairro Santa Efigênia.
A comunidade composta atualmente por nove famílias foi fundada na década de 1970, por Mãe Efigênia, descendente de indígenas e africanos que foram escravizados, no Morro da Queimada, em Ouro Preto – em 1955, migrou para BH. Se considerado o território original, são 23 núcleos familiares. A expectativa é de que, no mês que vem, quando se comemora o Dia da Consciência Negra (dia 20, em homenagem a Zumbi dos Palmares) haja uma festa para comemorar. “Vamos esperar a publicação oficial para celebrar”, contou Makota Cássia. E adiantou que, no Centro Cultural Lagoa do Nado, em BH, também em novembro, haverá a exposição Tem quilombo na cidade.
Para a presidente do Iepha, Michele Arroyo, o reconhecimento da comunidade como patrimônio de Minas “reafirma o compromisso do instituto e das políticas públicas culturais com a valorização e salvaguarda afro-brasileira como cultura de resistência e fundamental para a compreensão de toda as manifestações em Minas”. E mais: “O dossiê de registro do quilombo Manzo Ngunzo Kaiango no âmbito estadual reforça olhares e histórias não contadas, mas que resistiram ao longo dos séculos e que nos permitem compreender o estado na sua diversidade e pluralidade”.
NIEMEYER Entre os trabalhos mais importantes de Niemeyer em BH, está o conjunto moderno da Pampulha, que, junto com o espelho d’água, ganhou o título de Paisagem e Patrimônio Cultural da Humanidade, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (Unesco). Vale destacar também a Catedral Cristo Rei, em construção na Região Norte, e a Cidade Administrativa, no Bairro Serra Verde, em Venda Nova. Atualmente fechada para obras, a Praça da Liberdade, na Região Centro-Sul, tem como destaque, em meio a construções de vários estilos arquitetônicos, o Edifício Niemeyer, erguido na década de 1950. Tombado como patrimônio histórico nas esferas municipal, estadual e federal, o prédio foi construído no início dos anos 1950, depois da entrega à cidade do complexo da Pampulha.
Nas páginas do seu livro As curvas do tempo: memórias, de 1998, Niemeyer escreveu que a Pampulha significou um despertar na sua carreira, servindo de referência até para o projeto de Brasília, inaugurada em 1960 e fruto da sua parceria com o urbanista Lúcio Costa (1902–1998). Enquanto o mundo ainda valorizava o ângulo reto, a Pampulha explodia em curvas. Com efeito, vai ficar na história uma das frases de Niemeyer que resumem esse pensamento: “Não é o ângulo reto que me atrai, nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual”.
Do conjunto moderno, fazem parte a Igreja de São Francisco de Assis, o Museu de Arte da Pampulha (MAP), o Iate Tênis Clube e a Casa do Baile, atual Centro de Referência em Urbanismo, Arquitetura e Design de Belo Horizonte e o Iate Tênis Clube, todos construídos entre 1942 e 1943 com projeto de Niemeyer (1907-2012). Em Minas, há obras em Betim, Caratinga, Cataguases, Conceição do Mato Dentro, Ipatinga, Juiz de Fora, Montes Claros, Poços de Caldas, Ritápolis, Sete Lagoas, Uberaba, Uberlândia, Arinos, entre outros.
A história vai mais além, começa na década de 1930, com a construção da barragem da Pampulha para abastecimento de água da população, na administração do prefeito Otacílio Negrão de Lima (1897-1960), que pôs em prática o projeto do engenheiro Henrique de Novaes. Dez anos depois, quando assumiu a prefeitura, o prefeito Juscelino Kubitschek (1902-1976) decidiu ampliar a área da represa e fez um concurso para a construção de um cassino, porém não ficou satisfeito com o resultado. Pediu então opinião a Gustavo Capanema (1900-1985), ministro da Educação do governo Getúlio Vargas, que o apresentou ao jovem arquiteto Niemeyer.
Patrimônio imaterial
O quilombo Manzo Ngunzo Kaiango é o sexto bem reconhecido como patrimônio imaterial de Minas e se junta ao modo artesanal de fazer o queijo da Região do Serro (2002), à Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Chapada do Norte (2013), à Comunidade dos Arturos (2014), às Folias de Minas (2017) e às Violas (2018). O inventário das obras de Niemeyer é o segundo realizado pelo Iepha. A região do Rio São Francisco foi inventariada em 2015.