Esperança para o dinossauro na boa-nova da Luzia. A recuperação de fragmentos que permitem a reconstituição do crânio daquela que é considerada a primeira brasileira aumenta a expectativa de que o mesmo possa ocorrer com os restos do único exemplar de Maxakalisaurus topai já encontrados. Como o fóssil de Luzia, um dos mais antigos habitantes das Américas, com 11,5 mil anos –, o do dinossauro também estava guardado no Museu Nacional (MN) quando a edificação se incendiou, em 2 de setembro, numa tragédia que transformou em cinzas grande parte do valioso acervo do Museu Nacional. Na sexta-feira, o diretor da instituição, Alexander Kellner, informou que foram encontrados na edificação, de forma fragmentada, 100% do crânio e do fêmur de Luzia, descobertos em 1975 na Lapa Vermelha IV, em Pedro Leopoldo, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).
Também em terras mineiras, o Maxakalisaurus topai viveu há 80 milhões de anos, quando os planos do Triângulo Mineiro eram rios e pântanos. Com 12 metros de comprimento e nove toneladas, seu cadáver foi empurrado pela correnteza e encalhou num banco de lama, onde crocodilos pré-históricos o devoraram, deixando seus ossos imersos no barro que os solidificou e conservou. A saga do único titanossauro de sua espécie já encontrado, perto de uma estrada de Prata, no Triângulo Mineiro, em 1998, projetou a região como sendo uma das mais importantes para a paleontologia. O nome de batismo do réptil pré-histórico homenageia a tribo indígena maxacali e o indivíduo encontrado se destacava como o maior dinossauro replicado e montado do Brasil. Ainda não se sabe se o fogo que destruiu a instituição deu cabo desse representante único de uma espécie de dinossauro proveniente do território mineiro.
Além da réplica de Maxakalisaurus topai esculpida e montada num dos salões do Museu Nacional, o espaço mantinha também grande parte do fóssil que o inspirou. De acordo com o curador do Museu dos Dinossauros de Uberaba e professor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Thiago Marinho, o MN guardava um pedaço do crânio, vários fragmentos das vértebras e partes dos ossos dos membros do dinossauro. O curador, que fez metrado e doutorado no MN, conhecia bem o acervo paleontológico. “Partes (vértebras e cervicais) de um outro fóssil de titanossauro, que não tinha sequer sido identificado, também estavam na coleção científica. A réplica do maxakalissauro foi perdida, mas pode ser refeita sem maiores complicações. Sabemos que o sítio arqueológico onde o maxakalissauro foi encontrado revelou mais fragmentos desse mesmo indivíduo, que foram levados para a Universidade Federal de Uberlândia”, diz Marinho.
Logo depois do incêndio, o curador do museu do Triângulo expôs o temor de que o fóssil não tivesse resistido. “O acervo que estava em exposição não deve ter resistido ao calor (nove horas de incêndio). Na coleção científica, o material estava em armários deslizantes de metal, mas os fósseis, quando submetidos a altas temperaturas podem ser calcinados, transformam-se em cal.”
FINANCIAMENTO COLETIVO
No fim de 2017, um ataque de cupins destruiu a base onde estava montado o Maxakalisaurus topai no MN. Depois de mais de um milhão de visitantes terem admirado o esqueleto, a interdição da ala trouxe grande indignação e sem uma sinalização clara de ação do poder público ou da UFJR, a Associação Amigos do Museu Nacional lançou uma campanha de financiamento coletivo virtual para angariar R$ 30 mil. O sucesso foi tanto que a arrecadação quase bateu os R$ 60 mil.
Como apenas um indivíduo foi encontrado em Prata, não se pode afirmar com certeza se o Maxakalisaurus topai se espalhava por outras regiões mineiras e do Brasil. A rocha onde foi encontrado também envolvia dentes de crocodilos pré-históricos e fragmentos de tartarugas que viveram no período Cretáceo (145milhões e 65 milhões de anos atrás). O espécime raro era um animal quadrúpede, com cauda e pescoço longos e uma cabeça pequena. “Todo fóssil é único, pois representa um indivíduo. Às vezes, conseguimos exemplares da mesma espécie, mas do maxacalissauro, ainda não”, disse, à época ao Estado de Minas.
O Museu dos Dinossauros, em Uberaba, é uma das referências em exposição paleontológica em Minas Gerais com três exemplares de dinossauros identificados e outros seis ainda sem descrição, ao lado de um total de 1,5 mil fósseis. A estrutura recebe, em média, 60 mil pessoas por ano e tem itens coletados há sete anos, que representam também a fauna de vertebrados da região. As estrelas do acervo são os únicos ovos de dinossauros completos do Brasil.
Fonte de pesquisas
As técnicas científicas utilizadas na busca de outros minerais no momento em que a produção do ouro e diamante estavam em declínio em Minas Gerais são o tema do doutorado sobre história da química do professor do Centro Universitário Newton Paiva Luciano Faria. E o Museu Nacional, destruído pelo fogo, era uma fonte primária para suas pesquisas, uma vez que guardava amostras de minerais enviados por grandes naturalistas para o Rio de Janeiro nos séculos 18 e 19. “Quando a gente fala de museu, as pessoas pensam em visitação de um material antigo que está exposto. No entanto, a maior parte dos museus tem o que a gente chama de reserva técnica. Ou seja, esses espaços são fiéis depositários de material que é produzido em trabalhos científicos e lá ficam guardados para futuros pesquisadores”, diz.
No caso do professor Faria, o MN era importante pois continha as referências sobre minerais em livros e documentos históricos. “Com o auxílio dos funcionários do museu, consegui ter contato com amostras de minério de chumbo, de cobre e até mesmo uma amostra de ouro paladiado da mina de Gongo Soco, que foi explorada por ingleses em Barão de Cocais (século 18)”, conta.
O cientista tem esperança de que parte dos minerais do acervo tenha resistido ao calor e aos desabamentos. “Assim como os meteoritos parecem ter ficado a salvo do incêndio, por serem materiais muito resistentes, espero que os minerais que estava estudando tenham resistido. Porém, alguns podem se decompor ou perder parte de suas características ou mesmo ser completamente descaracterizados.” De acordo com o pesquisador, além da amostra de ouro, há uma rica coleção de minerais que foi comprada no século 19 pelo Império Brasileiro na Alemanha. “Essa coleção foi do acervo de um dos pais da geologia mundial, Abraham Gotllob Werner”, afirma o professor.
Para Faria, a perda de qualquer material do museu é inestimável. “Assim como meu projeto de doutorado pode sofrer atrasos com isso, outra centena de projetos podem ter sido interrompidos ou nunca poderão acontecer sem esse grande banco de dados que estava no museu”, destaca. “Este é um momento que nos faz sentir aliviados pelo fato de parte daquilo que foi estudado no passado em Minas Gerais ter rumado para museus da França, Dinamarca e Rússia, por conta dos trabalhos de Peter Lund, Emanuel Pohl e August de Saint Hillary”, pondera.