A comunidade afro-brasileira de Ouro Preto, na Região Central, terá de volta, no mês que vem, um espaço para fortalecer sua cultura, manter tradições centenárias e desenvolver também atividades sociais e educativas. Ao lado da Igreja de Santa Efigênia, no Bairro Alto da Cruz, no Centro Histórico, será reaberta a Casa de Cultura Negra. A iniciativa inédita no país, segundo especialistas, ocupa a Sala Chico Rei, que foi reformada, ampliada e ganhou mais um módulo com novos serviços e duas arenas, tipo anfiteatro, na área externa. Junto à promoção da igualdade racial, a Casa de Cultura Negra de Ouro Preto terá programas em educação patrimonial e projetos para valorizar as manifestações artísticas, diz o secretário municipal de Cultura e Patrimônio, Zaqueu Astoni Moreira.
De acordo com a diretora, a Sala Chico Rei foi aberta em 2008, funcionando de forma precária até o início das obras, em abril. “Para se ter uma ideia, não havia nem banheiro. Agora, teremos os anfiteatros e projeto paisagístico, com uso de plantas de importância para nossa cultura e espiritualidade.” Os recursos aplicados totalizam R$ 200 mil, divididos entre a Prefeitura de Ouro Preto e o governo de Minas, via Secretaria de Estado da Cultura.
Primeira cidade brasileira reconhecida como patrimônio da humanidade (1980), pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Ouro Preto sediará hoje e amanhã um encontro de peso na área de preservação dos acervos e conjuntos históricos. No Congresso Mineiro de Direito do Patrimônio Cultural, que celebra também os 30 anos da Constituição de 1988 e destaca o “direito fundamental ao patrimônio cultural”, serão discutidos temas como legislação, Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) Cultural e patrimônios imaterial e edificado. Dividido em duas partes, acadêmico-científica e de capacitação, o congresso engloba ainda o Fórum de Capacitação de Agentes Municipais de Fiscalização do Patrimônio Cultural.
JARDIM O segundo módulo na Casa de Cultura Negra de Ouro Preto está em construção e o jardim será a última etapa, embora desperte grande expectativa por parte dos gestores e público-alvo – por enquanto, há o preparo da terra. Zaqueu informa que haverá pés de camélias, “flor escolhida pelos abolicionistas para pôr na lapela do terno”, caminhos de chá, cerca viva com ora-pro-nóbis, apreciada na culinária, espada-de-são-jorge, própria de cultos religiosos, e árvores frutíferas. Sidinéia acrescenta outras plantas, a exemplo de “alecrim, manjericão e abacateiro”, cujos ramos e folhas são usados em terreiros.
Na avaliação do secretário, a reabertura do equipamento faz um resgate social e histórico da cultura negra. “O lugar é muito simbólico, pois fica ao lado da Igreja de Santa Efigênia, que era negra e com grande devoção entre os escravos”, explica Zaqueu. “Haverá uma gestão compartilhada, podendo ser utilizada pelos congados e também para cursos de capacitação e oficinas.” Um dos destaques do anfiteatro, no qual poderá haver apresentação de danças e capoeira, será a recriação, no chão, de “adinkras” ou símbolos africanos.
Quem também está entusiasmado com iniciativa, e deverá comparecer à cerimônia de reabertura, é o presidente da Fundação Palmares, o economista baiano e professor universitário Erivaldo Oliveira, certo de que se trata de equipamento cultural inédito no país. “Há clubes de negros na Bahia e no Rio Grande do Sul, mas com essa proposta (cultural, social e educativa) é pioneira”, afirmou Erivaldo. Novembro é um mês importante para os afrodescendentes, pois, no dia 20, é celebrado o Dia da Consciência Negra, em referência à morte de Zumbi dos Palmares.
Para o baiano de Santo Amaro, a Casa valoriza os afro-brasileiros. “Nós, brasileiros, fomos formados pelos africanos, portugueses e indígenas, mas foram os africanos que deixaram marcas mais fortes na cultura popular. Basta ouvir nossa música. Tanto que os próprios africanos vêm estudar aqui, pois já perderam muito”, diz Erivaldo. Para ilustrar, ele conta que as oito manifestações reconhecidas como patrimônio imaterial do Brasil têm matriz africana, entre elas o samba e a capoeira.