Em um vale que sustenta plantações de eucalipto a mais de 100 metros de altura, uma frota de caminhões circula carregada de terra e pedras, ao lado de tratores e operários que aos poucos erguem uma das maiores barragens de rejeitos de minério de ferro da Grande BH. Por enquanto, no fundo desse vale, o dique de partida, a estrutura inicial sobre a qual a barragem vai se desenvolver, ainda é pequeno e não parece ameaçar ninguém. Mas o que apavora a vizinhança formada por dois condomínios e quatro propriedades rurais é justamente a fase em que a represa começará a receber rejeitos e sucessivos alteamentos, atingindo as raízes das árvores no alto dos morros. As obras estão a todo vapor. E o Ministério Público (MP) corre contra o tempo para tentar frear, mais uma vez, a implantação desse imenso reservatório, chamado Maravilhas 3, construído pela gigante da mineração Vale, com capacidade de armazenagem três vezes maior que o volume que vazou da Barragem do Fundão, da Samarco, em Mariana, no maior desastre socioambiental da história do país (veja arte).
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Três anos depois do rompimento da barragem do Fundão, o pesadelo continuaComissão interamericana ouve atingidos pela tragédia de Mariana em MinasAção judicial no Reino Unido pela tragédia de Mariana tem 240 mil adesõesHomem é baleado na saída de casa de shows em ContagemCaminhão com produtos químicos tomba e pega fogo na BR-116Unidades de conservação do Quadrilátero Ferrífero devem ser integradasÉ essa a ameaça que Crysta Alves, moradora do Condomínio Estância Alpina, vê crescer dos fundos de sua casa, onde observa aterrorizada o avanço da construção da Barragem de Maravilhas 3, que, caso se rompa e siga pelo vale, como ocorreu no desastre da Samarco, há três anos, arrasaria sua propriedade e a de dezenas de vizinhos. De acordo com a mineradora Vale e com a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), a estrutura conseguiu todas as licenças e seguirá o Plano de Segurança de Barragens, contando com oito sirenes de alerta e treinamento de autossalvamento para os moradores da área mais vulnerável.
Mas isso não tranquiliza de forma alguma os moradores que acompanham aflitos a construção do empreendimento. “Já foi estimado que, caso ocorra o rompimento dessa barragem, a lama e os rejeitos que estiverem estocados ali levarão apenas 24 segundos para atingir as primeiras casas. Nem com sirenes ou treinamento seria possível escapar de uma onde vindo nessa velocidade e com essa abrangência”, disse o advogado, Gustavo Rocha Miranda, de 33, que é o síndico do Condomínio Estância Alpina.
Para Crysta, o avanço da barragem não é o início de um pesadelo, mas a continuação de um tormento, pois sua propriedade já se encontra sob o barramento de Maravilhas 2, estrutura também operada pela mineradora Vale e que retém 101 milhões de metros cúbicos de rejeitos. Sozinha, essa represa já corresponde a duas vezes e meia a quantidade de material originário das minerações da Vale e da Samarco na Barragem do Fundão, cujo rompimento vitimou 19 pessoas, atingiu outras 500 mil e devastou a Bacia do Rio Doce e até o litoral brasileiro. Para Maravilhas 3, a previsão é de armazenagem de 108 milhões de metros cúbicos.
“Estou aqui desde antes da chegada dessas duas barragens. Cheguei em 1998, quando havia poucas casas.
VIZINHANÇA INTRANQUILA Enquanto não há decisão de mérito sobre a ação, de acordo com a moradora, a Vale tem feito uma política de boa vizinhança na medida do possível, restringindo obras nos fins de semana, mas isso é pouco para trazer tranquilidade, avalia. “Não temos informações sobre as reais dimensões e medidas para nos proteger contra uma tragédia. Assim, não vai ter como conseguir passar uma noite tranquila aqui. E olhe que a obra ainda não começou ainda plenamente e está a apenas 10 quilômetros da minha casa”, disse.
O síndico do Estância Alpina, Gustavo Miranda, conta que mesmo com todos os esforços e licenças, o empreendimento já trouxe transtornos. “Foram inúmeras explosões em fins de semana, tráfego intenso de caminhões trazendo muitos ruídos e levando poeira das estradas e da obra para os vários condomínios e propriedades”, disse. Para ele, a única forma de solucionar o problema seria interromper as obras e abandonar o empreendimento.
Mineradora diz que barragens são seguras
A mineradora Vale informou, por meio de nota, que a Barragem de Maravilhas 2 foi construída pelo método de alteamento a jusante, o mesmo que será usado em Maravilhas 3, o que as difere em termos de segurança da Barragem do Fundão, que tinha alteamento a montante. A diferença das duas técnicas construtivas é que o alteamento a montante segue na direção de onde vem o rejeito, fazendo com que a estrutura, ao ser alteada, se apoie sobre o espraiamento de areia que desce com o rejeito já acumulado. No outro método, o alteamento ocorre na frente do barramento inicial, se apoiando no solo firme e na estrutura de barragem. “Isso permite a compactação de todo o corpo da barragem, melhor controle da drenagem interna e maior resistência a sismos (tremores de terra), além de não apresentar risco de liquefação do maciço”, sustenta a empresa.
Segundo a mineradora, a disposição de rejeitos em Maravilhas 3 ainda não foi iniciada, porque a barragem se encontra em processo de construção.
Em relação a Maravilhas 3, os planos de Segurança e o de Ação Emergêncial de Barragens estão em elaboração. “Serão protocolados junto à Defesa Civil e à prefeitura no início da operação. Salienta-se que Maravilhas 3 cumpriu todos os processos requeridos na fase de licenciamento ambiental, possuindo Licença Ambiental de Instalação emitida pela Semad.” Um levantamento realizado pela Vale, em parceria com a Defesa Civil de Nova Lima e a comunidade local, estimou uma população de 53 pessoas na zona de autossalvamento de Maravilhas 3. “Já foram instaladas e testadas todas as oito sirenes previstas para a área e, conforme prevê a legislação, serão realizados treinamentos internos e externos”, informou a mineradora..