Mais de 40% da chuva esperada para todo mês concentrada em poucas horas de um único dia, saturação completa do sistema de drenagem, que exige obras de grande porte, distantes da realidade econômica da cidade, e uma complexidade de ruas e avenidas que dificulta o fechamento de trânsito para evitar tragédias. Esses ingredientes, combinados na noite de quinta-feira, resultaram em uma tragédia com pelo menos quatro mortes em Belo Horizonte e trouxeram de volta à tona um quadro que assombra a população da capital toda vez que chove forte, especialmente na Região de Venda Nova. Desta vez, porém, os transtornos não se restringiram aos prejuízos materiais com os temporais que elevam subitamente o nível da água em pontos como a Avenida Vilarinho.
Leia Mais
Cefet-MG divulga nota de pesar por morte de jovem durante temporal em Venda NovaBombeiros procuram homem que pode ser 5ª vítima de enchente em BH''A culpa é do prefeito'', diz Kalil sobre mortes em temporal na capital Encontro de galerias em ângulo reto favorece alagamentos em Belo HorizonteEntenda por que há tantas enchentes na Avenida Vilarinho PBH enfrenta dificuldades para encontrar interessados nas obras das chuvasBombeiros encontram corpo que pode ser de desaparecido da chuva em BHAlém de sirenes contra chuva, PBH quer tecnologia melhor para prever temporaisPBH quer sirenes para impedir acesso da população em temporais na VilarinhoBuscas por jovem desaparecido em alagamento na Vilarinho entram no 4º diaTempo abre, mas previsão de chuva é mantida em BH; três já morreramHomem mata filha, esposa e comete suicídio em AraguariBombeiros fazem buscas por rapaz
Com três mortes em decorrência das chuvas confirmadas na Região de Venda Nova, em Belo Horizonte, e um homem afogado na Região Norte, o Corpo de Bombeiros mantém buscas por outra pessoa que desapareceu durante a enchente na Avenida Vilarinho, na noite de quinta-feira. De acordo com testemunhas, trata-se de um homem que pulou em uma galeria em frente ao Cartório do Registro Civil e Notas de Venda Nova.
Parentes do rapaz desaparecido, Jonnattan Reis Miranda, de 28 anos, informaram que a família é do interior de Minas e se mudou para Belo Horizonte para tratamento do rapaz, que sofre de esquizofrenia grave desde os 13 anos. Ele faz uso de medicação constante e havia tomado os remédios antes de ter um surto na noite de quinta-feira.
A mãe se esforçou para que ele não pulasse uma janela do imóvel, que fica próximo à Avenida Vilarinho, mas ele conseguiu escapar. Ela ligou para a Polícia Militar (PM) e para o plano de saúde que o atende, no entanto, nenhum deles compareceu, segundo a família.
Ainda de acordo com os parentes, a mãe foi atrás de Jonnattan, mas não conseguiu alcançá-lo, já do outro lado da avenida, no momento da chuva. Um rapaz que estava nas proximidades disse ter visto o momento em que ele entrou na água e desapareceu.
A Defesa Civil ainda aguarda a confirmação da causa da morte de um homem, ainda sem identificação, encontrado na manhã de ontem na Ocupação Vitória, entre Belo Horizonte e Santa Luzia, Região Norte da capital. Segundo informações passadas pelo Corpo de Bombeiros, moradores disseram que a vítima estava embriagada e tentou atravessar a enxurrada a nado na noite de quinta feira, quando desapareceu sob as águas.
Armadilha e prejuízos
Na Avenida Vilarinho, diante da impossibilidade apontada pela Prefeitura de Belo Horizonte de montar bloqueios de tráfego que impeçam efetivamente a entrada de pessoas na área crítica, quando chove forte na área o roteiro se repete: carros arrastados, água entrando em casas e lojas e o medo tomando conta da população. Segundo a Defesa Civil, foram 97 milímetros de chuva na Regional Venda Nova em um dia, 40% do que é esperado para novembro. Em alguns pontos, o nível da água superou dois metros de altura.
Esse alagamento foi suficiente para encher de lama, entulho e destroços a Escola Municipal Francisco Magalhães Gomes, que fica na Vilarinho em frente à linha do metrô. A água derrubou um dos muros da instituição e invadiu salas, cantina, pátio e quadra, transformando o ambiente estudantil em um campo de destroços. Na despensa da unidade, praticamente toda a comida estocada foi destruída. “É uma situação que nos deixou muito abalados. Teríamos uma semana com apresentações que não serão mais possíveis. Agora vamos ver o que fazer”, disse, entristecida, a vice-diretora Zuleika Rufino.
“A cantina tinha sido toda reformada este ano, e agora vamos ter que fazer de novo. Mas o mais complicado é a perda de vidas. Isso que nos deixa mais tristes e é muito difícil de lidar”, lamentou a cantineira Maria Marcia Luciana Silva Oliveira. Outro ponto que ficou destruído foi a loja do comerciante Robert Saff, de 38, onde ele comercializa água, balas, salgados e outras guloseimas há cerca de quatro meses. “A gente trabalha o ano todo para acontecer isso. Fizemos um investimento que já foi embora. Perdi R$ 40 mil com essa chuva. A situação aqui é reincidente. Não temos mais condições de ficar nesse local. Vou apenas esperar para colocar as ideias no lugar e procurar uma alternativa para o meu negócio. A vida é feita de recomeços”, disse.
Ao longo da Avenida Vilarinho e da Rua Doutor Álvaro Camargos, praticamente todos os lojistas colocaram mercadorias para fora na tentativa de limpar as lojas. Na Álvaro Camargos, a força da água ainda arrancou várias placas de asfalto. Ontem, carcaças de veículos destruídos ainda permaneciam espalhadas, especialmente pela Vilarinho. Um dos carros arrastados pela correnteza foi o do pedreiro Luis Sales dos Santos, de 49. “Quando acelerei, veio uma tromba d’água e a correnteza foi tomando conta. Fui para cima do carro e vi que a água continuou subindo. Aí o carro virou e eu pulei para a grade do metrô. Já estava bastante cansado, mas consegui subir em uma árvore. De lá vi meu carro ser levado”, afirma. Nas proximidades Cristina Pereira Matos, de 40 anos, e Sofia Pereira, de 6, mãe e filha, não conseguiram se salvar e morreram no Palio que foi jogado pela enxurrada na linha do metrô.
Fim trágico de 19 horas de operação
A terceira vítima da chuva em Venda Nova por pouco não foi salva pelo Corpo de Bombeiros. Uma guarnição passava pela Rua Álvaro Camargos quando tudo aconteceu. Anna Luísa Fernandes de Paiva Maria desapareceu depois de sair do carro do namorado e ser sugada pela correnteza por um bueiro, que ficou sem tampa. Segundo o tenente Pedro Aihara, da assessoria de comunicação dos Bombeiros, o carro dirigido pelo namorado de Anna parou no momento em que atingiu o buraco da galeria, aberto pela força da água. Ele saiu por um lado do veículo e a adolescente, pelo outro. Como a água tinha coberto todo o asfalto, ela não viu o buraco e acabou arrastada.
A viatura dos bombeiros que seguia para o resgate de pessoas na Avenida Vilarinho passou no momento e foi alertada por testemunhas da ocorrência com Anna Luísa. Um militar ainda tentou puxar a adolescente, mas não conseguiu salvá-la e por pouco não foi arrastado também. Ontem, as buscas se concentram de duas formas, durante 19 horas: cerca de 50 militares fizeram varredura de galerias e também percorreram o leito aberto do Córrego Vilarinho. Uma aeronave apoiou os trabalhos e drones foram usados nas buscas. Foram justamente as imagens de um desses aparelhos que apontaram a localização do corpo, às margens do curso d’água, na altura do Bairro Xodó Marize, Norte de BH, a quatro quilômetros de onde ela submergiu.
O Cefet-MG, onde Anna Luísa estudava, divulgou nota na tarde de ontem manifestando profundo pesar pelo falecimento da aluna, que estava no segundo ano do curso técnico em meio ambiente, integrado ao ensino médio. A conclusão do curso estava prevista para 2019.