A exigência da Fundação Renova de que municípios desistam de ações judiciais no Brasil e no exterior como condição para receber uma indenização por gastos excepcionais provocados pelo rompimento da Barragem do Fundão, da mineradora Samarco, deixa prefeitos entre perplexos e revoltados. O prefeito de Mariana, Duarte Júnior, que exerce liderança entre representantes das cidades atingidas, disse que uma reunião de emergência está sendo marcada para a próxima semana, para que se decida qual a atitude a ser tomada. “Ninguém vai botar cabresto nas prefeituras mineiras. Se a Renova pensa que vai nos intimidar, está enganada”, afirmou. A condição imposta pela entidade, criada pelas mineradoras Vale, BHP Billiton e sua subsdiária Samarco, foi divulgada com exclusividade pelo Estado de Minas em sua edição de ontem.
Por sua vez, representantes do escritório anglo-americano SPG Law, que move processo nas cortes da Inglaterra e do País de Gales contra a gigante da mineração BHP Billiton, informou que vai ingressar com uma ação no Brasil e outra no Reino Unido contra a Renova e a própria BHP, diante da exigência, classificada como tentativa de intimidação.
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Prefeituras atingidas pelo desastre de Mariana dizem que estão sendo intimidadas Comissão interamericana ouve atingidos pela tragédia de Mariana em MinasAção judicial no Reino Unido pela tragédia de Mariana tem 240 mil adesõesFundação Renova obtém liminar para rever indenizações a pescadoresAdvogados britânicos tentam driblar a Renova em ação por rompimento de barragemAtingidos pela tragédia de Mariana denunciam pressão para que desistam de ações na JustiçaRenova insiste que prefeitos desistam de ações pela tragédia de MarianaPrefeitos querem R$ 53 milhões da Renova para despesas com tragédia de MarianaApós o desastre, classificado como a pior tragédia socioambiental da história do país, caminhões, tratores e operários foram empenhados para liberar vias soterradas, abrir acessos e consertar pontes – sem falar em prejuízos com a queda de arrecadação e perda de investidores nos municípios afetados. A previsão de recurso para compensar essas despesas foi acordada no Termo de Transação de Ajustamento de Conduta assinado em 2 de agosto de 2016 pelas mineradoras, pelos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, pela União e seus órgãos ambientais. Foi o mesmo instrumento que oficializou a criação da Fundação Renova.
De acordo com o prefeito Duarte Júnior, os gastos de Mariana com prejuízos provocados pelo rompimento superam R$ 500 milhões, mas a parte que a Renova prevê destinar ao município pelo acordo seria de R$ 6,3 milhões. “Usaria essa verba para quitar o 13° salário do funcionalismo público e agora a Renova aparece com essa exigência. Isso pegou todos os prefeitos de surpresa. Era um recurso tido como certo, as discussões que tínhamos com a Renova eram apenas sobre a correção, se seria pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) ou por outro índice”, afirma.
Mesmo assim, Duarte Júnior informou que o município não pretende desistir de suas ações judiciais que buscam recuperar recursos e amenizar prejuízos, dando a entender que seria esse também o sentimento dos representantes de outras cidades.
RENÚNCIA Na edição de ontem, o EM mostrou que prefeituras se sentiam intimidadas pela Renova após a fundação ter emitido às procuradorias municipais o chamado “Termo de transação, quitação e exoneração de responsabilidade”. A assinatura em três vias desse documento implica, segundo as cláusulas, “renuncia a quaisquer outros direitos eventualmente existentes, presentes ou futuros, para nada mais reclamar em tempo e lugar algum, a qualquer pretexto, em relação a alocações e gastos públicos extraordinários decorrentes do rompimento”.
Implica, também, desobrigação de a Renova e suas mantenedoras – a Samarco, a BHP Billiton e a Vale – de ressarcir as prefeituras devido a esses gastos. O texto cita especificamente o processo no Reino Unido e atrela o recebimento dos recursos acordados ao abandono dessa ação. “O município, neste ato, desiste da ação coletiva movida perante a High Court of Justice em Liverpool – Reino Unido contra a BHP Billinton PLC, BHP Billiton Brasil Ltda., Samarco Mineração S.A., BHP International Finance Corp., BHP Minerals International LLC e Marcona Intl. S.A.”, diz um dos trechos do documento.
Advogado fala em falta de ética
A exigência de renúncia a ações judiciais feita pela Fundação Renova para liberar recursos acordados com os municípios atingidos viola regras do Reino Unido e brasileiras, na opinião do sócio do escritório anglo-americano SPG Law, o norte-americano Glenn Phillips. “Não é ético que se aproximem de clientes que são representados por nós e os pressionem para desistir das ações judiciais. O correto seria a Renova ou a BHP Billiton se dirigir aos nossos advogados”, afirma.
O advogado afirma que o escritório tomará todas as medidas aplicáveis para resguardar os direitos de seus clientes, tanto nos tribunais brasileiros quanto nos do Reino Unido, inclusive acionando a Renova e suas mantenedoras (BHP Billiton e Vale).
Mesmo com a repercussão negativa que a exigência de renúncia aos processos judiciais trouxe para a Renova e suas controladoras, a fundação manteve sua posição no caso. Por meio de nota, informou que “reconhece e tem o compromisso de ressarcir os gastos extraordinários que os municípios tiveram com o rompimento da Barragem do Fundão”. “Cerca de 90% de todas as despesas do governo federal e dos estados foram reembolsadas, e até o final do ano o restante desse pagamento será realizado”, acrescentou, em nota.
Para os municípios, segundo a Renova, uma metodologia alternativa, baseada em estimativa, foi preparada para o pagamento dos gastos extraordinários. “Os pagamentos às prefeituras serão realizados mediante o envio do termo de quitação assinado e a emissão do Documento de Arrecadação Municipal (DAM) com prazo de 30 dias para pagamento”. A entidade, porém, não comenta a exigência de que prefeituras abram mão de processos para ter direito ao pagamento.
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