Jornal Estado de Minas

Prefeitos de cidades atingidas pelo desastre em Mariana se mobilizam contra pressão da Renova

Cláusulas de termo de transação buscam isentar Renova e mineradoras - Foto:

A exigência da Fundação Renova de que municípios desistam de ações judiciais no Brasil e no exterior como condição para receber uma indenização por gastos excepcionais provocados pelo rompimento da Barragem do Fundão, da mineradora Samarco, deixa prefeitos entre perplexos e revoltados. O prefeito de Mariana, Duarte Júnior, que exerce liderança entre representantes das cidades atingidas, disse que uma reunião de emergência está sendo marcada para a próxima semana, para que se decida qual a atitude a ser tomada. “Ninguém vai botar cabresto nas prefeituras mineiras. Se a Renova pensa que vai nos intimidar, está enganada”, afirmou. A condição imposta pela entidade, criada pelas mineradoras Vale, BHP Billiton e sua subsdiária Samarco, foi divulgada com exclusividade pelo Estado de Minas em sua edição de ontem.

Por sua vez, representantes do escritório anglo-americano SPG Law, que move processo nas cortes da Inglaterra e do País de Gales contra a gigante da mineração BHP Billiton, informou que vai ingressar com uma ação no Brasil e outra no Reino Unido contra a Renova e a própria BHP, diante da exigência, classificada como tentativa de intimidação.

O recurso que a Renova informou só liberar após a desistência de queixas judiciais é uma compensação às 39 prefeituras que tiveram gastos com alocações extraordinárias, no valor de R$ 53.344.331. Dessas, 21 decidiram aderir ao processo internacional movido pelo SPG Law.
Tais gastos são referentes a mobilização de pessoal, maquinário e recursos para atender aos cidadãos e estruturas afetados pela avalanche de 40 milhões de metros cúbicos de lama e rejeitos de minério de ferro liberados após o rompimento da barragem.

Após o desastre, classificado como a pior tragédia socioambiental da história do país, caminhões, tratores e operários foram empenhados para liberar vias soterradas, abrir acessos e consertar pontes – sem falar em prejuízos com a queda de arrecadação e perda de investidores nos municípios afetados. A previsão de recurso para compensar essas despesas foi acordada no Termo de Transação de Ajustamento de Conduta assinado em 2 de agosto de 2016 pelas mineradoras, pelos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, pela União e seus órgãos ambientais. Foi o mesmo instrumento que oficializou a criação da Fundação Renova.

De acordo com o prefeito Duarte Júnior, os gastos de Mariana com prejuízos provocados pelo rompimento superam R$ 500 milhões, mas a parte que a Renova prevê destinar ao município pelo acordo seria de R$ 6,3 milhões. “Usaria essa verba para quitar o 13° salário do funcionalismo público e agora a Renova aparece com essa exigência. Isso pegou todos os prefeitos de surpresa. Era um recurso tido como certo, as discussões que tínhamos com a Renova eram apenas sobre a correção, se seria pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) ou por outro índice”, afirma.

Mesmo assim, Duarte Júnior informou que o município não pretende desistir de suas ações judiciais que buscam recuperar recursos e amenizar prejuízos, dando a entender que seria esse também o sentimento dos representantes de outras cidades.
“Vamos nos reunir e decidir juntos quais medidas serão tomadas, mas não vamos desistir de discutir na Justiça uma reparação merecida e correta, tanto nos tribunais brasileiros quanto na ação no Reino Unido. Isso que a Renova está fazendo é se aproveitar das dificuldades financeiras que todos os municípios atravessam para barganhar conosco a liberação desse recurso, ao preço de acabar com os processos na Justiça”, sustenta o prefeito. 

RENÚNCIA
 Na edição de ontem, o EM mostrou que prefeituras se sentiam intimidadas pela Renova após a fundação ter emitido às procuradorias municipais o chamado “Termo de transação, quitação e exoneração de responsabilidade”. A assinatura em três vias desse documento implica, segundo as cláusulas, “renuncia a quaisquer outros direitos eventualmente existentes, presentes ou futuros, para nada mais reclamar em tempo e lugar algum, a qualquer pretexto, em relação a alocações e gastos públicos extraordinários decorrentes do rompimento”.

Implica, também, desobrigação de a Renova e suas mantenedoras – a Samarco, a BHP Billiton e a Vale – de ressarcir as prefeituras devido a esses gastos. O texto cita especificamente o processo no Reino Unido e atrela o recebimento dos recursos acordados ao abandono dessa ação. “O município, neste ato, desiste da ação coletiva movida perante a High Court of Justice em Liverpool – Reino Unido contra a BHP Billinton PLC, BHP Billiton Brasil Ltda., Samarco Mineração S.A., BHP International Finance Corp., BHP Minerals International LLC e Marcona Intl. S.A.”, diz um dos trechos do documento.

Advogado fala em falta de ética


A exigência de renúncia a ações judiciais feita pela Fundação Renova para liberar recursos acordados com os municípios atingidos viola regras do Reino Unido e brasileiras, na opinião do sócio do escritório anglo-americano SPG Law, o norte-americano Glenn Phillips. “Não é ético que se aproximem de clientes que são representados por nós e os pressionem para desistir das ações judiciais. O correto seria a Renova ou a BHP Billiton se dirigir aos nossos advogados”, afirma.

O advogado afirma que o escritório tomará todas as medidas aplicáveis para resguardar os direitos de seus clientes, tanto nos tribunais brasileiros quanto nos do Reino Unido, inclusive acionando a Renova e suas mantenedoras (BHP Billiton e Vale).
“Espero que a Renova não prossiga com esse tipo de atitude. Isso visa apenas a reduzir os direitos de nossos clientes. Mas não é uma situação inesperada em um caso como esse. Principalmente porque, depois de três anos (do desastre), a única coisa que de fato ocorreu (em benefício dos atingidos) foi o ingresso de nossa ação na corte do Reino Unido. Vamos defender com energia nossos clientes, para que tenham acesso à Justiça que ainda não tiveram, mas tudo com ética e dentro das leis”, disse Phillips.

Mesmo com a repercussão negativa que a exigência de renúncia aos processos judiciais trouxe para a Renova e suas controladoras, a fundação manteve sua posição no caso. Por meio de nota, informou que “reconhece e tem o compromisso de ressarcir os gastos extraordinários que os municípios tiveram com o rompimento da Barragem do Fundão”. “Cerca de 90% de todas as despesas do governo federal e dos estados foram reembolsadas, e até o final do ano o restante desse pagamento será realizado”, acrescentou, em nota.

Para os municípios, segundo a Renova, uma metodologia alternativa, baseada em estimativa, foi preparada para o pagamento dos gastos extraordinários. “Os pagamentos às prefeituras serão realizados mediante o envio do termo de quitação assinado e a emissão do Documento de Arrecadação Municipal (DAM) com prazo de 30 dias para pagamento”. A entidade, porém, não comenta a exigência de que prefeituras abram mão de processos para ter direito ao pagamento.


 

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