Depois do temporal que matou três pessoas na Avenida Vilarinho e arredores, na Região de Venda Nova, as chuvas ininterruptas dos últimos três dias fizeram a Prefeitura de Belo Horizonte ampliar o alerta de riscos, voltando sua atenção especialmente para a possibilidade de deslizamentos em encostas da cidade, e não mais apenas para alagamentos. Entre segunda-feira e ontem, somente na Região Oeste, a que registra maiores índices, choveu 102,8 milímetros, 43% do esperado para todo o mês.
A chuva contínua obrigou a Subsecretaria de Proteção e Defesa Civil de BH a emitir alerta para risco geológico e também a percorrer áreas mais suscetíveis com alto-falantes, para alertar a população sobre os riscos em pontos como a Vila São Paulo, às margens da Avenida Tereza Cristina, próximo ao Córrego Ferrugem, na Região Oeste; a Alameda do Grotão, no Bairro Havaí, também na Oeste; a Rua Sustenido, na Vila Cafezal, no Aglomerado da Serra, Região Centro-Sul; e a Vila Chaves, no Bairro Califórnia, Noroeste de BH. O próprio subsecretário de Defesa Civil, coronel Alexandre Lucas, gravou mensagem advertindo moradores.
“Diante de qualquer sinal de movimentação do terreno, como trincas, rachaduras, abatimentos de piso, inclinação de postes e árvores, não permaneçam em suas casas e liguem para a Defesa Civil no telefone 199. O risco é muito alto, principalmente durante a noite”, disse o chefe da Defesa Civil de BH. Nas ruas, agentes replicaram a mensagem nos arredores de áreas de risco, como na região da Vila São Paulo, às margens da Avenida Tereza Cristina, nos limites entre BH (Bairro Vista Alegre) e Contagem, já na região metropolitana. “Atenção, moradores: em virtude do acúmulo de chuvas dos últimos dias e da previsão de mais chuvas nos próximos, a cada hora aumenta o risco de deslizamentos e escorregamentos de encostas”, alertavam os servidores da Defesa Civil.
Diferentemente da chuva de quinta-feira passada, quando a precipitação se aproximou de 100 milímetros em apenas oito horas na Região de Venda Nova, o que contribuiu para a subida repentina do nível do Córrego Vilarinho, as chuvas dos últimos três dias provocaram o encharcamento do solo. Com isso, a Defesa Civil explica que aumentam as possibilidades de escorregamentos de encostas e desabamento de imóveis construídos em áreas de risco geológico.
Moradora da Vila São Paulo há cinco meses, Aléxia Nunes, de 16 anos, vive com o marido em um barraco no alto de uma encosta na Avenida Tereza Cristina, com acesso feito unicamente por uma escada escavada no barranco e tomada pela lama. Entrar ou sair do espaço já é um risco. O medo da jovem é que a casa seja atingida por uma árvore de grande porte que fica bem ao lado. A orientação ontem da Defesa Civil foi de acionar a prefeitura para fazer o corte da árvore. “Estamos aqui porque não temos dinheiro para viver em outro local. Se houver alguma interdição e tivermos que sair, não temos para onde ir”, preocupava-se.
Aléxia mora próximo ao local onde, em dezembro do ano passado, moradores tiveram de deixar suas moradias às pressas, devido a um deslizamento que atingiu a linha férrea e danificou casas durante um temporal. A terra cedeu, deixando um trecho dos trilhos descoberto. Na época, a lama que desceu da encosta atingiu construções na rua de baixo. Vinte famílias tiveram de ser retiradas da área. O histórico aumenta ainda mais o medo da jovem. “É nossa primeira temporada de chuvas neste lugar. Estou muito apreensiva.”
A quantidade de chuva esperada para todo o mês de novembro em Belo Horizonte é de 238,9 milímetros, conforme média climatológica do intervalo de 30 anos, entre 1981 e 2010, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia. Até ontem, quando ainda restavam horas para novembro completar 21 dias, sete das nove regiões da cidade já tinham superado essa média (veja quadro). E, nas regiões Oeste e Centro-Sul, cada uma com uma importante área de risco geológico (Vila São Paulo e Rua Sustenido, respectivamente), choveu mais de 100 milímetros em três dias de precipitações contínuas, o que afeta diretamente a saturação do solo e agrava as ameaças de deslizamento.
EFEITOS DIFERENTES Márcio Baptista, professor e engenheiro do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da UFMG, explica as principais diferenças entre as chuvas dos últimos três dias e as da semana anterior. “Esta semana temos uma chuva contínua e de longa duração – o que favorece a infiltração da água. Já quando ocorre uma pancada muito forte e rápida, a água tende a escoar de imediato, provocando inundações, como as que ocorreram no feriado”, explicou. O problema é agravado pelo descarte irregular de lixo nas ruas, já que bueiros entupidos favorecem alagamentos como os da semana passada. “São necessários novos sistemas de escoamento, como galerias, em diversos pontos”, completou.
Diferentemente do que muita gente pensa, as áreas de risco em Belo Horizonte não se limitam a vilas e favelas. Há tipos de solo mais favoráveis ao deslizamento em várias regiões. “Temos o problema das casas em locais de risco sem estrutura adequada, mas também temos o subsolo composto, por exemplo, por filito (rocha de estrutura fina, em camadas sobrepostas) – característico de alguns bairros no entorno da Serra do Curral –, que está mais propício ao deslizamento. Isso porque, ao receber grande quantidade de água, a rocha se esfacela em camadas. E a inclinação pode ser um agravante”, disse. Além do acompanhamento técnico das condições locais, são necessárias obras de contenção e atenção dos moradores para o aparecimento de trincas ou sinais de movimentação.
ÁRVORES As chuvas vêm sobrecarregando também o Corpo de Bombeiros, que trabalha com o que a corporação classifica como “demanda reprimida”. Somente ontem, militares atenderam a cerca de 200 chamados apenas relativos a quedas de árvores ou corte das que estão ameaçadas. Segundo a assessoria de imprensa, foi criada uma escala que dá prioridade aos cortes dos espécimes sob risco iminente. Os que já tombaram vêm em segundo lugar.
Em todos os casos, os locais são checados por uma patrulha, que analisa os riscos antes do envio de unidades para o corte. Cada guarnição tem, em média, cinco militares. Ocorrências envolvendo árvores são de responsabilidade da prefeitura, mas há recomendação para que os bombeiros atuem quando necessário. A supressão só poderá ser feita em caso de risco de queda ou descaracterização acentuada do espécime.
Chuvas até segunda-feira
O tempo continuará chuvoso na capital mineira até segunda-feira, prevê a Subsecretaria de Proteção e Defesa Civil de Belo Horizonte (Supdec). Segundo Dayan Carvalho, diretor de Meteorologia do órgão, a previsão é de que até amanhã as precipitações sejam fracas e constantes. Já para o fim de semana e segunda-feira, a previsão é de pancadas isoladas. “O tempo chuvoso é decorrente de uma frente fria que está atuando na Região Metropolitana de Belo Horizonte desde o início da semana”, afirmou o meteorologista. Ainda de acordo com Carvalho, não há alerta de alagamento para a área de nenhum córrego da capital.