O desejo de valorizar o patrimônio de Belo Horizonte e respeitar as normas de preservação norteiam os passos do administrador e ex-construtor Jonathas Dantas Valle. Sonhador e prático, como se define, o homem natural de Ponte Nova, na Zona da Mata, criado na capital, leva adiante o restauro de uma casa projetada pelo arquiteto mineiro Sylvio de Vasconcellos (1916-1979), expoente do modernismo, no Bairro Sion, na Região Centro-Sul. Construída no início da década de 1960, a residência foi adquirida meses antes de ser tombada pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de BH. “Comprei sabendo que estava indicada para tombamento, o que ocorreu em agosto de 2017. Sinto grande prazer em fazer algo pela cidade”, afirma.
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Em BH, há 900 imóveis tombados na esfera municipal, dos quais 70% particulares, mas nem todos os proprietários, numa situação que se estende ao interior, conhecem a legislação ou se mostram dispostos a preservar os bens. E mais: têm muitas dúvidas e se queixam de falta de condições.
Carlos Magno explica que os temas são abrangentes e falam para todo o patrimônio nacional no formato de 102 perguntas e respostas. O manual ficará disponível no site do Iphan (iphan.gov.br) e no blog da Coordenadoria das Promotorias de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais/MPMG (patrimoniocultural.blog.br).
CAPITAL Para os moradores da capital, uma novidade. A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), via Diretoria da Patrimônio Cultural da Fundação Municipal de Cultura (FMC), também prepara um manual com lançamento previsto para o primeiro semestre de 2019, adianta o titular do setor, Yuri Mello Mesquita. Além de relatar o passo a passo específico para os bens, o trabalho vai falar da isenção de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), detalhar a Transferência do Direito de Construir (TDC) e outros benefícios.
Na tarde de quarta-feira, enquanto acompanhava a obra conduzida por empresa especializada em restauro, Jonathas, mostrava parte da construção de 450 metros quadrados de área coberta e com as características da época: azulejos bisotados, janelões de madeira de lei, de onde foram retiradas duas camadas de tinta para deixar na cor natural, piso de tacos, cerâmica, cinco dormitórios e outros charmes dos anos 1960. A paixão em conservar a arquitetura moderna se associa à viabilidade econômica.
O imóvel terá uso comercial, com negócios múltiplos que fazem a alegria do empreendedor de 64 anos e casado há 41, pai de dois filhos e com dois netos: plantas, gastronomia, aventura, fotografia, viagens e festas. Um dos prazeres de Jonathas é o jardim de rosas interno e o quintal, no fundo, com plantas, ikebanas (jabuticabeira produzindo), melancia se alastrando e frutíferas, protegidas por sombrite.
CONSCIÊNCIA Quem mora no Centro Histórico de Ouro Preto – área tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e reconhecida como Patrimônio da Humanidade desde 1980 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (Unesco) – não tem isenção de IPTU, mas nem por disso deixa de preservar. E valorizar.
Proprietária de sobrado construído há exatos 280 anos no Bairro do Pilar, a historiadora Maria Margareth Monteiro não esconde a satisfação por habitar o imóvel. “Vale demais a pena, mas é preciso o cidadão ter consciência e cuidar. Qualquer intervenção deve ser comunicada ao Iphan, mas gosto de ressaltar a relevância da conservação preventiva, pois, afinal, estamos falando de um sobrado de 1738, que significa uma identidade para a cidade.” Para Maria Margareth, um manual para nortear os moradores é referência e ferramenta fundamental no dia a dia.
Já a professora carioca Cláudia Gomes Dias Costa, que se mudou há 25 anos para Ouro Preto, não esconde o “prazer” de ter um imóvel no Pilar, muito menos que os proprietários de bens tombados sempre têm dúvidas. “Preservar é fundamental, mas há muitas normas para manter o imóvel, principalmente nesta que é a região mais cara da cidade. Então, cada passo deve ser relatado às autoridades, não há um padrão mínimo.”
Temas variados para tirar dúvidas até no digital
Com 140 páginas, linguagem acessível e publicado nas versões física e digital, o Manual para quem vive em casas tombadas enfoca vários temas: como reconhecer um bem tombado, a maneira de agir ao comprar um imóvel protegido descaracterizado, informações sobre o caminho para regularizar imóveis modificados sem autorização, deveres e direitos. Carlos Magno destaca a possibilidade de compensações para quem preserva o bem, com lei federal, Imposto sobre Circulação de Mercadorias de Serviços (ICMS) e outros.
“O manual é importante para os moradores das casas tombadas, vizinhos e apreciadores dos bens culturais, pois, por meio dele, as pessoas poderão ter maior segurança sobre as regras referentes às casas tombadas”, ressalta Carlos Magno, ampliando os objetivos.
Em 2011, com a autorização do Núcleo de Estudos Aplicados e Sociopolíticos Comparados, foram aplicados 400 formulários na sede do distrito de Ouro Preto, buscando compreender as dúvidas dos moradores. A partir das respostas, explica Carlos Magno, integrantes do Núcleo de Pesquisa em Direito da Ufop, do Iphan e do MPMG perceberam “a necessidade de esclarecimentos e a oportunidade de reunirem, em uma publicação, os direitos e os deveres de moradores de bens tombados, vizinhos e apreciadores”. Segundo o professor, muitas vezes, na questão do patrimônio, há olhares diferentes por parte da academia, do MP, do Iphan e da prefeitura, mas, nesse manual o objetivo foi fazer um trabalho coletivo. O livro, com pesquisa de caráter científico, presta uma homenagem ao fotógrafo Luiz Fontana, com acervo de domínio público, de quem são publicadas fotos de Ouro Preto feitas na década de 1920.
Perguntas e respostas
Como saber se um bem é patrimônio cultural?
Para um bem ser considerado patrimônio cultural não é preciso que ele seja, obrigatoriamente, tombado. É preciso que haja uma vontade coletiva de protegê-lo por causa do seu valor cultural (…) Podemos dizer que ele deverá atender a alguns requisitos: ter um significado cultural relevante para um número razoável de pessoas – esse significado deve ser consolidado no tempo, ou seja, não pode ser uma vontade passageira, apenas um modismo.
O que é tombamento?
É uma das formas existentes na legislação brasileira para proteção dos bens com valor cultural (…) Trata-se de um ato do poder público no qual se declara que um determinado bem móvel ou imóvel, pelo seu valor cultural, deve ser protegido e preservado. Para ocorrer o tombamento, é necessário, primeiramente, um processo administrativo, inclusive com possibilidade de contestação dos interessados atingidos pelo ato, ou mesmo os vizinhos, que devem ser notificados.
De que forma o tombamento protege o bem cultural edificado?
O tombamento impõe alguns limites quanto a alterações e intervenções no imóvel protegido e também nos imóveis vizinhos. Esses limites variam de caso a caso e isso não quer dizer que o imóvel não possa ser alterado de forma alguma. Significa, na verdade, que antes de qualquer tipo de intervenção no imóvel (até mesmo uma simples pintura), o proprietário deverá consultar previamente o órgão público que realizou esse tombamento. Como há tombamentos municipais, estaduais e federais, pode ser que o órgão ao qual o proprietário tenha que requerer a autorização seja diferente, conforme cada caso.
Posso vender ou alugar meu imóvel tombado?
Sim.
Existe pena criminal para quem danifica ou altera um imóvel tombado?
Sim. O dano ao patrimônio cultural, inclusive o edificado, é considerado crime no Brasil. Além do dever de reparar ou compensar o dano causado e ainda das possíveis punições administrativas, o sujeito que danificar um bem cultural poderá ser preso. Um exemplo: o Artigo 165 do Código Penal fala em “Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa tombada pela autoridade competente em virtude de valor, artístico, arqueológico ou histórico”. Neste caso, a pena para o infrator é de detenção de seis meses a dois anos, e multa. Os artigos 62 a 65 da Lei de Crimes Ambientais brasileira também incriminam o ato dano ao patrimônio cultural.
Fonte: Manual para quem vive em casas tombadas, de Carlos Magno de Souza Paiva e André Macieira
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