Dois novos rounds na queda de braço travada desde o ano passado entre um grupo de pais de alunos e o Colégio Santo Agostinho, em Belo Horizonte, desta vez envolvendo até mesmo uma disputa entre promotorias. No fim de semana, começou a circular pelo WhatsApp cópia da ação civil pública protetiva proposta no último mês de setembro pela Promotoria de Defesa dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, com mensagem sobre uma suposta condenação da escola. Trata-se de ação para apuração de infração administrativa contra a Sociedade Inteligência e Coração (SIC), mantenedora do estabelecimento de ensino, acusada de divulgar em sala de aula a ideologia de gênero.
Segundo nota do MPMG, o processo só poderá ser retomada depois que a Procuradoria-Geral de Justiça indicar se a matéria, nos termos em que foi tratada na ação proposta, deve ser objeto de intervenção do órgão e definir qual promotoria teria atribuição para propor medidas na área.
O caso teve início em abril do ano passado, quando pais de estudantes questionaram a veiculação de conteúdo de gênero numa peça publicitária na página eletrônica do colégio. Em julho, foram além. Enviaram notificação extrajudicial à SIC, que é mantenedora das unidades do Colégio Santo Agostinho (BH, Contagem e Nova Lima), na pessoa de seu presidente, o frei Pablo Gabriel Lopes Blanco, e também de três diretores. O documento foi elaborado por um grupo que representa 84 responsáveis por alunos. O colégio tem ao todo 12 mil estudantes, sendo 8,5 mil no Santo Agostinho e 3,5 mil em escolas 100% gratuitas.
O texto exigia do colégio parar de ministrar em sala de aula conteúdos relacionados a temas como gênero e sexualidade. Normalmente, uma notificação extrajudicial é enviada antes da abertura de um processo na Justiça. Ela representa uma comunicação para que o órgão que está sendo notificado tome ciência do problema e resolva a situação antes que ele seja acionado na Justiça. Ao mesmo tempo, o grupo fez também uma representação no Ministério Público contra a instituição alegando o mesmo tema. Na época, esses pais, em entrevista ao Estado de Minas, se disseram dispostos a acionar a Justiça caso não houvesse entendimento.
A assessoria do Fórum Lafayette informou que a ação foi distribuída em 12 de setembro no Juizado da Infância e Juventude. As partes foram citadas e o processo está nas mãos dos advogados da SIC, para análise. Na nota de ontem, o Santo Agostinho voltou a reiterar que não contempla em seu projeto pedagógico a ideologia de gênero. “A ação judicial contém alegações absurdas, desconectadas da realidade e sem correspondência com a verdade. O Colégio Santo Agostinho já está tomando as medidas judiciais cabíveis, seja para nos defender contra as falsas alegações, seja para responsabilizar as pessoas e os agentes que estão divulgando essas mentiras”, afirma o texto.
A escola enfatizou que não tem projeto algum “para confundir a cabeça das crianças e jovens”, como se alega no processo. “O mundo mudou e a sociedade também. A escola não está incólume a tudo isso. Ela interfere e sofre a interferência do seu entorno. No mar agitado, busca o farol; no meio dos ruídos, busca os sinais. A experiência e a tradição nos ajudam a lidar com as contradições, as diferenças, os extremos e as incertezas. A escola não é a inimiga, e tampouco os professores; somos parceiros das famílias na formação humana e cidadã de seus filhos, pautada nos valores cristãos, católicos e agostinianos”, diz.
O Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep-MG) saiu em defesa do colégio. A presidente da entidade, Zuleica Reis, disse que a promoção do respeito e tolerância, presentes na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), deve ser trabalhada em todas as instituições de ensino. “As escolas particulares prezam pela contratação de equipe preparada e todos os temas abordados em sala de aula são previamente discutidos e analisados de forma séria e ética. Nem a escola nem qualquer instituição tem o papel de tentar manipular ou interferir na orientação ou na identidade de alguém, mas pode ajudar a instaurar a cultura do respeito às diferenças”, afirmou.
O Sinep relatou ainda entender que a escola, “de forma técnica, profissional e competente, deve falar desses temas para diminuir o choque e evitar o senso comum”. “É direito da escola e dos pais optarem por qual recorte vão fazer na educação, escolhendo a instituição que mais esteja conectada aos seus valores. É necessário que escola, professores e famílias estejam em constante diálogo para contribuir para a promoção da cidadania e do respeito, com absoluta confiança mútua”, acrescentou Zuleica Reis, por meio de nota.
AÇÃO Na notificação extrajudicial e em carta enviada ano passado à direção do Santo Agostinho, mães e pais se diziam “preocupados com a inserção de conteúdos atinentes à sexualidade e questões de ‘gênero’ nas mais diversas matérias do currículo escolar, inclusive e principalmente, em Ensino Religioso e Ciências”.
O grupo se mostrou contrário à abordagem desse tipo de conteúdo, sob o argumento de que “referidas matérias não devem ser expostas a nossos filhos, salvo pela própria família”. E invocou mecanismos da legislação para respaldar essa posição, como o Código Civil Brasileiro, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Convenção da ONU sobre os Direitos das Crianças.
Na ação, assinada pelos promotores Celso Penna Fernandes Júnior e Maria de Lurdes Rodrigues Santa Gema, é pedida a condenação da escola e indenização por dano moral coletivo, no valor correspondente às mensalidades e à matrícula de 2017 de todos os alunos da 3ª à 6ª série do ensino fundamental do Santo Agostinho. Os promotores alegam que é preciso considerar “a situação de risco a que foram expostos (...) ante o ensino de matérias, uso de práticas, de material e de dinâmica indevidos, inadequados ou incompatíveis com a respectiva idade, o que veio a prejudicar o desenvolvimento psíquico e moral dos mesmos”.