Toque dos sinos e missa solene marcam, na noite desta quarta-feira (28), os 240 anos do término da construção do Santuário Arquidiocesano de Santa Luzia, mais conhecido como Matriz de Santa Luzia, na cidade de mesmo nome, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A festa também dá início à trezena da padroeira, cujo ponto alto será no próximo dia 13 com a chegada de milhares de romeiros.
Com início às 19h30, a celebração eucarística na Matriz de Santa Luzia foi precedida de procissão, da entrada do santuário até o altar, com crianças e jovens vestidas de anjo e presença do presidente da celebração, o vigário episcopal para as cidades históricas, padre Wellington Santos, o titular da paróquia, padre Felipe Lemos de Queirós, grupo de freiras do Mosteiro de Macaúbas, com a abadessa Maria Imaculada de Jesus Hóstia, e o casal presidente da festa deste ano, Edson Eduardo Malaquias e Alcione Regina Malaquias.
A comemoração dos 240 anos da Matriz de Santa Luzia conta a palestra do secretário de Estado da Cultura, Angelo Oswaldo, também integrante do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, que enfoca a história do templo localizado na Rua Direita, na Praça da Matriz, no Centro Histórico.
A cerimônia da noite desta quarta-feira trancorre em parceria com a Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia. Ao final, como representante da associação, Maria do Carmo Oliveira entregou a placa ao secretário estadual. Na oportunidade, foi lembrando o retorno dos chamados “anjos de Santa Luzia”, que desapareceram da igreja na década de 1950, iriam a leilão em 2003 no Rio de Janeiro (RJ) e retornaram à cidade por decisão judicial.
Símbolo de fé e marco na recuperação de bens culturais desaparecidos em Minas, o Santuário de Santa Luzia, ligado à Arquidiocese de Belo Horizonte. recebeu bênção oficial em 13 de dezembro de 1778. Há dois meses como titular da Paróquia de Santa Luzia, o padre Felipe Lemos de Queirós destaca a importância espiritual, histórica e cultural do templo na vida do município tricentenário. “Trata-se de uma das matrizes mais bonitas de Minas. Erguida no século 18 no estilo joanino, ou segunda fase do Barroco – mais ornamentado e pomposo, embora delicado – a igreja, hoje santuário, tem grande significado na arte e arquitetura, mas também nos trabalhos pastorais e sociais, já que são 11 comunidades e 3 capelas, com diversas realidades sociais e econômicas”, disse padre Felipe, que assumiu a paróquia em 20 de setembro.
ENIGMAS Visitar o Santuário de Santa Luzia, na Praça da Matriz, no Centro da cidade, é entrar num universo de fé, beleza e história e fazer descobertas. O altar de São José, por exemplo, tem um enigma a ser desvendado. Em 1989, durante a última restauração do templo foram encontrados, na parte de trás do retábulo, um compasso e um esquadro esculpidos na madeira e em policromia dourada, que estariam relacionados à maçonaria. Já que foi deixada uma passagem sob a mesa do altar, é possível ver, com nitidez, a talha com o esquadro – para os maçons, símbolo de retidão e integridade de caráter –, e o compasso, que representa equilíbrio, justiça e vida correta.
Pela tradição oral, as peças localizadas atrás do altar pertenceriam ao forro do interior do camarim, depois ocultado em razão da ligação com a iconografia maçônica. Estudiosos dizem que, como os entalhes do trono de São José são semelhantes ao altar-mor de Santa Luzia, é possível que ele estivesse à mostra no século 18. No século seguinte, a exposição numa igreja católica criaria problemas para os padres, pois a bula Syllabus, editada em 1864 pelo papa Pio IX (1792-1878) proibia as relações da Igreja com a maçonaria.
Também se torna impossível falar sobre o santuário de Santa Luzia, localizado em área tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG), sem destacar a campanha pelos bens desaparecidos em Minas, que, em 2018, completa 15 anos. No templo, estão três anjos barrocos – dois sobre o arco-cruzeiro e outro no altar de Nosso Senhor dos Passos – que simbolizam a luta empreendida por autoridades estaduais e federais para localizar imagens, retábulos e demais tesouros desaparecidos ou furtados de templos coloniais do estado. As peças em poder de um colecionador iriam a leilão no Rio de Janeiro (RJ), quando foram retiradas do pregão por ordem judicial e entregues ao Iepha, para perícia.
HISTÓRIA Conforme pesquisa da historiadora luziense Elizabete de Almeida Teixeira Tófani, a capela primitiva dedicada a Santa Luzia foi erguida por volta de 1701, formando-se no entorno um rancho para tropeiros que chegavam dos currais da Bahia a fim de abastecer a região das minas de ouro. “No início, quando era capela, ficava de frente para a Rua do Serro, e só depois que se tornou igreja é que ficou virada para a Rua Direita, como está hoje”, conta a pesquisadora.
A história se completa com informações contidas no Inventário do Patrimônio Cultural da Arquidiocese de BH/Pontíficia Universidade Católica de Minas. Entre 1721 e 1729, a capela foi ampliada por iniciativa do capitão-mor João Ferreira dos Santos e outros pioneiros com o apoio do padre Lourenço de Valadares Vieira, vigário de Sabará. Assim, o templo se tornou capela filial da freguesia de Santo Antônio de Roça Grande, já que Santa Luzia estava vinculada à Vila Real de Nossa Senhora da Conceição de Sabará.
No livro Santa Luzia – Um pouco do seu passado –, o pesquisador Edelweiss Teixeira escreveu que a capela tinha ”vinte e dois passos de comprimento e doze de largura”. Os primeiros documentos históricos a ela referentes são um registro de casamento, datado de 30 de julho de 1729, e, seis anos depois, documento do primeiro sepultamento no cemitério ao lado da capela.
Mas nem tudo foram flores no início da Paróquia de Santa Luzia criada em 19 de novembro de 1744 por decisão do bispo do Rio de Janeiro, dom Frei João da Cruz. A população de Roça Grande, por perder a posição da sede, protestou com veemência e foi se queixar ao bispo. Relatos do cônego Raimundo Trindade, autor de Instituição de igrejas no bispado de Mariana, mostram que a transferência foi anulada pelo desembargador do Paço da Bahia e só foi definitivamente regularizada bem mais tarde, em 29 de fevereiro de 1780, por meio de ordem régia.
De 1744 a 1778, a pequena construção sofreu várias alterações, tendo contribuído nos serviços o sargento-mor Joaquim Pacheco Ribeiro, em agradecimento à cura de sua visão, diz a pesquisadora Elizabete Tófani, que destaca o apuro ornamental do interior do templo, que reflete três fases estilísticas do período colonial, “além da excepcional qualidade do entalhe da segunda fase do barroco (estilo Dom João V), requinte do rococó e linguagem despretensiosa dos padrões neoclássicos”. Ao longo dos séculos 19 e 20, a edificação passou por várias intervenções arquitetônicas e artísticas, algumas alterando sua fisionomia original, outras promovendo a sua conservação.
ÍCONES DA CAMPANHA
Um dos pontos altos do trabalho de resgate dos bens culturais mineiros, e emblemático em toda essa trajetória, foi a luta dos moradores de Santa Luzia para reaver parte do acervo, no caso, os três anjos barrocos que teriam sido vendidos do santuário local, na década de 1950, e iriam a leilão no Rio de Janeiro. O caso foi parar na Justiça, depois que a aposentada Luzia Vieira, moradora de Santa Luzia, viu as fotos das peças, então sob poder de um colecionador, publicadas pelo Estado de Minas. Diante disso, a Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia ajuizou ação para recuperar as peças e, por determinação do então juiz da 2ª Vara Cível de Santa Luzia, Jair Eduardo Santana, o conjunto foi excluído do leilão e entregue ao Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG) para ser periciado, a fim se comprovarem origem e autenticidade. A tarefa, a cargo da arquiteta Selma Miranda, mostrou que as peças eram mesmo do Santuário de Santa Luzia. Com a campanha capitaneada pelo Ministério Público de Minas Gerais, via Coordenadoria das Promotorias de Justiça do Patrimônio Cultural e Turístico, centenas de peças foram recuperadas e muitas retornaram aos seus altares ou museus.
Com início às 19h30, a celebração eucarística na Matriz de Santa Luzia foi precedida de procissão, da entrada do santuário até o altar, com crianças e jovens vestidas de anjo e presença do presidente da celebração, o vigário episcopal para as cidades históricas, padre Wellington Santos, o titular da paróquia, padre Felipe Lemos de Queirós, grupo de freiras do Mosteiro de Macaúbas, com a abadessa Maria Imaculada de Jesus Hóstia, e o casal presidente da festa deste ano, Edson Eduardo Malaquias e Alcione Regina Malaquias.
A comemoração dos 240 anos da Matriz de Santa Luzia conta a palestra do secretário de Estado da Cultura, Angelo Oswaldo, também integrante do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, que enfoca a história do templo localizado na Rua Direita, na Praça da Matriz, no Centro Histórico.
A cerimônia da noite desta quarta-feira trancorre em parceria com a Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia. Ao final, como representante da associação, Maria do Carmo Oliveira entregou a placa ao secretário estadual. Na oportunidade, foi lembrando o retorno dos chamados “anjos de Santa Luzia”, que desapareceram da igreja na década de 1950, iriam a leilão em 2003 no Rio de Janeiro (RJ) e retornaram à cidade por decisão judicial.
Símbolo de fé e marco na recuperação de bens culturais desaparecidos em Minas, o Santuário de Santa Luzia, ligado à Arquidiocese de Belo Horizonte. recebeu bênção oficial em 13 de dezembro de 1778. Há dois meses como titular da Paróquia de Santa Luzia, o padre Felipe Lemos de Queirós destaca a importância espiritual, histórica e cultural do templo na vida do município tricentenário. “Trata-se de uma das matrizes mais bonitas de Minas. Erguida no século 18 no estilo joanino, ou segunda fase do Barroco – mais ornamentado e pomposo, embora delicado – a igreja, hoje santuário, tem grande significado na arte e arquitetura, mas também nos trabalhos pastorais e sociais, já que são 11 comunidades e 3 capelas, com diversas realidades sociais e econômicas”, disse padre Felipe, que assumiu a paróquia em 20 de setembro.
ENIGMAS Visitar o Santuário de Santa Luzia, na Praça da Matriz, no Centro da cidade, é entrar num universo de fé, beleza e história e fazer descobertas. O altar de São José, por exemplo, tem um enigma a ser desvendado. Em 1989, durante a última restauração do templo foram encontrados, na parte de trás do retábulo, um compasso e um esquadro esculpidos na madeira e em policromia dourada, que estariam relacionados à maçonaria. Já que foi deixada uma passagem sob a mesa do altar, é possível ver, com nitidez, a talha com o esquadro – para os maçons, símbolo de retidão e integridade de caráter –, e o compasso, que representa equilíbrio, justiça e vida correta.
Pela tradição oral, as peças localizadas atrás do altar pertenceriam ao forro do interior do camarim, depois ocultado em razão da ligação com a iconografia maçônica. Estudiosos dizem que, como os entalhes do trono de São José são semelhantes ao altar-mor de Santa Luzia, é possível que ele estivesse à mostra no século 18. No século seguinte, a exposição numa igreja católica criaria problemas para os padres, pois a bula Syllabus, editada em 1864 pelo papa Pio IX (1792-1878) proibia as relações da Igreja com a maçonaria.
Também se torna impossível falar sobre o santuário de Santa Luzia, localizado em área tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG), sem destacar a campanha pelos bens desaparecidos em Minas, que, em 2018, completa 15 anos. No templo, estão três anjos barrocos – dois sobre o arco-cruzeiro e outro no altar de Nosso Senhor dos Passos – que simbolizam a luta empreendida por autoridades estaduais e federais para localizar imagens, retábulos e demais tesouros desaparecidos ou furtados de templos coloniais do estado. As peças em poder de um colecionador iriam a leilão no Rio de Janeiro (RJ), quando foram retiradas do pregão por ordem judicial e entregues ao Iepha, para perícia.
HISTÓRIA Conforme pesquisa da historiadora luziense Elizabete de Almeida Teixeira Tófani, a capela primitiva dedicada a Santa Luzia foi erguida por volta de 1701, formando-se no entorno um rancho para tropeiros que chegavam dos currais da Bahia a fim de abastecer a região das minas de ouro. “No início, quando era capela, ficava de frente para a Rua do Serro, e só depois que se tornou igreja é que ficou virada para a Rua Direita, como está hoje”, conta a pesquisadora.
A história se completa com informações contidas no Inventário do Patrimônio Cultural da Arquidiocese de BH/Pontíficia Universidade Católica de Minas. Entre 1721 e 1729, a capela foi ampliada por iniciativa do capitão-mor João Ferreira dos Santos e outros pioneiros com o apoio do padre Lourenço de Valadares Vieira, vigário de Sabará. Assim, o templo se tornou capela filial da freguesia de Santo Antônio de Roça Grande, já que Santa Luzia estava vinculada à Vila Real de Nossa Senhora da Conceição de Sabará.
No livro Santa Luzia – Um pouco do seu passado –, o pesquisador Edelweiss Teixeira escreveu que a capela tinha ”vinte e dois passos de comprimento e doze de largura”. Os primeiros documentos históricos a ela referentes são um registro de casamento, datado de 30 de julho de 1729, e, seis anos depois, documento do primeiro sepultamento no cemitério ao lado da capela.
Mas nem tudo foram flores no início da Paróquia de Santa Luzia criada em 19 de novembro de 1744 por decisão do bispo do Rio de Janeiro, dom Frei João da Cruz. A população de Roça Grande, por perder a posição da sede, protestou com veemência e foi se queixar ao bispo. Relatos do cônego Raimundo Trindade, autor de Instituição de igrejas no bispado de Mariana, mostram que a transferência foi anulada pelo desembargador do Paço da Bahia e só foi definitivamente regularizada bem mais tarde, em 29 de fevereiro de 1780, por meio de ordem régia.
De 1744 a 1778, a pequena construção sofreu várias alterações, tendo contribuído nos serviços o sargento-mor Joaquim Pacheco Ribeiro, em agradecimento à cura de sua visão, diz a pesquisadora Elizabete Tófani, que destaca o apuro ornamental do interior do templo, que reflete três fases estilísticas do período colonial, “além da excepcional qualidade do entalhe da segunda fase do barroco (estilo Dom João V), requinte do rococó e linguagem despretensiosa dos padrões neoclássicos”. Ao longo dos séculos 19 e 20, a edificação passou por várias intervenções arquitetônicas e artísticas, algumas alterando sua fisionomia original, outras promovendo a sua conservação.
ÍCONES DA CAMPANHA
Um dos pontos altos do trabalho de resgate dos bens culturais mineiros, e emblemático em toda essa trajetória, foi a luta dos moradores de Santa Luzia para reaver parte do acervo, no caso, os três anjos barrocos que teriam sido vendidos do santuário local, na década de 1950, e iriam a leilão no Rio de Janeiro. O caso foi parar na Justiça, depois que a aposentada Luzia Vieira, moradora de Santa Luzia, viu as fotos das peças, então sob poder de um colecionador, publicadas pelo Estado de Minas. Diante disso, a Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia ajuizou ação para recuperar as peças e, por determinação do então juiz da 2ª Vara Cível de Santa Luzia, Jair Eduardo Santana, o conjunto foi excluído do leilão e entregue ao Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG) para ser periciado, a fim se comprovarem origem e autenticidade. A tarefa, a cargo da arquiteta Selma Miranda, mostrou que as peças eram mesmo do Santuário de Santa Luzia. Com a campanha capitaneada pelo Ministério Público de Minas Gerais, via Coordenadoria das Promotorias de Justiça do Patrimônio Cultural e Turístico, centenas de peças foram recuperadas e muitas retornaram aos seus altares ou museus.