(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Advogados britânicos tentam driblar a Renova em ação por rompimento de barragem

Escritório estuda oferecer 'adiantamento' a prefeitos para evitar que eles abandonem causa no Reino Unido. Fundação condiciona pagamento de R$ 53 milhões à desistência da ação


postado em 29/11/2018 06:00 / atualizado em 29/11/2018 08:11

As marcas da lama ainda persistem em áreas como Paracatu de Baixo, distrito de Mariana, um dos 39 municípios atingidos pelo desastre ambiental(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press - 11/10/18)
As marcas da lama ainda persistem em áreas como Paracatu de Baixo, distrito de Mariana, um dos 39 municípios atingidos pelo desastre ambiental (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press - 11/10/18)


O escritório anglo-americano SPG-Law trabalha para garantir que milhões de libras vindas de seu corpo de financiadores processuais sejam adiantadas a municípios atingidos pelo rompimento da Barragem do Fundão, operada pela Samarco, e que reclamam estarem sendo coagidos pela Fundação Renova a abrir mão de ações no Brasil e Exterior. Sem que as administrações municipais desistam desses processos, acordos com 39 municípios e parte dos Programas de Indenização Mediada (PIM) a atingidos não serão pagos pela fundação criada para reparar os danos do pior desastre socioambiental do Brasil, ainda que previstos pelo Termo Transacionado de Ajustamento de Condutas (TTAC). Além das diversas ações de indenização por danos materiais e morais nos tribunais mineiros e capixabas, 21 prefeituras e 240 mil atingidos pelo rompimento movem processo na Corte de Alta Justiça de Liverpool, na Inglaterra, requerendo 5 bilhões de libras (mais de R$ 26 bilhões) da BHP Billiton PLC. Essa empresa é o braço inglês da mineradora BHP Billiton Brasil, que ao lado da Vale controla a Samarco, sendo as três as mantenedoras da Fundação Renova, segundo o TTAC. A ação foi noticiada com exclusividade em setembro pela reportagem do Estado de Minas, que desde então acompanha seus desdobramentos.

As prefeituras tiveram a liberação de uma verba de R$ 53 milhões prevista pelo TTAC condicionada à desistência das ações contra a Renova e suas mantenedoras em tribunais nacionais e estrangeiros. O valor é referente aos recursos que essas administrações tiveram que despender para cobrir gastos extraordinários para auxiliar cidadãos atingidos, liberar vias e reparar infraestruturas arrebatadas pela avalanche de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos liberados no desastre. Parte dessas verbas seria destinada ao pagamento do 13º salário dos funcionários públicos municipais.

De acordo com um dos sócios do escritório anglo-americano SPG Law, o inglês Tom Goodhead, o adiantamento de parte dos R$ 53 milhões que a Fundação Renova deveria passar para 39 municípios atingidos pelo rompimento da Barragem do Fundão está sendo negociado com o corpo de financiadores. O advogado, contudo, não pôde revelar muitos detalhes, uma vez que essas negociações são extremamente confidenciais e sempre se evita muita publicidade. “Estamos providenciando suporte financeiro dos nossos financiadores processuais para que nenhuma prefeitura que tenha aderido à ação (nas cortes da Inglaterra e do País de Gales) seja forçada a aceitar os acordos ilegais e injustos da Renova”, disse. Segundo Goodhead, essa oferta será feita a todas as prefeituras que ingressaram no processo, e será estendida também a qualquer uma das outras 18 administrações municipais que ainda desejem aderir.

Esse adiantamento é possível, na avaliação do sócio do escritório, devido aos acordos que tinham sido firmados no TTAC e no Comitê Interfederativo (CIF) criado para regular as ações da Renova. “As providências de adiantamento de verbas serão negociadas com cada prefeitura de acordo com suas necessidades particulares. Depois disso, vamos buscar recuperar esse montante que foi adiantado no Brasil (na Justiça) ou na ação internacional que movemos, seja da Renova seja da BHP”, disse o advogado.

O advogado inglês, que tem combatido a posição da Renova inclusive no campo da ética do direito, que, ao seu entender, foi ferida quando a fundação procurou diretamente as prefeituras e os atingidos, apesar de eles terem advogados constituídos (o próprio escritório). Segundo ele, a entidade deveria ter contato apenas com os representantes legais desses dois grupos. Outro argumento é que as leis brasileiras não permitem que a administração pública abra mão de direitos em favor de terceiros sem a anuência do Legislativo. “Também preparamos ações similares para poder prestar assistência aos indivíduos (os atingidos que também têm se queixado de a Renova condicionar o pagamento de indenizações à desistência de ações no Brasil e no exterior), mas ainda não definimos o que será feito ao certo. As nossas ações contra a Renova também ainda serão definidas”, disse.

Mas essa solução de adiantar as verbas que a Renova deveria pagar ainda precisa ser formatada pelas administrações municipais por configurar uma forma complexa de recebimento de recursos e que pode se desdobrar em problemas para os prefeitos. “Queremos respeitar o direito dos municípios, mas com todos os cuidados com a responsabilidade fiscal. Temos ainda dúvidas sobre como a verba entra e como é declarada, como presto contas”, disse o prefeito de Mariana, Duarte Júnior (PPS). De acordo com ele, as procuradorias vão tirar as dúvidas com o escritório SPG Law e em outras instâncias. “Temos de saber se o Ministério Público entende que isso é legal e pode nos ajudar. Pedimos também uma agenda para a próxima semana com o presidente do Tribunal de Contas do Estado para que nos esclareça se existe algum empecilho”, disse o prefeito.

 

Cidades cobram posição de comitê sobre a pressão


 

Na terça-feira, o Fórum de Prefeitos de Municípios Atingidos se reuniu e decidiu que hoje apresentaria uma requisição ao Comitê Interfederativo (CIF) para que se posicione sobre essa exigência da Fundação Renova para a liberação de verbas já previstas e aja. O CIF foi formado para orientar e validar as ações da Fundação Renova, contando com membros da União, dos governos estaduais mineiro e capixaba, seus órgãos ambientais e de fiscalização, bem como representantes de atingidos e das mineradoras.

O prefeito de Mariana – o município mais devastado –, que é também presidente do fórum, Duarte Júnior (PPS), afirma que caso isso não se resolva por essa via, uma “solução indesejada” teria de ser tomada. “Os procuradores dos municípios teriam de acionar a Renova, a BHP e a Vale na 12ª Vara Federal. Essa é uma demanda que a Renova já tinha acertado para pagar, mas voltou atrás impondo essas condições inaceitáveis”, classificou. Segundo Júnior, 90% dos municípios do fórum declararam não conseguir pagar o 13º do funcionalismo público sem a verba que estava prevista.

“Precisamos que a Justiça brasileira dê uma resposta e seja rápida. A Vale e a BHP contam com a lentidão da Justiça, pois o interesse dessas empresas é não pagar”, afirma o presidente do Fórum de Prefeitos dos Municípios Atingidos. Se os valores dos gastos extraordinários não forem quitados, o prefeito disse que, no caso de Mariana, será necessário recorrer a recursos próprios e verbas que não foram ainda repassadas pelo governo do estado. “Com isso, conseguiríamos pagar apenas os funcionários efetivos, mas faltaria verba para honrar os salários dos demais trabalhadores. É uma resolução de suma importância para os municípios”, disse o prefeito de Mariana.

A Fundação Renova informou que os termos de acordo utilizados atualmente “estabelecem apenas quitação específica, relativa à classe de danos que estão sendo indenizados pelo acordo. Essa condição vale também para os termos antigos, nos quais havia a previsão de quitação geral”. Os advogados dos municípios, dos atingidos e do SPG Law afirmam que a quitação é geral para “direitos atuais e futuros”. 

Ainda dentro deste raciocínio,  a Renova justifica a exigência de abandono das ações afirmando que “quando um atingido aceita a proposta indenizatória apresentada pela Fundação Renova e celebra um acordo no âmbito do Programa de Indenização Mediada (PIM), não é possível recorrer à Justiça para tentar receber uma segunda indenização pela mesma classe de danos indenizados no PIM, já que não se admite um mesmo dano ser indenizado duas vezes. Caso já exista uma ação em curso contra a Fundação ou suas mantenedoras, o acordo será levado aos autos do processo, para que o juiz determine a extinção da ação”.

A reportagem também perguntou por que a fundação que foi criada para proceder com as reparações, inclui suas mantenedoras nessa blindagem judicial. De acordo com a fundação, o TTAC estabelece, na cláusula 142, que “a Fundação discutirá com os municípios impactados quanto ao ressarcimento pelos gastos públicos extraordinários decorrentes” do rompimento de Fundão. “É obrigação da Fundação Renova executar tal cláusula. Portanto, qualquer processo judicial que tenha por objeto os deveres estabelecidos pelo TTAC impacta diretamente nas atividades e competências da Fundação. Deve-se lembrar que o TTAC compreende um mecanismo de solução extrajudicial para o processo de reparação dos impactos do rompimento da Barragem do Fundão, portanto, o ajuizamento de ações que discutem programas do TTAC poderia ser entendido como uma sobreposição”.

Entenda o caso


  • A tragédia de Mariana, ocorrida em 5 de novembro de 2015, afetou um contingente estimado em 500 mil pessoas na Bacia do Rio Doce. Dezenove morreram depois do rompimento da Barragem do Fundão, da mineradora Samarco

  • Sob risco de as ações de indenização prescreverem após três anos do desastre, o escritório anglo-americano SPG Law anunciou que ingressaria com ação em cortes do Reino Unido contra a gigante da mineração BHP Billiton, controladora da Samarco

  • Acordo firmado entre o Ministério Público, a Samarco e suas controladoras (além da BHP, a Vale) previu a interrupção do prazo legal de prescrição das indenizações e garantia de reparação sem teto monetário 

  • Em meados deste mês, prefeituras atingidas pelo desastre denunciaram estar sendo pressionadas pela Fundação Renova a desistir de ações contra a própria entidade e as três mineradoras, como condição para receber compensação acordada, relativa a despesas dos municípios com a tragédia

  • Advogados do escritório internacional reagiram, afirmando que a iniciativa é considerada antiética e prometendo ingressar com processos contra a Renova e contra a BHP, no Brasil e no exterior. Sustentaram ainda temer que a mesma pressão fosse exercida contra moradores atingidos

  • Advogados de pessoas prejudicadas pela tragédia sustentam que seus clientes também estão sendo pressionados a renunciar a ações, como condição para receber valores acordados em negociação extrajudicial

  • Representantes do escritório internacional sustentam que a intimidação visa à blindagem da fundação e das mineradoras e à extinção de direitos de atingidos. A Renova se defende, sustentando que o documento que apresentou dá quitação apenas aos pagamentos já acordados, para que não voltem a ser reclamados


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)