Conceição do Mato Dentro – Depois de 15 anos de espera, meses de dúvidas e dias de luta constante, os moradores de Conceição do Mato Dentro, na Região Central, verão finalmente hoje o resultado da obra de restauro da Matriz Nossa Senhora da Conceição, dedicada à padroeira da cidade e com seu dia de louvor celebrado tradicionalmente em 8 de dezembro. A festa religiosa e cultural começa bem cedo (veja a programação), com repique de sinos, fogos e banda de música, procissão e missa, às 10h, celebrada pelo arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Diamantina e administrador apostólico da Diocese de Guanhães, dom Darci José Nicioli – a Paróquia Nossa Senhora da Conceição está vinculada à diocese de Guanhães.
Entre os momentos mais aguardados, está a entrega das chaves da matriz e abertura das portas, com a cerimônia da “dedicação” ou consagração do templo ao uso das funções litúrgicas.
Quem chega a Conceição do Mato Dentro, distante 175 quilômetros de Belo Horizonte, sente no ar e no coração o clima de festa que tomou conta da cidade nos últimos dias e pôs em cartaz uma série de eventos, a exemplo de festival gastronômico, exposições, palestras, concertos, abertura da mostra de oratórios e realização do seminário Alphonsus de Guimaraens e a Devoção Mariana, com foco no poeta mineiro (1870-1921) natural de Ouro Preto.
Para os moradores e o administrador paroquial e reitor do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinho, padre João Evangelista dos Santos, a, a alegria é imensa. Nascida em Conceição e batizada na matriz, a comerciante Juliane Antônia Pereira está satisfeita com o término da obra de restauro. Diante do templo a ser reaberto hoje, ela diz que aguardou o término com muita ansiedade. “Os moradores esperaram e lutaram muito para ver este dia chegar e acho que a igreja vai atrair o turismo, de forma positiva”, disse Juliane. Quando o relógio bateu meio-dia, a psicóloga e cantora Denise Ribeiro de Miranda passou pela rua e elogiou a conclusão do serviço. Para ela, que morou 30 anos na Europa, entre Itália e Suíça, a intervenção era mais do que necessária. “Trata-se do centro espiritual e místico da cidade em reinauguração”, contou Denise.
De passagem pelo município, o motorista Paulo Sérgio Barros não resistiu, entrou para dar uma olhada e ficou admirado, parando alguns minutos na frente dos altares laterais de São Miguel Arcanjo e São Francisco. Com o celular, tirou uma foto para mandar para a irmã chamada Tereza. “Está muito bonito o interior da Igreja e a parte de fora”, disse. Também passando pela rua na hora do almoço, a caixa de supermercado Almira dos Santos, de 40 anos, encontrou na palavra maravilhosa a melhor maneira para descrever a igreja. “É um orgulho para todos nós.”
Uma surpresa para moradores e visitantes é a gruta com a imagem de Nossa Senhora de Lourdes. A peça ficava do lado de fora e foi colocada num nicho de pedras, do lado direito de quem entra na igreja, com uma iluminação que convida imediatamente à oração pelo clima intimista.
A restauração dos elementos artísticos do templo se tornou possível graças ao termo de ajustamento de conduta (TAC) firmado entre o Ministério Público de Minas Gerais, por meio dos promotores de Justiça Marcos Paulo de Souza Miranda, ex-coordenador das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico (CPPC), hoje na comarca de Santa Luzia, na Grande BH, e Marcelo da Matta Machado, de Conceição do Mato Dentro. O valor histórico e cultural é ressaltado pela comunidade, e as pinturas internas foram consideradas “uma das mais encantadoras e delicadas do patrimônio de arte religiosa do país” pelo primeiro presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o advogado, jornalista e escritor Rodrigo Melo Franco de Andrade (1898-1969).
OBRA E HISTÓRIA Tombada em 1948 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e interditada desde 2005, a igreja com mais de 300 anos e em restauração há cinco anos e meio, exibe agora todo seu esplendor barroco, com destaque para os douramentos do retábulo da capela-mor, os anjos em policromia e as 10 pinturas contando a vida de Nossa Senhora e de Jesus, as quais estavam escondidas sob camadas de tintas e vieram à tona durante as obras. Com o fim das obras, na qual trabalharam 50 pessoas, a imagem da padroeira, Nossa Senhora da Conceição, também restaurada, retornou ao altar.
O encantamento de quem vê a igreja recuperada não tem limite, principalmente para a equipe do Estado de Minas que acompanha, desde o início, a luta da comunidade e da paróquia para impedir a ruína da construção Na época, eram assustadores os problemas estruturais e a deterioração dos elementos artísticos. Entre as questões mais graves estavam a torre, a cobertura e o madeirame, que cedia lentamente, com risco de desabar. Os recursos para salvar a matriz provêm da mineradora Anglo American, por meio de uma medida compensatória firmada com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), e também da prefeitura local e da Paróquia Nossa Senhora da Conceição. No total, foram gastos cerca de R$ 10 milhões, sendo que os serviços, com supervisão do Iphan, ganharam mais força de dois anos para cá, a cargo da Cantaria Conservação e Restauro. O montante inclui recursos da Paróquia Nossa Senhora da Conceição e um aporte de R$ 350 mil da prefeitura local. “A paróquia, sozinha, não teria condições de bancar a obra”, informou, durante o andamento das obras, o administrador paroquial e reitor do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinho, padre João Evangelista dos Santos.
Satisfeita com o resultado, a restauradora Dulce Senra enumera as obras concluídas, como os altares laterais (lado direito de quem olha para o altar), dedicado a São Miguel Arcanjo, antes conhecido como do Sagrado Coração de Jesus e o de Nossa Senhora do Rosário, antes de São Francisco. Tábuas com desenhos vermelhos, pretos e ocre, num estilo que lembra as chinesices, foram minuciosamente trabalhadas, de forma a completar a lateral do arco-cruzeiro. Derivada da palavra francesa chinoiserie, chinesice é o conjunto de pinturas que recriaram, no século 18, em igrejas e capelas de Minas, os pagodes ou pagodas (tipo de torre com fins religiosos comuns na China e outros países da Ásia), adornadas com animais e paisagens.
Na complementação da obra, foram implantados projetos luminotécnicos, interno e externo, jardinagem, além de drenagem externa, limpeza do piso interno e sistema de monitoramento por circuito fechado de tevê, informou o coordenador da obra pela empresa, o engenheiro civil Alexandre Leal.
Descobertas em série durante obra
São vários os mistérios que permeiam a construção de uma igreja barroca e muitas as descobertas para quem tem a curiosidade de admirar cada detalhe. Na Matriz Nossa Senhora da Conceição, no camarim que abriga a imagem da padroeira, na capela-mor, pode-se agora ver a “mandorla” ou um pequeno arco que surpreende pela beleza, com um conjunto de 10 anjinhos de madeira. No forro camarim, sobressai a representação da Santíssima Trindade, um triângulo, e a pomba símbolo do Divino Espírito Santo. Merecem destaque, na base do retábulo, as duas aves fênix douradas, “que estavam escuras”, conforme a equipe, e os belos anjos barrocos, além das colunas laterais.
Há pouco mais de um ano, em 8 de novembro de 2017, os moradores de Conceição do Mato Dentro e convidados conheceram parte do restauro da matriz. Livre dos andaimes, a Capela do Bonfim, no interior do templo, que funciona como sacristia, foi reinaugurada depois de obras que deram mais beleza às pinturas parietais originais recriando a Paixão de Cristo. No forro, podem ser contempladas a figura de Verônica e as representações das três virtudes (fé, esperança e caridade) e dos cinco sentidos emoldurando a Sagrada Família. Quem passa pela rua não deixa de contemplar as fachadas pintadas de tinta nova, branca, o relógio inglês de 200 anos, restaurado, que aciona o sino e marca a vida da população, e as pedras largas reassentadas no piso do adro.
Hoje, na totalidade, é impossível não ficar horas admirando, na capela-mor, em tons avermelhados, dourado e sépia, as cenas bíblicas da Natividade: Anunciação do Anjo Gabriel à Virgem Maria, Visita a Santa Isabel, Adoração dos Pastores, Visita dos Reis Magos, Fuga para o Egito e outras que encantam pela história sagrada e beleza da criação e pelo esmero no trabalho dos especialistas em ação. É bom lembrar que essas pinturas parietais, feitas diretamente sobre a madeira, estavam cobertas de camadas de tinta.
Conforme as pesquisas recentes, o trabalho em policromia foi encoberto, em 1816 e 1933, por camadas de tinta. O artista que fez as pinturas retratadas nos azulejos copiou as gravuras do livro de Bartolomeo Ricci, de 1607, muito usadas como modelo pelos artistas coloniais. Os especialistas verificaram que “as gravuras de Ricci estão nas parietais da matriz e reproduzidas com muita fidelidade ao original, com algumas modificações em que o autor coloca sua interpretação pessoal”. As figuras humanas, por exemplo, têm anatomia mais atarracada, com pequenas modificações nas vestes.
PROGRAMAÇÃO
HOJE
6h – Alvorada com toques de sinos, fogos e toque da banda, no Santuário Bom Jesus do Matosinhos
7h30 – Momento mariano com a coroação de Nossa Senhora e apresentação do coral Cidade dos Profetas da cidade de Congonhas
9h – Procissão saindo do santuário em direção à Matriz Nossa Senhora da Conceição
10h – Entrega das chaves da Matriz Nossa Senhora da Conceição e abertura das portas, com a celebração da dedicação ou sagração da igreja
19h – Missa no adro da Matriz Nossa Senhora da Conceição
20h45 – Concerto com o coral Cidade dos Profetas