Jornal Estado de Minas

Restrição de liberdade é eficaz contra reincidência entre menores infratores

Restringir a liberdade de adolescentes infratores para frear a trajetória de criminalidade de quem apenas começou a vida. É a tendência que indica a pesquisa “A reincidência juvenil no estado de Minas Gerais”, feita considerando dados de cinco anos (2013/2017) para medir, entre outros aspectos, o risco de esses jovens se tornarem adultos criminosos. De acordo com o estudo, a internação se revela determinante para evitar que menores voltem a infringir a lei, com potencial de sucesso maior que a pena de prisão quando aplicada a maiores de idade. Prova disso é que 70% dos que cumpriram medida socioeducativa não voltam a cometer delitos, enquanto entre presidiários a taxa é de menos da metade. Responsáveis pelo estudo alertam para a necessidade de mudanças na conduta com o adolescente infrator para alterar uma realidade de falta de punições que se reflete  na violência do dia a dia.

O relatório sistematiza os resultados de pesquisa feita com 435 adolescentes, a partir de demanda do Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional de Belo Horizonte (CIA-BH) feita ao programa de pós-graduação em ciências sociais da PUC Minas. O levantamento teve como objetivos principais mensurar a magnitude da reincidência juvenil no estado, além do efeito sobre o problema de fatores sociais, individuais, ambientais, sociofamiliares, educacionais e relativos ao trabalho, ao uso de drogas, à trajetória e delitos e ao cumprimento de medida socioeducativa.



O estudo concluiu que a internação, combinada com um tempo mais longo de cumprimento da medida, tem claro potencial de evitar que adolescentes infratores se tornem criminosos adultos, especialmente aqueles jovens com trajetória infracional mais irregular, que não constituíram carreiras criminais. “Dada a superlotação e falta de vagas no sistema socioeducativo, as medidas são determinadas muito em regime meio aberto, com liberdade assistida, para não serem ocupadas vagas.
Quando ocorre a  internação, essa tem sido curta, de menos de um ano, para possibilitar um rodízio maior de adolescentes”, explica o coordenador da pesquisa, Luiz Flávio Sapori, professor do programa de pós-graduação em ciências sociais da PUC Minas.

Na pesquisa, que contou ainda com os trabalhos dos professores André Junqueira Caetano e Roberta Fernandes Santos, também da pós-graduação da PUC Minas, constatou-se ainda que 61% da reincidência ocorreu nos dois primeiros anos após liberação dos adolescentes do cumprimento de medida socioeducativa. A partir do terceiro ano de acompanhamento, o ritmo diminui. Quanto maior a idade do adolescente quando do término do cumprimento da punição, menor a chance de reincidência. A cada ano adicional na idade do jovem, ela diminui em 10%. O tipo de convivência familiar também influencia a probabilidade de voltar à criminalidade: adolescentes com trajetória de rua antes do cumprimento da medida socioeducativa têm chance 32% maior de reincidir do que aqueles que desde o nascimento até o cumprimento da medida socioeducativa tiveram vínculos familiares.

Luiz Flávio Sapori acrescenta que as implicações são nacionais e valem para Minas e o Brasil.
O professor alerta que a reincidência vai continuar elevada se esse panorama não mudar. “A delinquência é grave no país, mas não precisamos reduzir a maioridade penal para reduzir a violência. A melhor maneira é fazer com que esses jovens sejam devidamente punidos, responsabilizados, dentro do que prescreve o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com a medida de internação, num tempo que não dê ao infrator a impressão de facilidade”, diz. “Os juízes dão penas muito curtas e isso está aumentando a reincidência e a impunidade. O adolescente acaba permanecendo muito tempo no crime até a vida adulta”, afirma.



LIÇÕES Para o especialista em segurança pública, a redução da maioridade penal não é tão determinante como se imagina e a internação, quando devidamente aplicada, funciona. De acordo com o estudo, a reincidência é de três a cada 10 jovens que tiveram a liberdade restringida. Já taxa de ex-presidiários adultos que voltam ao crime em Minas Gerais está no patamar de 51%. “A chance de reincidir numa prisão adulta é maior do que na internação de adolescentes.

São lições e deveres de casa não só para o governo estadual, mas para o federal também, que precisa investir nesse sistema. As medidas não são aplicadas e eles não são punidos, por isso há tanto jovem cometendo crimes nessa idade”, diz Sapori. Ele lembra que enquanto o déficit de vagas para adultos gira em torno de 350 mil, para adolescentes os números são desconhecidos. 

O estudo encomendado pelo CIA-BH mostrou que há um perfil de adolescente que exige maior atenção e requer uma política de reinserção bastante peculiar. Tende a reincidir mais o jovem cuja única referência é o crime, ou seja, aquele que começou a cometer delitos desde a infância, entre 10 e 12 anos, e a usar drogas muito cedo. Esse, geralmente, vai se manter na carreira criminosa ao longo da adolescência e prosseguir pela vida adulta. Outra característica é estar, normalmente, envolvido em infrações mais violentas, tornando-se o tipo de indivíduo que mais assusta a população. “Nem prisão nem internação consegue reinseri-lo na sociedade. É preciso um acompanhamento mais individualizado sobre esse tipo de adolescente, assim que sai de uma unidade de internação, e sobre a família, pois o comportamento já se consolidou na sua personalidade e estrutura psíquica. Nem redução da maioridade penal resolve o problema desse tipo de adolescente”, afirma Sapori.

 

 

Três perguntas para 


Valéria Rodrigues Queiroz, Desembargadora e superintendente da Coordenadoria da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de Minas Gerais

 

 

“Nunca houve um estudo da reincidência juvenil no Brasil que tenha merecido atenção por parte das instituições”

Como responsável por encomendar a pesquisa, que análise a senhora faz dos resultados?
Esta pesquisa foi realizada com o objetivo não só de mensurar a reincidência juvenil no estado de Minas Gerais, mas também para diagnosticar os fatores de riscos determinantes para essa reincidência, servindo assim como base científica de planejamento de ações estratégicas não apenas na elaboração de políticas públicas preventivas, que atendam aos direitos básicos da criança e do adolescente, como também que promovam a oportunidade de abertura de novos programas de (re) inserção dos adolescentes em conflito com a lei na família e na sociedade, interrompendo o processo infracional.

O que mais chamou a atenção no estudo? Algum dado se revelou surpreendente?
As causas determinantes, ou seja, os fatores de risco que levam à reincidência. Quanto menor a idade do adolescente quando do primeiro contato com a Justiça, maior é a probabilidade de voltar a infringir a lei.

A percepção que eu tinha antes era o contrário, ou seja, quanto maior a idade, maior seria o risco da reincidência, pois, a meu ver, a ressocialização de um adolescente de 12 anos parecia mais eficaz do que a de um de 17. É importante ressaltar outros fatores de riscos como determinantes para a reincidência: o consumo de drogas, a existência de trajetória criminal na família do adolescente e o contexto social em que vive o jovem. Territórios de grande vulnerabilidade, onde o comércio de drogas se faz presente, não nos favorecem na construção de outros caminhos de vida para o jovem. Por fim, é importante destacar que as medidas socioeducativas, executadas via oficinas psicopedagógicas não têm efeito sobre a chance da reincidência.

Na prática, como os resultados da pesquisa vão ajudar no dia a dia do trabalho do Judiciário?
Até essa pesquisa, nunca houve um estudo da reincidência juvenil no Brasil que tenha merecido atenção por parte das instituições federal, estadual e municipal  responsáveis pelas políticas públicas direcionadas às crianças e aos adolescentes em situação de vulnerabilidade, quanto mais aos adolescentes em conflito com a lei. Essa pesquisa, além de analisar os fatores e índices determinantes da reincidência juvenil, aponta caminhos para revertermos esses números. Com base nela, podemos traçar planejamento estratégicos da (re) inserção sociofamiliar do adolescente na sociedade e alterar a proposta metodológica e pedagógica das execuções das medidas socioeducativas. Espero que essa pesquisa não seja apenas um instrumento acadêmico de leitura, e sim um instrumento metodológico na construção de programas de reinserção do adolescente em conflito com a lei.

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