Ações civis públicas (ACPs) propostas por municípios atingidos pelo rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, tentam garantir o direito de indenização pelos gastos que as prefeituras tiveram para contornar os estragos e dar atenção à população. Como a reportagem do Estado de Minas mostrou em primeira mão, a Fundação Renova, que foi criada para executar a reparação dos danos provocados pelo rompimento, exige dos municípios a desistência de ações judiciais de indenização no Brasil e no exterior para o pagamento – acertado em acordo de 2016 – de mais de R$ 53 milhões referentes ao ressarcimento de gastos extraordinários das cidades gerados pelo desastre. As ações movidas pelas prefeituras ingressam em comarcas afetadas em Minas Gerais, como de Governador Valadares, Itabira, Ponte Nova e Viçosa, podendo ultrapassar oito municípios, e outras no Espírito Santo. Em quase todas as ACPs, os procuradores de Justiça dos municípios pedem tutelas antecipadas de urgência, que são medidas processuais provisórias para a obtenção dos direitos às indenizações, prevenindo prejuízos antes do julgamento. A Renova, antes mesmo de ser citada, já vem propondo defesas jurídicas contra os pedidos de tutela antecipada de urgência.
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A procuradoria pediu a concessão da tutela de urgência a fim de que se “cesse a coação da ré (Renova) para com o autor (município de Rio Doce) configurada imposição de condição, consubstanciada na desistência de ações já intentadas pelo mesmo; pague imediatamente a quantia devida a título de gastos extraordinários, independentemente da condição imposta, sob pena de multa diária”.
Em resposta, a fundação argumenta que a 12ª Vara é o foro universal da ação, por surgirem dezenas de processos em várias comarcas.
Termo de quitação polêmico
Seis meses após o rompimento da Barragem do Fundão, operada pela mineradora Samarco, em abril de 2016, foi assinado um Termo de Transação de Ajustamento de Condutas (TTAC) envolvendo as controladoras dessa empresa – que são a Vale e a BHP Billiton –, a União, os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, bem como os órgãos ambientais e fiscalizadores desses entes. Nesse acordo foi criada a Fundação Renova e se estabeleceu uma indenização para os gastos públicos extraordinários com a tragédia dos estados e de 39 municípios.
Contudo, em 16 de novembro passado, as prefeituras de municípios atingidos denunciaram que o recebimento dos recursos acertados estava sendo condicionado à desistência de ações no Brasil e no exterior, o que consideraram uma forma de chantagem. No parágrafo oitavo de documento apresentado às administrações municipais, a Fundação Renova estabelecia que “o município renuncia a quaisquer outros direitos eventualmente existentes, presentes ou futuros, para nada mais reclamar em tempo e lugar algum, a qualquer pretexto, em relação a alocações e gastos públicos extraordinários decorrentes do rompimento”. Com isso, a fundação e suas mantenedoras (Samarco, Vale e BHP) estariam “desobrigadas inteiramente, com validade e eficácia no Brasil e em qualquer outra jurisdição estrangeira”.
Esse termo de quitação fazia, ainda, menção específica ao processo que o escritório anglo-americano SPG Law move contra a BHP Billiton PLC, nas cortes da Inglaterra e do País de Gales, uma causa que pode ultrapassar 5 bilhões de libras (mais de R$ 24 bilhões), conforme a reportagem do EM adiantou em 21 de setembro. “O município desiste da ação coletiva movida perante a High Court of Justice em Liverpool – Reino Unido contra a BHP Billinton PLC, BHP Billiton Brasil Ltda., Samarco Mineração S.A., BHP International Finance Corp., BHP Minerals International LLC e Marcona Intl.
A presidente do Ibama, Suely Araújo, disse, durante o último encontro do Comitê Interfederativo (CIF) criado para orientar e validar os atos da fundação, que a Renova declarou que até abriria mão de imposições sobre os processos judiciais no Brasil, desde que os atingidos renunciassem ao processo internacional. “A Renova concorda em remover todas as exigências dos termos e acordos, inclusive a possibilidade de processos no Brasil, mas não abre mão de as prefeituras (e atingidos) desistirem da ação no Reino Unido para receber as verbas”, disse.
OUTRO LADO A Fundação Renova informou, por meio de nota, que 17 municípios concordaram com os termos do acordo e receberam pagamentos e outros cinco estão com a documentação em análise. A Fundação Renova recebeu a notificação do Comitê Interfederativo (CIF) em relação ao termo de quitação para alocações e gastos públicos extraordinários e vai se pronunciar até o dia 14, prazo máximo para resposta. “É importante ressaltar que o TTAC estabelece na cláusula 142 que ‘a fundação discutirá com os municípios impactados quanto ao ressarcimento pelos gastos públicos extraordinários decorrentes’ do rompimento de Fundão’. É obrigação da Fundação Renova executar tal cláusula. Portanto, qualquer processo judicial que tenha por objeto os deveres estabelecidos pelo TTAC impacta diretamente nas atividades e competências da Fundação, considerando o seu papel de responsável por planejar e executar as ações destinadas a reparar e compensar os danos decorrentes do rompimento da Barragem do Fundão”, informou a nota.
• QUEDA DE BRAÇO
Entenda os fatos envolvidos na disputa entre atingidos e a Renova
» A tragédia de Mariana, ocorrida em 5 de novembro de 2015, afetou cerca de 500 mil pessoas na Bacia do Rio Doce. Dezenove morreram depois do rompimento da Barragem do Fundão, da mineradora Samarco, em Mariana
» Sob risco de as ações de indenização prescreverem após três anos do desastre, o escritório anglo-americano SPG Law anunciou que ingressaria com ação de mais de 5 bilhões de libras (acima de R$ 24 bilhões) em cortes do Reino Unido contra a gigante da mineração BHP Billiton, controladora da Samarco ao lado da Vale
» Acordo firmado entre o Ministério Público, a Samarco e suas controladoras previu a interrupção do prazo legal de prescrição das indenizações e garantia de reparação sem teto monetário
» Em 16 de novembro, as prefeituras atingidas pelo desastre denunciaram estar sendo pressionadas pela Fundação Renova a desistir de ações contra a própria entidade e as três mineradoras como condição para receber compensação acordada, relativa a despesas dos municípios com a tragédia
» Advogados do escritório internacional reagiram, afirmando que a iniciativa é considerada antiética e prometendo ingressar com processos contra a Renova e contra a BHP no Brasil e no exterior.
» Advogados de pessoas prejudicadas pela tragédia sustentam que seus clientes também estão sendo pressionados a renunciar às ações, como condição para receber valores acordados em negociação extrajudicial
» Representantes do escritório internacional sustentam que a intimidação visa à blindagem da fundação e das mineradoras e à extinção de direitos de atingidos
» A Renova se defende, sustentando que o documento que apresentou dá quitação apenas aos pagamentos já acordados, para que não voltem a ser reclamados
» O SPG Law envia carta para a BHP, que nega envolvimento. Promete auxílio às prefeituras para que ingressem em processos contra a Renova e denuncia a atitude na ordem que regula o direito na Inglaterra
» Comitê Interfederativo tenta negociar com a Renova e informa que metade dos 39 prefeitos já assinou renunciando às ações internacionais. Negociações podem acabar na 12ª Vara da Justiça Federal.