Jornal Estado de Minas

Cães e gatos são abandonados após desapropriação no Aglomerado Santa Lúcia



Acolhimento de um lado, abandono de outro. Depois de impasses na desapropriação de imóveis, moradores da Via do Bicão se mudaram, mas muitos de seus animais foram deixados para trás. Cerca de 50 bichos, sendo 30 cães e 20 gatos, entre filhotes e adultos, perambulam no local, na Avenida Nossa Senhora do Carmo, na saída para a BR-356, desde a retirada de famílias da área e sua transferência para apartamentos. Estavam famintos, até que o quadro de desamparo sensibilizou uma moradora do Morro do Papagaio, que decidiu pedir apoio para alimentar, tratar e castrar os animais. O intuito é evitar o aumento da população de bichos em situação de abandono, além de prevenir riscos à saúde da população. Mas a doação dos animais abandonados ainda é um grande desafio. Prefeitura faz vistoria hoje no local.



Geisa Santos, de 21 anos, trabalha como auxiliar de veterinário e há cerca de três semanas se deparou com os animais. “Nunca faço o trajeto que passa por ali, mas naquele dia precisei passar por lá.” Ela lamenta a situação dos animais. “A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) indenizou os moradores, levando-os para apartamentos. Seus animais ficaram para trás e outros bichos nasceram na rua”, explicou a jovem. De acordo com a Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (Urbel), não há impedimento para que os donos levem seus pets para a nova casa, desde que sigam as regras definidas entre eles (leia mais abaixo). Ela conta com a ajuda da veterinária Lívia Dias, de 39, com quem trabalha em uma clínica para animais. Porém, a duas não conseguiram recolher os bichos nem levá-los para um abrigo e, permanecendo onde estão, ficam expostos a maus-tratos, doenças e atropelamentos. “Eles não foram recolhidos porque não temos pra onde levá-los. Estamos precisando de ração e de algum dinheiro para castração. Para isso, gostaríamos da ajuda da Prefeitura de Belo Horizonte porque é tudo muito caro, mesmo pra mim, com tantos parceiros”, disse a veterinária.

No local há muitos animais saudáveis, mas outros precisam de medicamentos.”O que apresenta situação mais crítica está com bicheira. Ele perdeu uma das patas da frente por causa das larvas e está quase perdendo a outra”, contou Geisa. Bicheira é a doença miíase, uma patologia parasitária. A enfermidade provoca uma ferida superficial aberta no animal, onde moscas depositam larvas que se alimentam do tecido da pele do animal. “O animal que não é cuidado pode passar doenças para os humanos”, completou Lígia.

Moradora do Morro do Papagaio há 15 anos, Vânia Aparecida, de 46, precisará ir para um apartamento. Porém, ela mora com outras quatro pessoas e alimenta 14 animais. “O que vou fazer com os meus bichinhos? Não vou abandoná-los, mas me disseram que não poderei levá-los e que o canil está lotado. Os animais doentes serão sacrificados sem possibilidade de tratá-los”, disse. “Vou arrumar lugar pra ficar com eles”, completou a dona de casa.



O próximo desafio é achar um lar para os bichinhos. “É muito difícil encontrar quem queira adotar esses animais. Porque são vira-latas e muitos deles adultos. As pessoas preferem animais de raça, filhotinho. E a verdade é que sempre tem um cachorro precisando de um dono em qualquer lugar”, completou a veterinária. Geisa levou uma cadela com seus quatro filhotinhos. “Os resgatei em uma casa com risco iminente de desabamento. Mas não tenho espaço para ficar com todos. Eles estão ‘desmamando’ e logo também os colocarei para adoção”, explicou.


A auxiliar de veterinária Geisa Santos se sensibilizou com a situação dos animais e os alimenta (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)

Mas, se for adotar, que seja com responsabilidade. No fim do ano passado, o governo de Minas regulamentou a lei que pune os praticantes de maus-tratos contra os animais no estado, que abrangem: atos ou omissões que privem o animal de suas necessidades básicas; lesar ou agredir, causando sofrimento, dano físico ou morte; abandono; obrigar o bicho a fazer trabalho excessivo ou superior às suas forças; e submetê-lo a tratamentos que resultem sofrimento. Os infratores estarão sujeitos a multa e ao recolhimento do animal. Também serão responsáveis por pagar o tratamento veterinário pelos males causados. A multa será de R$ 975 para maus-tratos que não acarretem lesão ou óbito, R$ 1.625 em caso de lesão e R$ 3.250 se o animal morrer em consequência desses atos.

Segundo a veterinária, o problema é banalizado. “As pessoas colocam vendas nos olhos para não enxergar tamanha tristeza. Abandonar animal é crime. E eu lamento muito que ocorra com tanta frequência”, lamentou. Para ela, o maior problema é com os animais que já tiveram um lar e conviveram com a família: “Eles se tornam dependentes. Se nascessem na natureza, conseguiriam nariz, saberiam caçar e se cuidar.” Quem quiser ajudar, pode entrar em contato com a Geisa pelo número 98772-0579. Mas para adotar é preciso ter em mente que cães e gatos podem viver 15 anos e precisará de cuidados por todo esse tempo.






AÇÃO DA PBH
Por meio da Secretaria Municipal de Saúde (SMSA), a prefeitura informou que hoje será realizada uma visita de técnicos da Zoonoses e do Meio Ambiente no local, para avaliar a situação dos animais abandonados e também da moradora que tem 14 animais. Providências como castração, adoção e testes para doenças devem ser discutidas e encaminhadas. Ainda de acordo com a nota, a prefeitura trabalha para encaminhar animais abandonados para ONG’S de adoção parceiras, realiza periodicamente castração dos animais de rua e os encaminha para a adoção. Além disso, tem feito ações de educação ambiental em relação à guarda responsável de cães e gatos. Cartilhas como a que estão em anexo têm sido distribuídas em pontos importantes da cidade.

De acordo com a Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (Urbel), “as regras para a permanência dos animais nos apartamentos fazem parte do Regimento Interno dos Conjuntos, documento discutido e aprovado pelas famílias que estão em processo de remoção. Entre elas estão a vacinação, os cuidados relacionados à higiene e à circulação dos mesmos nas áreas comuns dos conjuntos.”

Censo realizado pela administração pública em 2017 apontou que há 404.784 animais domiciliados na capital, sendo 307.959 cães e 96.825 gatos. Quanto ao número de animais que vivem nas ruas, não existem estimativas oficiais. ONGs de defesa animal calculam que 10% da população de animais domiciliada pode ser encontrada nas ruas sem supervisão de um tutor.



Para o controle populacional dos animais abandonados, a SMSA atua em três pontos básicos: oferta gratuita de cirurgias para cães e gatos que têm responsável e para aqueles recolhidos pelo Centro de Controle de Zoonoses; incentivo à adoção de animais recolhidos e que não foram resgatados por seus responsáveis; e ações de educação para guarda responsável de animais, principalmente no ambiente escolar, envolvendo o Programa Saúde na Escola. “A mudança de comportamento da população quanto à responsabilidade para com os animais é imprescindível para a redução do abandono, que é um ato de maus-tratos aos animais e que também afeta a saúde pública”, completou por meio de nota.

 

 

A obra na via


As obras da Via do Bicão fazem parte do Programa Vila Viva no Aglomerado Santa Lúcia e incluem a instalação de infraestrutura urbana e sanitária com a abertura e ampliação do sistema viário local, implantação de redes de drenagem, esgotamento sanitário e abastecimento de água, tratamento de encostas, criação de espaços de convivência, como parques e praças e a construção de 588 unidades habitacionais para reassentamento das famílias. O investimento no conjunto habitacional é R$ 157 milhões, segundo a Prefeitura de BH. Para a implantação do projeto, famílias foram realocadas. A previsão é de que os trabalhos sejam finalizados no primeiro semestre de 2021, mas, até março de 2019, a administração municipal entregará todas as unidades habitacionais previstas.

 

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