“Um dia histórico nas nossas vidas e de todos que estavam lá. Desde julho de 2012, a gente não se desgruda. Já pensávamos em nos casar logo no primeiro ano (da relação), mas nunca sobrava dinheiro. Além do mais, não conseguíamos juntar nossas famílias, que moram em estados diferentes”, contou Talita Tonso, de 27 anos. A jovem trocou os votos com Shadya Muniz, de 29, ao lado de outros 34 casais de perfis diferentes – lésbicas, gays, bissexuais e trans. Todos atravessaram os 100 metros de tapete vermelho posto no salão da A Central, no Centro da de Belo Horizonte, emocionando centenas de pessoas que ali estavam para celebrar a diversidade.
As noivas, estudantes de jornalismo e de medicina veterinária, viajaram mais de 240 quilômetros de Lavras, no Campo das Vertentes, para Belo Horizonte na sexta-feira para o grande dia de suas vidas. Elas se conheceram em 2011 em Outro Preto, na Região Central de Minas, durante o tradicional Festival de Inverno. “Nos conhecemos durante um show do Milton Nascimento. Naquele dia, nada aconteceu. Mas, no ano seguinte, lá estávamos de novo. Foi quando um amigo disse: 'Vocês vão se dar muito bem'. O encontro aconteceu e nos apaixonamos”, lembrou Talita.
As duas moram em Lavras e viu no Casamentaço a oportunidade de formalizar a união e serem vistas juntas pelo “mundo”. “Simbolicamente é muito importante. Nada nos colocará novamente no armário”, conclui a jovem.
Onda convervadora
O Casamentaço nasceu de uma iniciativa colaborativa. Pessoas engajadas na causa LGBT , diante da onda conservadora que se espalha pelo país. A decisão do Senado de abrir, no mês passado, uma consulta pública sobre um projeto que pretende suspender os efeitos da resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que dispõe sobre a habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento – entre pessoas de mesmo sexo foi o empurrão final.
"A ideia surgiu colaborativa e partiu de pessoas de amigos de profissionais de diversas áreas. Conversávamos sobre possíveis formas de criar manifestos em prol do amor, em prol da liberdade, tendo em vista um possível cenário conservador político a partir do ano que vem. Pensamos: 'vamos juntar forças. Mas, de que forma podemos fazer um ato simbólico, expressivo e também festivo?' Vamos juntar casais”, contou um dos integrantes do Coletivo Casamentaço, Filipe Costa, de 30.
O Coletivo Casamentaço começou os trabalhados em meados de novembro, quando foi aberta uma convocação de casais. Foram 64 duplas interessadas e 35 seguiram com o processo.
Colaboração e financiamento
Mas como realizar essa grande festa? Para montar o grande evento, o coletivo fez um chamamento para eventuais colaboradores. Cerca de 450 pessoas se inscreveram, entre maquiadores, DJs, fotógrafos, seguranças, decoradores.
A festa para mil pessoas ficou orçada em aproximadamente R$ 500 mil e uma “vaquinha” online foi aberta em um site de financiamento coletivo. Entretanto, Filipe Costa, um dos integrantes do coletivo, explica que o dinheiro arrecadado pela internet representa apenas uma pequena parte do valor total. “Noventa por cento do valor a gente conseguiu por meio de apoio direto”, completou. O casal Talita Tonso e Shadya Muniz contou que o gasto que tiveram foi com o deslocamento de Lavras para BH. “Faltava apenas a manicure. Mas, logo que contamos nossa história, elas se sensibilizaram”, contou Talita.
Uma das colaboradoras, a design Letícia Naves, de 25, atuou na cenografia, pintando um painel que serviu como decoração e escrevendo convites e envelopes. “Acho uma iniciativa linda. Estamos vivendo um momento muito polarizado no Brasil e acho que o Casamentaço é uma ação na qual um dos lados está mostrando pro outro que existe e não será calado nem derrotado", contou.
Convite à “espiritualidade e ao amor”
A cerimônia contou com a presença de um pastor, uma teóloga, um cerimonialista e um representante de religiões africanas com o intuito de fazer convite à “espiritualidade e ao amor, de forma plural”. “A nossa ideia foi fazer a releitura de um casamento tradicional”, disse Filipe. Posteriormente, os trâmites foram (quase) tradicionais: fotos dos casais, votos, chuva de glitter e muita festa.
O ato também contou com apoio de artistas locais: Fernanda Takai, Marcelo Veronez, Castello Branco.
“Gostaríamos que esses casamentos ocorram todos os dias. E não apenas em um grande Casamentaço”, finalizou Filipe.