Milhares de mãos erguidas por toda a Rua Aarão Reis formavam um mar de gente que mudou a paisagem do Centro de Belo Horizonte na tarde de ontem. A multidão se estendia até o Viaduto Santa Tereza, onde centenas de ouvidos mantinham-se atentos às rimas dos mestres de cerimônia Miliano (Mato Grosso do Sul), Djah (Goiás), NG (Minas Gerais) e Dre Araújo (Santa Catarina). Os quatro disputaram as semifinais e a final nacional do Duelo de MCs, evento realizado pela Família de Rua, há 11 anos, embaixo do Viaduto Santa Tereza na capital mineira. Cerca de 10 mil pessoas acompanharam a final nacional do Duelo de MCs. O grande vencedor foi o rapper de Dourado (MS), Miliano. Nas rimas, demonstrou conhecimento de Belo Horizonte, com versos que citavam pontos da capital mineira, como a Lagoa da Pampulha.
Miliano, de 25 anos, disputou o duelo pela segunda vez e realizou sonho acalentado na cidade no interior de Mato Grosso Sul com 210 mil habitantes. “Comecei a rimar em 2009, mas passei a me dedicar fortemente em 2016. O duelo é o maior evento de free style do Brasil. A energia é maravilhosa. É a realização de um sonho estar aqui. Estou sem palavras”, afirmou o jovem. Na edição do ano passado, ele foi eliminado nas quartas de final. “O adversário a gente só sabe na hora do sorteio. Tem que ser no improviso”, diz. Nos versos, disse que o mineiro NG fugia da batalha, como o presidente eleito Jair Bolsonaro, que escapou dos debates durante a campanha.
Os competidores disputam quem cria a melhor rima no improviso. Frente a frente, como repentistas, usam quase tudo para desestabilizar o adversário. Mas, para seguir o lema do duelo, que é respeito, os rappers deixam de lado palavras machistas, homofóbicas e racistas, abrindo espaço para a diversidade.
Pela terceira vez, uma mulher chegou à semifinal do duelo, Dre Araújo. “A cena está crescendo muito e eu estando aqui fortalece muito. O rap é machista, as batalhas de MCs são machistas. A presença da mulher no Duelo de MCs vai além disso. É uma questão de luta. Estou aqui graças às mulheres que lutaram lá atrás. Temos várias referências agora: Rap Plus Size, Palavra Feminina, Brisa Flor. Muitas mulheres lutam para que a gente possa se igualar no rap”, afirmou Dre, que disputou a semifinal com Miliano. O mesmo pensa a produtora Lázara dos Anjos, que comemorou o respeito à diversidade. “Venho no duelo desde os primeiros anos. A Família de Rua prega o respeito. Por isso, eu, uma travesti, posso estar aqui hoje”, afirmou.
O público foi ao delírio, quando o rapper Djonga subiu ao palco na tarde de ontem. “É o maior movimento do Brasil, maior batalha de MCs do mundo. Não tem conversa. Está cada vez mais bonito, cada vez agrega mais público. Ano que vem vai ser maior”, afirmou. Um dos principais nome do rap nacional, Djonga estava torcendo para o conterrâneo. “Estava torcendo para NG, de Minas, mas, quando o outro merece, não tem ideia. Tomara que Miliano tenha bastante sucesso e progresso na carreira, que seja um cara importante para a cultura hip hop no Brasil.” Também se apresentou Helião, um dos pioneiros do rap brasileiro e integrante do grupo RZO, de São Paulo.
O secretário Juca Ferreira acompanhou a final do duelo. “Esse é um dos gêneros musicais preferidos pela juventude hoje no Brasil. Não só a juventude periférica. O hip hop representa os anseios, as demandas e a rebeldia, as críticas que os jovens têm em relação à sociedade e transmitem isso da melhor maneira possível. Esse é o evento mais importante da cena no Brasil. Fiquei sabendo há dois anos. Meu filho, que é aficionado por rap, foi quem me contou. Quando nem pensava em vir para Belo Horizonte, ele me disse: ‘O evento mais importante de hip hop do Brasil fica embaixo do Viaduto de Santa Tereza’”, lembrou Juca.