Jornal Estado de Minas

Do início do século 18, povoado de Córregos será inteiramente restaurado

A intervenção na Capela do Senhor dos Passos começou em outubro com previsão de término em junho de 2019 - Foto: Jair Amaral/EM/DA Press



Conceição do Mato Dentro – Córregos mais parece um presépio – tem montanhas ao fundo, o casario formado por construções singelas, espaço gramado e um clima de paz que desce lá do alto da Capela de Nosso Senhor dos Passos, chega à Igreja Matriz de Nossa Senhora Aparecida, de 1722, e segue seus caminhos naturais. Nascido no início do século 18 e distante 24 quilômetros da sede do município, Conceição do Mato Dentro, na Região Central, o distrito começa a ser beneficiado por um programa especial do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG): terá restaurados os dois templos barrocos e o chafariz centenário e recuperada a fachada de 52 imóveis. “Vamos preservar a estrutura urbana, que é bem típica do período colonial, com característica local”, afirma a presidente da instituição, Michele Arroyo.

Na tarde de sexta-feira, entre o sol aberto e uma nuvem despejando seus pingos, a professora e zeladora da matriz, Maria Odete de Almeida, demonstrava alegria pelas obras destinadas ao lugar onde nasceu, cresceu e mora. “Fico feliz demais, pois preservar o patrimônio significa algo muito importante. Nesta rua, todo fim de semana passa gente de carro, moto, bicicleta ou a pé, pois é um trecho da Estrada Real”, afirma Maria Odete sobre a Cônego Madureira, a mais antiga via pública do distrito e homenagem ao primeiro vigário de Córregos. Presidente da Associação Esperança de Córregos (Asec), ela acredita que o trabalho favorecerá o turismo no distrito tombado pelo Iepha desde 2001 e onde vivem cerca de 400 pessoas. Já a capela e a matriz têm tombamento próprio desde 1985.

Restauradora trabalha na imagem do Senhor dos Passos, esculpida no fim do século 18 ou início do 19 - Foto: Jair Amaral/EM/DA PressDe acordo com o Iepha, o serviço foi viabilizado por meio de medida compensatória da empresa Anglo American e permitirá o investimento de cerca de R$ 3,5 milhões na realização de obras de restauro da capela, da igreja, das casas e chafariz que integram o núcleo histórico de Córregos. A intervenção na Capela Nosso Senhor dos Passos começou em outubro, com previsão de término em julho de 2019, e o restante do conjunto, incluindo a matriz, está em processo de licitação.

Na sacristia da Matriz Nossa Senhora Aparecida de Córregos – o “de Córregos” é fundamental na hora de se referir à igreja –, está em andamento o restauro da imagem do Senhor dos Passos, do tipo roca e esculpida no fim do século 18 ou início do 19 em cedro vermelho, árvore da região.

A restauradora Katya Helaine Silva, da empresa Anima Conservação Restauração e Artes, de São João del-Rei, na Região do Campo das Vertentes, mostra os detalhes da peça pertencente à Capela do Senhor dos Passos e uma série de inadequações encontradas.

A direção do Iepha explica que, para preservar os valores que motivaram a proteção do núcleo histórico e oferecer à comunidade condições para atuar de forma compartilhada, a instituição celebrou um convênio de cooperação com a Prefeitura de Conceição do Mato Dentro. O objetivo é incluir os moradores e proprietários de imóveis do conjunto tombado nas discussões sobre o processo de acompanhamento das obras de recuperação das fachadas das casas. E mais: está em pauta a realização de ações de mobilização da comunidade para adesão ao programa de revitalização do núcleo e implantação de um chamamento público para cadastramento das edificações selecionadas no projeto executivo aprovado.


ZELO “A imagem estava com muitos pregos, a perna direita posicionada de forma errada, a cabeça solta e uma estrutura de arame não compatível”, revela Katya, que prevê o término desse serviço na próxima semana. Com o cuidado e o zelo dos especialistas da área, ela toca a mão esquerda da imagem, que tinha três dedos degradados e foi recuperada – a foto no celular revela a situação anterior – e mostra, ao lado, o sacrário também em madeira e em restauro. Satisfeitas, Maria Odete e a vizinha Maria do Amparo Teixeira Duque, dona de casa, acompanham o trabalho e ajudam a restauradora a colocar a cruz sobre as costas da imagem do Senhor dos Passos.

Maria do Amparo também está satisfeita com os benefícios que chegam a Córregos, onde nasceu e se criou. “Nesta igreja, foram batizados minha filha e os netos.
Tudo aqui é maravilhoso, gosto demais. Nosso distrito parece mesmo um presépio”, afirma com um sorriso. A visita da equipe do Estado de Minas foi acompanhada por dois servidores do Iepha, a historiadora Edilane Carneiro, natural de Conceição do Mato Dentro, e o técnico em gestão do patrimônio Adalberto Andrade Mateus. Orgulhosa da sua terra, Edilane ressaltou não só a história e a beleza do patrimônio, como também a delícia do biscoito polvilho e a qualidade dos queijos ali produzido artesanalmente.

As fachadas dos casario serão restauradas. Não haverá interferência na estrutura urbana do distrito - Foto: Jair Amaral/EM/DA Press

Depois da visita à matriz vinculada à Paróquia Nossa Senhora da Conceição, que tem à frente o padre João Evangelista dos Santos, administrador paroquial e reitor do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinho, o grupo segue para a Capela do Senhor dos Passos, localizada na parte mais alta do núcleo populacional e que traz um cemitério na frente. O portão principal se mantém fechado com cadeado e o morador Ramiro traz as chaves, dando boas vindas ao grupo. Perto da entrada, há uma placa institucional indicando os serviços a serem feitos, algo mais do que urgente tendo em vista a deterioração da construção de pau-a-pique e adobe.

De volta ao espaço diante da matriz, o grupo passa pelo chafariz datado de 1901 e 1903 e, mais abaixo, encontra o casal de namorados Bruno Morais Gomes, jornalista, e Elmira Rodrigues Cardoso, psicóloga, em visita a Córregos pela primeira vez. “Viemos a Conceição do Mato Dentro e resolvemos vir a Córregos para comprar biscoitos, pois é uma tradição daqui. Foi uma surpresa encontrar esse lugar bonito e tranquilo”, disse Bruno, que pôde ver ainda as casas geminadas ensombreadas pela tarde.

 

 

HISTÓRIA Considerado o mais antigo povoado de Conceição do Mato Dentro, Córregos reúne “preciosidades históricas que, em cenário bucólico e interiorano, conserva muito da atmosfera dos primeiros tempos dos faiscadores que se debruçavam sobre o Rio Santo Antônio em busca dos metais preciosos”, de acordo com pesquisas do Iepha.

Entre as heranças do período colonial, destaca-se na paisagem a Matriz dedicada a Nossa Senhora Aparecida, reconhecida como patrimônio cultural de Minas.

O povoado foi fundado no início do século 18 por um grupo de bandeirantes chefiados por Gaspar Soares, Manuel Corrêa de Paiva e Gabriel Ponce de Leon, e o desenvolvimento local se deu em função da exploração mineral, que dentre as várias técnicas de mineração, usou uma bastante curiosa que empregava o aquecimento das rochas com fogo de lenha: após aquecidas, elas recebiam o choque térmico e o impacto das águas do rio, então represadas. O resfriamento súbito provocava o rompimento das rochas facilitando o trabalho dos mineradores.

Segundo o Iepha, a matriz construída em adobe e madeira é formada pela nave, capela-mor e corredores laterais, seguidos por sacristia. A fachada se assemelha ao modelo adotado em templos com torre sineira única central. Um detalhe que chama atenção está na iluminação natural da capela-mor, proporcionada por duas aberturas envidraçadas, localizadas bem próximas ao altar-mor, em cada uma de suas laterais.



O distrito foi criado pela Lei Provincial 902, de 8 de junho de 1858, elevado a freguesia pela Lei 2.240, de 5 de outubro de 1877, e o seu nome, Nossa Senhora Aparecida de Córregos, foi simplificado em 1911 para Córregos.

Devoção particular


O distrito de Córregos, em Conceição do Mato Dentro, tem uma história bem peculiar de devoção a Nossa Senhora. O nome da padroeira local é o mesmo da protetora dos brasileiros, Nossa Senhora Aparecida, mas há uma diferença que os moradores se apressam em frisar bem. “A daqui é Nossa Senhora Aparecida de Córregos”, esclarece a zeladora da igreja, Maria Odete, Maria Odete de Almeida. Conforme a tradição oral, em 1722 “apareceu” no cemitério, onde depois foi erguida a matriz, uma imagem de Nossa Senhora que hoje “mora” no altar-mor, conforme diz Maria Odete bem à mineira. A peça teria sido deixada por um bandeirante em busca de ouro, que bateu em retirada, seguindo o Rio Santo Antônio, sem conseguir grandes riquezas.

 

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