A semana que deve marcar a definição dos preços das passagens de ônibus em Belo Horizonte para 2019 começou em clima de batalha de bastidores entre a administração municipal, que prepara a divulgação dos resultados de uma auditoria sobre o setor, e as empresas de transporte, que sustentam estar amargando prejuízos com as atuais tarifas, congeladas desde o ano passado. Paralelamente, o movimento Tarifa Zero, que questiona os custos do serviço na capital e a planilha que remunera as concessionárias, anuncia para hoje a divulgação de um estudo que indicaria um ganho indevido de R$ 179 milhões pelas companhias de transporte no ano passado.
Ontem logo pela manhã, o prefeito Alexandre Kalil mandou um recado para as empresas em seu perfil no Twitter. “Se as empresas de ônibus fazem o que querem, vão receber o troco. Belo Horizonte tem governo”, escreveu. A mensagem veio em um tom acima do adotado pelo prefeito no fim da semana passada, ao anunciar que a “caixa-preta da BHTrans” havia sido aberta. Kalil garantiu que a decisão sobre o aumento ou não das tarifas para 2019 dependeria do que os números apontassem, mas adotou tom conciliador: “Nós não podemos levar o transporte público de BH como inimigo. São empresários e querem lucro. Nós queremos a passagem mais barata e temos que ter a responsabilidade de não parar o transporte público na terceira capital do país”, disse, durante visita às obras de um centro de saúde.
Na tarde de ontem, a administração municipal divulgou informação que parecia se somar à mensagem publicada pelo prefeito mais cedo. “A Prefeitura de Belo Horizonte informa que foram aplicadas, de janeiro a novembro de 2018, 8.726 multas às empresas de ônibus, totalizando R$ 5.808.723,68, referentes à falta de cobrador em linhas e horários não autorizados. As multas estão sendo enviadas à Secretaria Municipal de Fazenda para as devidas providências”, informou comunicado da PBH. A viagem sem agente de bordo, popularmente conhecido como trocador, é permitida por lei durante o período noturno, entre as 20h30 e as 5h59, durante os domingos e feriados, em horário integral, e nos veículos do Move, mas passou a ser adotada irregularmente em situações não permitidas.
O aumento no número de punições impressiona, se comparado com as infrações registradas em todo o ano passado. As 8.726 multas aplicadas neste ano são aproximadamente 41 vezes mais do que as 210 computadas nos doze meses de 2017 pelo mesmo motivo. A falta de cobradores em coletivos foi motivo de protestos recentes em Belo Horizonte e inclusive da ação de vereadores, que em visita técnica às estações Barreiro e Diamante, no fim de novembro, disseram ter confirmado denúncias de usuários, identificando a ausência de trocadores em grande número de ônibus em circulação.
Se as empresas de ônibus fazem o que querem, vão receber o troco. Belo Horizonte tem governo.
— Alexandre Kalil (@alexandrekalil) 17 de dezembro de 2018
REAÇÃO Na tarde de ontem, o presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (Setra BH), Joel Paschoalin, disse que a orientação da entidade patronal às 35 empresas de ônibus que atuam na capital é cumprir a lei municipal que obriga a presença de cobrador nos coletivos, “com exceção do horário noturno, domingos e feriados e nos veículos do Move e das linhas alimentadoras do Move”. Porém, Paschoalin sustentou que empresários do setor alegam estar sem condições de arcar com esse compromisso, por dificuldades financeiras.
“Não estamos pressionando a prefeitura”, disse o presidente do Setra, sobre o comentário do prefeito Alexandre Kalil, “de que as empresas de ônibus fazem o que querem e vão receber o troco”. Pelas contas dos patrões, o rombo mensal do setor chega a R$ 20 milhões e vários pontos devem ser levados em consideração, como a redução no número de passageiros, de 29 milhões para 22 milhões nos últimos quatro anos e o aumento de combustíveis.
Sobre os prejuízos para o setor, o representante patronal afirmou que nos últimos 10 anos, partir de novembro de 2008, foram registrados ainda 81 ônibus queimados, sendo 22 no ano passado e 17 em 2018. “O pior é que esses ônibus não têm seguro, pois as seguradoras não aceitam fazer”, afirmou.
Na sede do Setra, Paschoalin disse que mais de 80% dos passageiros, atualmente, pagam tarifa com o cartão BHBus. Porém, considerou que o trocador continua sendo necessário e que a extinção do cargo causaria impacto social muito grande. “Mas temos que lembrar que os motoristas ganham 20% a mais no salário para cobrar passagem e, por isso, fazem pressão”, argumentou. Para realocar os agentes de bordo, as empresas sustentam estar buscando serviços de capacitação. O setor emprega 6 mil motoristas e 5 mil cobradores para trabalhar em 2,9 mil coletivos. A estimativa do sindicato patronal é de que tenha havido redução de 800 a 1 mil cobradores.
Sobre as 8,7 mil multas aplicadas pela BHTrans às empresas, de janeiro a novembro, Paschoalin garantiu que não há condições de pagamento, devido às dificuldades financeiras vividas pelo setor. O equilíbrio só virá, acredita, com a redução de custos e com reajuste da tarifa, “pois tivemos aumentos de combustível e duas convenções coletivas dos trabalhadores”.
CONTROVÉRSIA No fim do ano passado, o prefeito Alexandre Kalil se reuniu com empresários que administram as empresas de ônibus de BH e anunciou que não haveria aumento no valor das passagens enquanto não se abrisse “a caixa-preta da BHTrans”, conforme promessa feita na campanha do então candidato do PHS. Desde então, enquanto as empresas falam em prejuízo, o movimento Tarifa Zero fala em lucro excessivo.
O Tarifa Zero fez um estudo sobre a tarifa de Belo Horizonte, cujos detalhes pretende divulgar hoje. Mas a conclusão antecipada é de que o valor atual está bem acima do que seria devido. As empresas, segundo o coletivo, teriam acumulado um ganho indevido de R$ 179 milhões em 2017. Para chegar ao valor, segundo o movimento, foi refeita a base de cálculo, tendo por base a metodologia que era usada pela Prefeitura de BH até o ano de 2007.
O que diz a lei
A Lei 10.526, de 2012, estabelece regras sobre a atuação de cobradores e motoristas no transporte de passageiros por ônibus na capital mineira. O parágrafo 1º do artigo 3º especifica que cada veículo será operado por um condutor e um agente de bordo, com exceção das linhas do sistema Move e dos coletivos em operação em horário noturno (das 20h30 às 5h59) e durante os domingos e feriados, em tempo integral.
Números da discórdia
R$ 4,05
é o valor atual da tarifa predominante em Belo Horizonte, congelado pela prefeitura em dezembro de 2017
40 mil
documentos foram analisados na auditoria das contas do transporte encomendada pelo município, segundo a Prefeitura de BH
8.726
multas foram aplicadas às empresas de ônibus de BH, de janeiro a novembro, por viagens feitas sem cobrador fora dos horários permitidos. Em todo o ano passado foram 210
R$ 5,8 milhões
é o valor acumulado das punições impostas às empresas por falta de agente de bordo em 2018
R$ 20 milhões
seria o montante do rombo mensal na conta das empresas, segundo o sindicato que representa as companhias de transporte da capital
7 milhões
de passageiros deixaram de usar o serviço de transporte nos últimos quatro anos, de acordo com as empresas de transporte
R$ 179 milhões
seria o ganho indevido das empresas de transporte em 2017, pelos cálculos do movimento Tarifa Zero, que sustenta ter considerado metodologia adotada pela Prefeitura de BH até 2007