A Segunda Vara Cível da Comarca de Governador Valadares concedeu antecipação de tutela, uma espécie de decisão liminar, em ação civil pública movida pela Procuradoria Geral do Município de Governador Valadares, para que a prefeitura local receba da Fundação Renova e de suas mantenedoras – as mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton – a quantia de R$ 6.361.497,87, a título de indenização por gastos extraordinários após a tragédia de Mariana. A quantia é parte dos R$ 53 milhões que a Renova tinha acordado pagar a 39 municípios atingidos pelo rompimento da Barragem do Fundão, em 2015. Como a reportagem do Estado de Minas informou com exclusividade, a fundação vinha exigindo que, para receber essa verba, os prefeitos abrissem mão de processos contra a Renova e suas mantenedoras, no Brasil e no exterior. A decisão que beneficia Valadares é a primeira favorável em uma série de ações propostas por administrações municipais na mesma situação. Na noite de terça-feira, a Fundação Renova informou que cumpriria a determinação judicial. No entanto, no fim da manhã de quarta, a assessoria de imprensa entrou em contato com o EM e disse que a Fundação ainda não foi notificada e está estudando as medidas judiciais cabíveis.
Em sua decisão, o juiz Roberto Apolinário de Castro avaliou que, com a exigência imposta às prefeituras, a Fundação Renova “abusa de seu poder de forma a obter o fim almejado, devendo o Poder Judiciário agir de forma a controlar este poder, definindo o que pode ou não ser realizado”. “A coação, consubstanciada na imposição de condição para o recebimento da indenização ofertada, a que ela já se obrigara anteriormente, beneficiaria as mantenedoras da fundação e eventualmente suas controladoras, o que caracteriza a defesa de interesses de terceiros”, acrescentou o magistrado em seu despacho.
Ao deferir o pedido da Prefeitura de Governador Valadares, o juiz declarou nula a exigência imposta pela Renova de que o município abrisse mão de ações contra a entidade, determinando ainda o pagamento da quantia acordada com a administração municipal, de R$ 6.361.497,87, no prazo de cinco dias. A decisão fixou ainda multa diária de R$ 1 mil, limitada a R$ 500 mil, em caso de descumprimento.
O advogado Tom Goodhead – um dos sócios do escritório anglo-americano SPG Law, que propôs uma ação de 5 bilhões de libras (mais de R$ 24 bilhões) contra a BHP Billiton nas cortes da Inglaterra e do País de Gales como compensação às vítimas da tragédia da Samarco – comemorou a decisão. "Vínhamos nos sentindo desapontados e indignados com as tentativas da Renova de frustrar a Justiça brasileira e do Reino Unido”, afirmou, dizendo esperar que o posicionamento “sirva para embasar as ações de todos os procuradores municipais” que enfrentam a mesma situação.
Outras prefeituras atingidas pelo rompimento da Barragem do Fundão também brigam na Justiça para garantir o recebimento da indenização por gastos extraordinários decorrentes da tragédia. As ações movidas pelas prefeituras ingressam em comarcas afetadas em Minas Gerais, como de Governador Valadares, Itabira, Ponte Nova e Viçosa, e outras no Espírito Santo. Em quase todas as ACPs, os procuradores de Justiça dos municípios pedem tutelas antecipadas de urgência, que são medidas processuais provisórias para a obtenção dos direitos às indenizações, prevenindo prejuízos antes do julgamento. A Renova, antes mesmo de ser citada, já vinha propondo defesas jurídicas contra os pedidos de tutela antecipada de urgência. Em um dos casos, ao qual o EM teve acesso, a fundação pedia que houvesse audiência de conciliação antes da decisão, além de demandar a remoção do foro de julgamento da comarca a que pertence o município para a 12ª Vara da Justiça Federal de Belo Horizonte e que a tutela antecipada não fosse concedida. A fundação argumenta que a 12ª Vara é o foro universal da ação.
Termo polêmico
Em abril de 2016, seis meses após o rompimento da Barragem do Fundão, operada pela mineradora Samarco, foi assinado um Termo de Transação de Ajustamento de Condutas (TTAC), envolvendo as controladoras dessa empresa – que são a Vale e a BHP Billiton –, a União, os governos de Minas Gerais e do Espíritos Santo, bem como os órgãos ambientais e fiscalizadores desses entes. Nesse acordo foi criada a Fundação Renova e se estabeleceu uma indenização para os gastos públicos extraordinários com a tragédia dos estados e de 39 municípios.
Contudo, em 16 de novembro passado, as prefeituras de municípios atingidos denunciaram que o recebimento dos recursos acertados estava sendo condicionado à desistência de ações no Brasil e no exterior, o que consideraram uma forma de chantagem. No parágrafo oitavo de documento apresentado às administrações municipais, a Fundação Renova estabelecia que “o município renuncia a quaisquer outros direitos eventualmente existentes, presentes ou futuros, para nada mais reclamar em tempo e lugar algum, a qualquer pretexto, em relação a alocações e gastos públicos extraordinários decorrentes do rompimento”. Com isso, a fundação e suas mantenedoras (Samarco, Vale e BHP) estariam “desobrigadas inteiramente, com validade e eficácia no Brasil e em qualquer outra jurisdição estrangeira”.
Esse termo de quitação fazia, ainda, uma menção específica ao processo que o escritório anglo-americano SPG Law move contra a BHP Billiton PLC, nas cortes da Inglaterra e do País de Gales, uma causa que pode ultrapassar 5 bilhões de libras (mais de R$ 24 bilhões), conforme a reportagem do EM adiantou em 21 de setembro. “O município desiste da ação coletiva movida perante a High Court of Justice em Liverpool – Reino Unido contra a BHP Billinton PLC, BHP Billiton Brasil Ltda., Samarco Mineração S.A., BHP International Finance Corp., BHP Minerals International LLC e Marcona Intl. S.A.”, diz trecho do documento. E o texto prossegue, indicando que a prefeitura deverá “comunicar tal desistência às cortes inglesas e a quem mais se fizer necessário”.