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Mudanças nas calçadas de Belo Horizonte dividem opiniões

Belvedere faz movimento contra normas, para preservar obra de Burle Marx. Vizinhos na Pampulha se unem para aderir à regra


postado em 23/12/2018 06:00 / atualizado em 23/12/2018 09:28

Associação da Zona Sul defende preservação de calçadas portuguesas(foto: Leandro Couri/EM/D.a press)
Associação da Zona Sul defende preservação de calçadas portuguesas (foto: Leandro Couri/EM/D.a press)
 A mudança de regras para os pisos táteis nos passeios de Belo Horizonte divide opiniões pela cidade e comunidades de diferentes bairros da capital. Em um dos mais nobres, a Associação dos Amigos do Bairro Belvedere mobiliza moradores para discutir a situação das calçadas portuguesas projetadas pelo arquiteto e paisagista Burle Marx. A entidade defende o tombamento das estruturas, a preservação das características originais e a não instalação do piso tátil. O argumento é que as normas publicadas na Portaria 57/2018, no Diário Oficial do Município (DOM), referentes ao revestimento direcional, específico para ajudar a conduzir deficientes visuais, vão descaracterizar os desenhos. Em outro extremo da cidade, um grupo de vizinhos do Bairro Santa Amélia, na Região da Pampulha, se antecipou às exigências e a qualquer notificação oficial e decidiu adequar o revestimento para pedestres diante seus imóveis de forma a atender à mudança na legislação.

“As calçadas em pedra portuguesa do Bairro Belvedere, na Região Centro-Sul de BH, criadas pelo artista plástico Burle Marx, possuem um desenho exclusivo e se tornaram uma referência do cuidado com o patrimônio arquitetônico da cidade. Portanto, convocamos uma audiência ainda na administração Márcio Lacerda. Os secretários vieram e decidimos, verbalmente, que no Belvedere não entraria nenhuma modificação”, disse o presidente da associação do bairro da Zona Sul, Ubirajara Pires. Porém, a nova norma trouxe preocupação, já que nenhuma referência ao acordo foi publicada na portaria que trata das novas regras. “A calçada de Copacabana é mantida em sua originalidade. Nós também achamos importante manter a do bairro. Por que Paris não tem (pisto tátil)? Nova York não tem? Miami não tem? Por que Belo Horizonte tem que ter? Esses dias fui aos bairros Jatobá e Primeiro de Maio e não tinha nada disso. Nenhuma vila de BH tem, é uma exigência absurda”, completou Ubirajara.
De acordo com a portaria da prefeitura, em passeios que apresentarem largura igual ou superior a 3,10 metros, o piso tátil direcional deverá ser implantado a 40 centímetros do alinhamento dos imóveis – portanto mais próximo às edificações e não do meio-fio, como vinha sendo exigido pela administração municipal até a publicação. Já nos passeios que apresentarem largura inferior a 3,10m o piso direcional somente deverá ser implantado nos trechos em que se verifique a “descontinuidade da linha-guia identificável”. O proprietário do imóvel continua responsável pela construção, conservação e manutenção do passeio – inclusive por eventual alteração para implantação do piso tátil. “A notificação é feita aos locais que não estão em boas condições, seja por algum vazamento, seja por estar muito ruim. Depois da notificação, os proprietários têm 60 dias para fazer a adequação”, explicou a secretária municipal de Política Urbana, Maria Caldas, pouco depois da divulgação das novas normas, em vigor desde 16 de outubro.

A justificativa para a mudança de lado do piso tátil é que a faixa próxima do meio fio – onde era prevista anteriormente a instalação das placas direcionais – é uma área reservada ao mobiliário urbano – lixeiras, bancas de jornais, postes. Por isso, era comum que pedestres cegos se chocassem contra obstáculos. Nos casos dos passeios com menos de 3,10 metros, a administração municipal avalia que a pouca largura dificulta a adaptação do piso, especialmente devido às condições topográficas da cidade – que tem ruas com inclinação muito acentuada, passeios com degraus e muitas construções históricas nessa situação.

“Finalmente o piso tátil vai ser colocado do lado da edificação. Nós, cegos, sempre andamos do lado contrário ao meio fio, justamente para evitar bater em obstáculos – que são muitos. Quando há algum obstáculo, o piso só circula o objeto. Isso não nos auxilia. Por outro lado, a nova lei também significa retrocesso: onde encontramos calçadas com mais de 3,10 metros? Grande parte dos passeios não terão o piso por causa dessa norma”, pontuou o presidente da Sociedade de Amigos do Deficiente Visual de Minas Gerais, Juarez Gomes.

Ele considera o piso importante e questiona a posição de quem quer ser dispensado de cumprir as regras. “Beleza é muito mais importante do que dar acessibilidade? Estamos sempre em segundo plano”, criticou. Juarez Gomes ressalta que a calçada portuguesa – como as existentes no Bairro Belvedere e em grande parte do Centro de Belo Horizonte, onde a instalação do piso direcional está temporariamente suspensa – já é uma dificultadora na locomoção do deficiente visual: “As pedras são escorregadias e saem do lugar com facilidade.”

A Comissão de Meio Ambiente e Política Urbana da Câmara promoveu audiência pública para discutir o pedido de tombamento das calçadas do Belvedere. A Prefeitura de Belo Horizonte informou, por meio da Secretaria de Políticas Urbanas, que participou da reunião e que desenvolverá estudos para verificar a viabilidade de uma padronização das calçadas do Belvedere.

Moradores agem antes de notificação da PBH 

Foi pensando no bem comum que um grupo de vizinhos da Rua Homero de Oliveira, no Bairro Santa Amélia, na Região da Pampulha, teve a iniciativa de adequar os passeios de seus imóveis de forma a atender às regras da nova legislação. De acordo com a administração municipal, a mudança só precisa ser feita quando a calçada apresentar problemas e a reforma for necessária. Entretanto, o analista financeiro Alcimar Alves, de 48 anos, não quis esperar que a situação piorasse. Ele contou que a ideia surgiu quando ele e o vizinho combinaram reformar as calçadas de suas casas. “Surgiu da necessidade de reconstruir, de dar um visual novo para a calçada, que estava esburacada devido à ação do tempo, causando perigo aos pedestres, podendo até provocar um acidente”, contou.


No Santa Amélia, Alcimar Alves e vizinhos aderiram às modificações (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)
No Santa Amélia, Alcimar Alves e vizinhos aderiram às modificações (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)

Quatro moradores se juntaram para fazer o investimento, independentemente de qualquer notificação da prefeitura. “Organizamos e construímos. Muitas iniciativas precisam apenas de conscientização, não precisamos ficar esperando apenas pelo poder público”, completou ele. O valor da obra ficou em torno de R$ 76 o metro quadrado.


Para o morador, é importante considerar que uma obra do tipo traz benefícios não apenas para o imóvel ou para os moradores, mas, também para os pedestres, principalmente, os deficientes físicos e visuais. “São obras que, na verdade têm mais a ver com o público do que com o privado, pois precisam atender às necessidades dos transeuntes. Antes de construir fizemos uma pesquisa para obter mais conhecimento sobre qual material a ser usado, as medidas, os ladrilhos de alerta para deficientes visuais. Afinal, o serviço atende a todos, fica bonita a frente do imóvel e aproxima as pessoas”, avaliou Alcimar.


Foi criado até um grupo de WhatsApp para receber opiniões e comentários sobre a obra. “Seria de grande utilidade se houvesse políticas públicas para conscientizar a população sobre a importância de manter as calçadas da nossa capital em bom estado. Assim, manteríamos uma parceria entre o público e o privado. Juntos fazemos mais”, completou ele.


FISCALIZAÇÃO
 Diariamente, segundo a Prefeitura de BH, são feitas cerca de 60 ações de fiscalização para verificar se os passeios da cidade estão de acordo com as normas. São observados itens como conservação, declividade, acessibilidade e degraus. Paralelamente a esse trabalho, o município mantém o projeto Fiscaliza BH, no qual equipes percorrem vias das nove regiões para combater poluição visual, sujeira e obstrução de vias e espaços públicos. Dependendo do tipo de irregularidade verificado no passeio, a notificação para correção tem prazo que varia entre 30 e 60 dias.


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