Há muitas décadas, Antônia Lourenço, de 90 anos, não visitava a Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem na Região Centro-Sul de Belo Horizonte. Na tarde de ontem, em companhia da filha, a pedagoga Aparecida Lourenço, a moradora do Bairro Dona Clara, na Pampulha, se surpreendeu ao ver, fechando a capela-mor, um banner que recria o altar e seus vitrais, com 12 metros de altura e 8m de largura. Do outro lado, uma equipe acabava de montar os andaimes para início, hoje, de nova etapa da restauração do Santuário Arquidiocesano de Adoração Perpétua. “Estive aqui quando Nossa Senhora da Piedade veio da Serra da Piedade, em Caeté, faz muito tempo. Tenho certeza que a obra vai ficar boa, é importante não deixar nenhuma igreja cair”, disse Antônia.
Enquanto mãe e filha admiravam a beleza do templo neogótico, também conhecido como catedral provisória, um grupo discutia detalhes da obra que começa: o vigário paroquial, padre Renivaldo Bruno da Cruz, a administradora da Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem e administradora da obra, Graça Malveira, a restauradora Carla Castro Silva e o presidente do Instituto Yara Tupynambá, José Theobaldo. O instituto é responsável pelo serviço que representa a quinta etapa da restauração e tem expectativa de durar cinco meses. Os recursos para essa etapa são de R$ 280 mil, obtidos via Lei Rouanet, e de ações na comunidade, tendo à frente o titular da paróquia e reitor do santuário, padre Marcelo Carlos da Silva.
Orgulhosa do banner gigantesco, feito a partir de trabalho do fotógrafo Miguel Aun, Graça explica que na atual etapa são contemplados os vitrais, o altar em sua totalidade e os elementos artísticos. Desde 2012, quando o projeto foi deslanchado, já ficaram prontos o telhado, a infraestrutura elétrica, o sistema de segurança e as duas capelas laterais. Depois da capela-mor, será a vez do restauro de toda a nave, da cúpula central e da parte externa. Ela lembra que toda a empreitada tem autorização do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG), pelo qual a igreja é tombada, do Conselho Deliberativo Municipal do Patrimônio Cultural e acompanhamento do Memorial da Arquidiocese de Belo Horizonte. O templo tem ainda elementos artísticos – incluindo a imagem, altar, pia, chafariz e outras peças do século 18 – sob proteção do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
NOVO HORÁRIO Para os frequentadores da igreja, uma atenção especial aos horários, já que haverá missas, de segunda a sábado, às 7h, 8h e 18h. Aos domingos, às 7h, 8h30, 11h, 18h, 19h30 e 21h, sendo que, às segundas e sextas-feiras, haverá uma celebração eucarística extra (12h15), na capela. A tradicional Adoração Perpétua, com duração de 24h, ocorrerá de dia na capela, e, à noite, dentro da igreja. O banner instalado na segunda-feira, está agradando quem já veio à missa, diz o padre Renivaldo, que agora celebra diante do imenso painel com as cores bem nítidas da plotagem. “Com ele, as pessoas não enxergam os andaimes. Essas estruturas, quando à mostra, dão uma sensação de abandono.”
Já a administradora da obra traça planos. “Os comentários que ouvi são positivos. Quando formos restaurar a cúpula, com seus 34 metros de altura (do piso ao fundo), vamos usar o mesmo recurso”, afirma Graça Malveira. O presidente do Yara Tupynambá, instituto encarregado do restauro das capelas laterais, informa que o trabalho será realizado pela especialista Carla Castro Silva e o arquiteto Lizandro Franco. Entre os principais problemas detectados no espaço sagrado para os católicos estava as infiltrações e os cupins, sendo feito um trabalho para evitar a proliferação dos insetos.
Acompanhando a montagem dos andaimes, Carla conta que fez prospecções nas paredes da capela-mor, e, sob várias camadas de tinta a óleo, que dão o tom monocromático ao interior do templo, foram encontrados originais: amarelo-ocre, azul acinzentado claro e verde, com uma faixa marmorizada. As cores remetem às da bandeira nacional, já que igreja abriu as portas no centenário da Independência do Brasil, em 1922. A expectativa é de que tudo esteja concluído para as celebrações, dentro de três anos, de um século da Boa Viagem. Enquanto os serviços nessa etapa avançam para ficar prontos em seis meses, uma delicada intervenção, em fase final, enche os olhos de especialistas: o restauro da imagem da padroeira Nossa Senhora da Boa Viagem, de origem portuguesa que chegou ao primitivo arraial de Curral del-Rey em 1714.
PADROEIRA A história da Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem teve início no século 18. Em 1709, o português Francisco Homem del Rey conseguiu autorização da coroa portuguesa por meio de cartas de sesmarias e se estabeleceu na região onde hoje se encontra Belo Horizonte. Segundo as pesquisas, ele trouxe uma imagem da padroeira dos navegantes portugueses, Nossa Senhora da Boa Viagem, que o acompanhou na travessia do Oceano Atlântico.
Para proteger e homenagear a santa, Francisco ergueu em suas terras uma pequena capela de pau-a-pique. Como estava na rota dos tropeiros que passavam pela região transportando riquezas do interior do país, a igrejinha recebeu o nome de Nossa Senhora da Boa Viagem e passou a ser conhecida também como a padroeira dos viajantes.
Com o passar dos anos e a enorme devoção dos fiéis, a capelinha ficou pequena para receber tanta gente e em seu lugar foi construída uma igreja maior. Mas, com a construção da capital, foi necessário erguer um novo templo – o atual Santuário Arquidiocesano de Adoração Perpétua Nossa Senhora da Boa Viagem.
CUIDADO PASSO A PASSO Em 16 de abril de 2016, o Estado de Minas documentou o início da terceira etapa das obras no Santuário de Adoração Perpétua e Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem. Para perfuração da base e passagem do novo cabeamento elétrico nas laterais internas do templo, houve a cuidadosa tarefa de retirada dos tacos de madeira. Tanta atenção e, principalmente, perícia com a talhadeira eram necessárias já que as peças do revestimento voltariam, uma a uma, ao local de origem. A catedral recebia, assim, novos sons: no lugar dos cânticos, dos salmos e das orações, ouvia-se o barulho do maquinário perfurando o piso. Em 18 de outubro do mesmo ano, ficou pronta a infraestrutura interna, incluindo o sistema de vigilância, e a nova iluminação para valorizar a arquitetura neogótica.