A arte é livre. Na disputa pela atenção de quem que está no trânsito ou tem à frente os arranha-céus do belo horizonte da capital, as pinturas avançam e ganham cada vez mais espaço, colorindo cada ponto da cidade. Por meio do projeto Arte Urbana – Gentileza, 40 trabalhos de pintura livre, grafite, estêncil e outras técnicas já mudam o visual das ruas. Múltiplas cores começaram a ocupar e vão ganhar ainda mais espaço em equipamentos públicos, viadutos, metrô, escolas, praças e muitos outros pontos espalhados por BH. Hoje, já podem ser visitadas pelo menos 24 telas a céu aberto, num movimento que conta com recursos de R$ 300 mil da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH).
Nessa onda, começa a tomar forma um desenho na fachada lateral do Viaduto Carlos Drummond de Andrade, na Avenida Cristiano Machado, no Bairro União, Região Nordeste. “O pássaro é livre/na prisão do ar.o espírito é livre/na prisão do corpo./Mas livre, bem livre,/é mesmo estar morto”, diz o poema Liberdade, do próprio Drummond (1902/1987), que inspirou a artista urbana Bel Morada para homenagear o poeta – considerado por muitos o mais influente da literatura brasileira do século 20 – no elevado que leva o nome dele numa das vias mais movimentadas da cidade. Ela foi escolhida por meio de seleção pública da PBH, cujo edital foi lançado em 2017. “Fiz a inscrição com proposta de dialogar com versos de Drummond, usando como referência o Liberdade”, contou.
“Meus trabalhos são muito associados às referências da cidade e da memória. Drummond faz muito isso e eu me identifiquei com ele”, contou a artista. Mesmo antes de ficar prontos, os desenhos e frases pintados por ela no viaduto já chamavam a atenção: “Outro dia, enquanto eu pintava, um catador de lixo passou. Ele olhou, leu e se emocionou. Para mim, isso já fez valer todo o meu trabalho”, completou a jovem.
Durante a seleção para o projeto Arte Urbana – Gentileza foram recebidas 198 inscrições de artistas individuais ou coletivos. Dessas, foram selecionadas 40 propostas de murais artísticos de intervenção no espaço urbano, em suas diversas técnicas e linguagens. Ao todo, serão 15 novos grafites, oito trabalhos de lambe-lambe e oito de muralismo.
MULHERES Em um universo até então dominado por homens, a arte urbana tem acrescentado novos olhares com as mulheres que resolveram se entregar à arte do spray. São muitos talentos espalhados pela cidade – tanto de mulheres emergentes quanto das que estão na luta há muitos anos, mas não tinham visibilidade. O movimento se reflete na seleção municipal, com forte participação feminina: 45% dos artistas escolhidos pelo projeto. Outros 50% se autodeclararam homens e 5% não identificaram o gênero. “O perfil dos selecionados é bastante diverso. Recebemos muitas propostas de artistas já experientes e um volume grande também de jovens, com trajetória ainda curta, mas com propostas muito ricas e interessantes.
O sexo feminino são também tema de trabalhos. É uma mulher negra com uma criança em seu colo que dá vida à empena de uma das unidades dos conjuntos habitacionais do programa de urbanização Vila Viva, no Aglomerado das Pedras, na Região Oeste da capital mineira. O prédio de quatro andares, um mais altos na área, se destaca entre as casas de tijolos. A pintura, feita pelo artista Dágson Silva foi inspirada em uma fotografia da década de 1980 de moradores que ali estavam. “Sou morador, pesquisador e artista do aglomerado e a ideia era fazer uma arte que dialogasse com esse universo. Foi então que me deparei com a fotografia de duas mulheres em frente a uma casa, possivelmente uma das primeiras do aglomerado. Os olhares delas eram de esperança”, contou. A pintura tenta justamente resgatar a história local. Na imagem, as mulheres seguram crianças, de pés descalços em contato com o barro.
Telas em todos os cantos da cidade
Não importa onde você mora nem aonde costuma ir. As intervenções do projeto Arte Urbana – Gentileza estão em toda parte da capital mineira. Nenhuma regional ficou de fora.
No Bairro Sagrada Família, na Região Leste, o muro do Centro Espírita São Sebastião, que fica na Rua Geraldo Menezes Soares, foi o escolhido para ganhar nova cara. A pintura, do artista Cata Preta, representa entidades da umbanda, religião formada no início do século 20 no Sudeste do Brasil a partir da síntese com movimentos religiosos como o candomblé, o catolicismo e o espiritismo. “Fui criado na umbanda desde criança e faço parte desta casa. É uma das mais antigas, com mais de 80 anos de história”, contou o artista. Curiosamente, muitos que moram no tradicional bairro não conhecem o centro, porque não há uma grande fachada na frente da casa explicitando seu uso.
O projeto que levou à abertura do edital para contratação edital nasceu de outro, o Gentileza, que surgiu como um movimento de estímulo a ações gentis para com a cidade e com o cidadão. O Gentileza atua na cidade em várias áreas, como cultura, educação, saúde, políticas sociais, política urbana e meio ambiente. Diversas ações já foram promovidas, como o Mural Liberdade, que cobriu de arte os tapumes que cercaram a Praça da Liberdade durante sua reforma, os muros do Centro de Referência da Pessoa Idosa e cinco instituições de longa permanência para idosos – a meta é contemplar 28.
A idealizadora do Movimento Gentileza é a primeira-dama de Belo Horizonte, Ana Laender. Para ela, a ação agrega muito para a população belo-horizontina, já que, além de valorizar a arte, presenteia a cidade. “É uma ação que colore a cidade, traz uma leveza e sensação de pertencimento”. E o projeto se sustenta com doações. Além de intervenções artísticas, o movimento trabalha em diversos projetos sociais, que vão desde ações para o Natal belo-horizontino, como uma exposição, arrecadação de doações e uma “caravana” natalina, até ações que visam ao cuidado com o idoso. Entre as ações voltadas para esse grupo está o Gentileza Digital, que pretende promover a inclusão digital em 28 instituições de longa permanência de idosos na capital.
Lixeiras revitalizadas
A arte chega também às lixeiras. Onze equipamentos que ficam na Praça da Liberdade foram revitalizados por artistas mineiros a convite da Prefeitura de Belo Horizonte. De acordo a administração municipal, a intenção é conscientizar as pessoas da importância de jogar lixo no local certo e valorizar o patrimônio da capital. A iniciativa é da Superintendência de Limpeza Urbana (SLU), em parceria com o Movimento Gentileza, e contou com artistas que trabalham com grafite e muralismo. Ed-Mun, Ramar, Gude, Tão, Kaos, Perdigão, Fênix, Kawany, Bolinho, Clara Valente e Rato, de forma voluntária, fizeram as intervenções artísticas na praça.
A artista mineira Maria Raquel ‘Bolinho’, conhecida por mais de 600 bolinhos grafitados em toda Belo Horizonte desde 2009, foi uma das que participou da ação da prefeitura. Ela conta que a revitalização funcionou como uma segunda etapa da pintura dos tapumes que coloriram a Praça da Liberdade no período que ela esteve em obras. “As pessoas gostaram dos tapumes, tiraram fotos, e continuar o projeto com as lixeiras é uma forma de ‘eternizar’ a pintura que ficou lá por um tempo”, diz.
Ramar, artista que nasceu em Ouro Preto, começou sua carreira em Belo Horizonte, também deixou a marca dele em uma das lixeiras. Além de se sentir honrado com a participação, ele diz que a repercussão tem sido boa e que ajuda a fortalecer a cena do grafite na capital. “Atingimos pessoas que eu nem imaginaria. Além disso, vários artistas, com trabalhos diferentes, linguagens distintas entre si puderam participar da ação. Isso fortalece o nosso movimento”, explica. (DL)