No centro das pistas de sentidos opostos das avenidas Presidente Tancredo Neves e Dom Pedro II se ergue uma mata densa com árvores de mais de cinco metros de altura. Parece um parque ou um matagal para quem passa veloz pelas pistas de três faixas. Mas nessa ilha de 25 mil metros quadrados encravada no Bairro Jardim Montanhês (Região Noroeste de BH) havia uma favela com mais de 5 mil habitantes, que foi completamente removida e urbanizada em 2010, a Vila São José. No lugar da mata, a partir de 2015, deveria ser construída uma Estação de Integração do sistema BRT/Move, que em março completa 5 anos de funcionamento. Abandonada, essa importante ligação entre a região Noroeste e a Pampulha, sob o Anel Rodoviário, se tornou fonte de preocupação para moradores e passageiros que utilizam as linhas de ônibus que têm pontos no entorno desse espaço. A reportagem do Estado de Minas entrou na mata que cresceu depois de oito anos para mostrar um ambiente abandonado e suas consequências para a comunidade local.
A insegurança que traz medo sobretudo para mulheres e idosos que circulam pelos bairros ou descem dos ônibus, temendo que assaltantes escondidos na mata escura apareçam, faz com que muita gente evite o local, de acordo com o técnico em assistência de celulares Vitor de Souza Pedroli, de 27. “A questão da segurança também seria muito boa para todo mundo com uma estação na comunidade. Os ônibus, às vezes, demoram muito e as viaturas só passam, mas não param. Já teve casos de mulher saindo correndo, com medo de ser roubada. De passageiro que desceu no ponto e foi roubado quando quis pegar outro ônibus”, conta. Outra vantagem de a Estação São José ser implantada, na visão do morador, seria a possibilidade de integração. “Uso os ônibus todos os dias para ir ao trabalho, numa loja que fica na Avenida Abílio Machado, no Bairro Alípio de Melo (Região Noroeste), e para outros compromissos no Centro e em outros bairros. Se se tivesse uma estação, seria melhor, pois teria uma forma de integração para a gente pagar mais barato por mais viagens de ônibus”, disse Pedroli.
As grades que cercam a mata que se formou no local onde deveria ter sido construída a estação do BRT/Move foram roubadas ou destruídas em grandes extensões. Com isso, os acessos ficaram abertos, sobretudo para descartes de lixo e para o despejo irregular de montanhas de entulhos de construções. Isso torna ainda mais perigoso perambular pela área, devido aos riscos de se furar os pés em vergalhões enferrujados, cacos de vidros e cerâmicas estilhaçadas.
Adiante, seguindo uma das trilhas, o ruído dos veículos velozes que cruzam as vias em volta não consegue disfarçar um barulho improvável para um local que já foi favela e está abandonado. Com a proximidade da mata mais fechada é que o som fluído se intensifica e aparece uma pequena nascente com duas quedas d’água. O líquido transparente e que aparenta brotar da terra sem impurezas não escapa de receber cargas de lixo doméstico logo quando é concebido pela terra.
Mais à frente, a água se acumula num lago com cerca de um metro de profundidade, tão limpo que o fundo fica aparente. Plantas aquáticas e até peixes povoaram esse oásis de uma natureza resistente bem num dos mais movimentados eixos de corredores viários de Belo Horizonte. “Todo fim de semana ou feriado a gente junta o pessoal da comunidade para nadar aqui no pocinho. Fazemos churrasco e ficamos aproveitando para escutar música”, conta o marceneiro Luciano Ribeiro. Poucos metros depois do lago, contudo, a água é engolida por uma galeria de concreto e desaparece atravessando por baixo da Avenida Tancredo Neves, na direção do Bairro Jardim São José.
MACONHA Dali em diante, a trilha morre permitindo a travessia da largura desse espaço, praticamente no meio da área da mata. Mas, seguindo adiante, por meio do mato fechado, dos espinhos e das árvores na direção do outro lado mais “selvagem” do matagal, uma surpresa aparece. Acampado lá no meio, Willian, de 38, passa seus dias sentado, consumindo maconha, enquanto observa os pássaros e pensa na vida. “Fico aqui direto. Aqui é a minha casa, onde me sinto melhor”, disse o homem de poucas palavras. Para espantar os insetos, ele ateia fogo nas árvores que há em volta do acampamento, mas diz não temer que isso cause um incêndio e riscos para a sua própria vida. “Tem perigo não, se o fogo crescer muito eu vigio e apago”, garante. Segundo o marceneiro Luciano Ribeiro, Willian é o único habitante da mata da Estação São José. “Todo mundo conhece ele aqui na região. É um cara tranquilo, mas que passa os dias e noites tocado para dentro desse mato. Ele até tem família que é gente dele, mas não fica com eles não”, disse.
Sem previsão de obras
As obras para a Estação São José não estão nos planos mais imediatos da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), de acordo com informações da Empresa de Transporte e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans), que é a responsável pela organização do sistema BRT/Move. No entanto, a empresa tem projetos e conceitos prontos para a construção da estação, caso seja um dia decidido que a obra será feita. Segundo a BHTrans, as intervenções mais imediatas previstas para o sistema de transportes coletivos do Move seriam as implantações de faixas exclusivas, que estão em fase final de planejamento para atender à Avenida dos Andradas, Rua Abílio Machado e a Rua Conceição do Mato Dentro.
De acordo com dados da PBH, quando a Estação São José estiver pronta, a estrutura viária integrará linhas de 14 bairros, atendendo a 35 mil passageiros por dia útil. Dessa forma, as linhas alimentadoras dos bairros levariam os passageiros à estação, de onde partiriam as linhas troncais por faixas exclusivas para o Centro e demais destinos. Serviria de base para os BRT/Move Light que circulam na Avenida Dom Pedro II. As obras estavam orçadas em R$ 59,6 milhões, sendo que R$ 22 milhões seriam de responsabilidade da PBH e o restante viria por meio do governo federal.