Ouro Preto – Minas Gerais vai lembrar, no ano que vem, um dos episódios mais importantes da história: três séculos da Sedição de Vila Rica, cujo protagonista Filipe dos Santos (1680-1720) se revoltou contra a cobrança de impostos pela Coroa portuguesa e foi condenado à morte. Com antecedência, a Prefeitura de Ouro Preto vem se preparando para reverenciar a memória do minerador português e expoente do movimento que teve em Cachoeira do Campo um dos palcos mais importantes. O objetivo das autoridades é buscar parceria com governos federal e estadual, envolvendo a comunidade em projetos de educação patrimonial, a fim de homenagear a memória e jogar mais luz sobre essa página do início do século 18 que representa o “nascimento” de Minas.
Entre as ações para marcar a data, está a restauração do Solar dos Pedrosa, vizinho da Matriz de Nossa Senhora de Nazaré que foi cenário de outros momentos épicos como a Guerra dos Emboabas. Nos próximos dias, será retomada a obra no imóvel alvo de recursos de financiamento da prefeitura no Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), no valor de R$ 1 milhão e contrapartida do município de R$ 200 mil. O secretário de Cultura e Patrimônio de Ouro Preto, Zaqueu Astoni Moreira, explica que, devido ao período eleitoral, houve atraso no repasse dos recursos por parte do banco. “Já temos 20% dos serviços prontos e agora a empresa encarregada vai continuar o trabalho”, assegura.
Na semana passada, em companhia da arquiteta coordenadora do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Cidades Históricas pela Prefeitura de Ouro Preto, a arquiteta Débora Queiroz, a equipe do Estado de Minas visitou o último sobrado de Cachoeira do Campo. Nascido e criado no distrito, o professor de história da arte e autor de dois livros sobre Ouro Preto, Alex Bohrer, informa que havia 230 imóveis históricos, metade sobrados, metade casarões, restando apenas, na Praça Felipe dos Santos ou da Matriz, o Solar dos Pedrosa, nome de uma família que ali residiu. Dos casarões, há um de pedra perto da igreja que atrai a atenção dos visitantes.
SERVIÇOS Iniciada em setembro, a obra no sobrado tem estimativa de ser concluída em sete meses. De acordo com a prefeitura, o primeiro andar do prédio do fim do século 18 e começo do 19 vai abrigar agência bancária, que o distrito ainda não tem, e agência do correio. Já para o segundo andar será definida a função, podendo cultural oução administrativa.
Devido aos tapumes que cercam a edificação inventariada pela prefeitura em 2007 e desapropriada três anos depois, fica impossível ver o que foi feito até agora, mas a expectativa é grande. “Não é uma construção da época da Sedição de Vila Rica ou Sedição de Filipe dos Santos, mas um monumento importante do distrito e de Ouro Preto, localizado bem ao lado da igreja”, diz Alex Bohrer, defensor de função totalmente cultural para o prédio. Bohrer lembra que, dentro da igreja matriz, ainda em construção em 1708, o português Manuel Nunes Viana se sagrou, por aclamação popular, primeiro governador das Gerais. Eram tempos da Guerra dos Emboabas e distrito distante 22 quilômetros da sede municipal foi campo da batalha mais sangrenta na disputa pelo ouro.
Hoje, residente em Barbacena e sempre atuante em defesa dos bens culturais de Cachoeira do Campo, Rodrigo da Conceição Gomes, ex-líder comunitário, considera bem-vinda a recuperação do sobrado colonial, “testemunha de vários feitos importantes”. O quintal, com 2,5 mil metros quadrados, deverá se tornar mais um atrativo com suas jabuticabeiras e plantas para promover a revitalização do espaço e convívio sob as árvores.
HISTÓRIA Lendas e fatos históricos povoam a história de Filipe dos Santos e em seu livro Ouro Preto – um novo olhar, Alex Bohrer explica a Sedição de Vila Rica. “Em 1720, o governo português propôs a instalação de casas de fundição em Minas. Isso gerou descontentamento geral entre os mineradores. Logo começaram manifestações pelos arraiais da região. O ponto alto da revolta aconteceu na Praça da Matriz de Cachoeira do Campo, onde Filipe dos Santos, um dos líderes sediciosos, apregoava forte discurso contra o governo português. No adro da igreja foi preso e levado para Vila Rica, onde foi enforcado e esquartejado na presença do governador, o conde de Assumar.”
O autor explica que “ao contrário do que diz a história oficial, a tradição local conta que Filipe foi arrastado por cavalos pela Ladeira (atual Rua Padre Afonso de Lemos), onde foi esquartejado sem julgamento prévio. De qualquer forma, a praça principal de Cachoeira (local da prisão e onde ficou exposta uma parte do corpo do condenado) hoje leva o nome de Filipe dos Santos”.
E mais: “O Conde de Assumar, após esse episódio, sugeriu ao Rei de Portugal a separação das Minas e São Paulo (que até então formavam uma só capitania). Era o nascimento de Minas Gerais. Assumar ainda propôs que se construíssem em Cachoeira um quartel e um palácio para os governadores de Minas, tendo em vista o ponto estratégico que o local era por excelência, aqui convergindo os principais caminhos da capitania, lugar ideal, como argumentou, para uma capital. O quartel seria construído já em 1720 e reconstruído em 1779, quando se tornaria célebre. Porém, achou-se melhor conservar Vila Rica como capital oficial, enquanto Cachoeira possuiria um Palácio de Campo para os governadores, onde, longe da turbulência de Vila Rica, seria mais seguro residir. As ruínas deste luxuoso Palácio de Campo continuam como testemunhas mudas de um dos movimentos históricos que mais despertou interesse dos pesquisadores: a Inconfidência Mineira.”
Escoramento
A decadência do prédio levou, em 2015, o Ministério Público Minas Gerais (MPMG), por meio dos promotores de Justiça, Marcos Paulo de Souza Miranda, ex-coordenador das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico, e da comarca, Domingos Ventura de Miranda Júnior, a intervir e pedir o escoramento, feito com peças de madeira e metal. Na época, as autoridades municipais descartaram o desabamento e esclareceram que, “ao assumir a pasta e por conhecer a importância da edificação, foi colocada toda a equipe para fazer projeto e buscar as parcerias institucionais para o restauro”.