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Estado de Minas

Morador de Bento Rodrigues prepara mudas para plantar em novo terreno

O futuro já está em gestação na casa de Zezinho do Bento. São 40 mudas prontas e 62 em preparo, que serão plantadas no reassentamento das famílias expulsas pela lama de Fundão


postado em 21/01/2019 06:00 / atualizado em 21/01/2019 07:43

"A árvore que plantei e a Igreja de São Bento foram assassinadas em 5 de novembro de 2015, no crime da Samarco. Foram embora o patrimônio e o meio ambiente" - José do Nascimento de Jesus, líder comunitário de Bento Rodrigues (foto: Jair Amaral/EM/DA Press)


Mariana – Os primeiros dias de 2019 têm sido de expectativa para os moradores de Bento Rodrigues, subdistrito de Mariana, na Região Central, arrasado pelo rompimento da Barragem de Fundão, da mineradora Samarco. Enquanto alguns dos ocupantes de imóveis alugados pela empresa, na sede do município, mantêm a chama da esperança para reassentamento das famílias – previsto para agosto do ano que vem, com início da construção das moradias neste semestre –, outros se enchem desse sentimento e mais: plantam as sementes do futuro. Presidente da Associação Comunitária de Bento Rodrigues, José do Nascimento de Jesus, conhecido como Zezinho do Bento, já tem mais de 40 mudas prontas e 62 em produção. “Pode ser que a gente mude antes do prazo. Ninguém gosta mais do meio ambiente do que eu, então, quero contribuir”, afirma com entusiasmo.

Provisoriamente num apartamento do Bairro Dom Oscar, em Mariana, Zezinho guarda um desejo no coração e outro nas mãos. Quando for possível, quer plantar uma muda de castanheira no terreno escolhido pela comunidade para reconstrução do subdistrito em Lavoura, distante 10 quilômetros da sede municipal e o mesmo tanto do antigo Bento Rodrigues. “Mas há um lugar certo”, deixa claro. Diante de um quadro na sala, ele mostra um cantinho existente apenas no retrato e na memória, pois tudo desapareceu no tsunami de rejeitos. “Aqui ficava uma castanheira que plantei, em 2001, bem perto da Igreja São Bento (século 18) e do restaurante da Sandra”.

Agora com os olhos brilhantes, o presidente da associação também aponta, na fotografia colorida, a mesa e os bancos de madeira ensombreados e posicionados perto da igreja, onde os amigos se reuniam nos fins de semana para conversar e descansar. “A árvore e a igreja foram assassinadas em 5 de novembro de 2015, no crime da Samarco. Foram embora o patrimônio e o meio ambiente”, lamenta. Logo depois, movido pela força de viver, o homem de 74 anos, casado há 56 com Maria Irene de Deus, conta que já tem quatro bisnetos, completando a família de quatro filhos e 11 netos. Em cada planta, sem dúvida, está o sinal verde da esperança para uma comunidade que já sofreu tanto e luta por justiça até em tribunais internacionais.

FRUTOS DA VIDA A água gelada servida no fim da tarde quente cai bem, e, copo vazio, Zezinho convida a equipe do EM para ir até uma parte da garagem a céu aberto onde desenvolve seu lado agricultor. “Vendo biscoitos perto da prefeitura (de Mariana), e lá tem uma castanheira bem frondosa. Então, fui pegando as sementes que caíam e plantando. Hoje tenho 48 mudas”. Mais adiante, estão “bem grandinhas” as sete mudas de laranjeira, mexerica poncã e limão-rosa. Não bastasse mostrar a produção, Zezinho entra na casa e sai por uma porta da cozinha. Tem mais: na área dos fundos estão 62 vasos recém-plantados também com sementes de castanheira.

Compartilhando o entusiasmo do marido, Maria Irene avisa que já está “arrumando” flores e folhagens para a nova casa, que terá o mesmo nome de rua e número da anterior: Rua Raimundo Muniz, 131. “Vamos tocar a vida, com os vizinhos e amigos. Não vejo a hora”, revela Zezinho, após receber o abraço carinhoso da mulher. Como o líder comunitário já disse várias vezes após a tragédia, não vale a pena ficar remoendo o passado. Mas para entender melhor sua história, é fundamental lembrar que na fatídica tarde de 5 de novembro de 2015 o casal estava bem tranquilo em casa.

Com o “ouvido que ele tem”, conforme diz Maria Irene sobre o marido, Zezinho escutou de longe o avanço da lama de minério, já que não havia alarme instalado pela empresa. E ele é taxativo: “Se demorasse muito a sair, poderíamos ter morrido. Aquela lama veio lambendo tudo. Naquela hora, só pensava coisa ruim”, recorda-se o ex-operador de máquinas, agora mais interessado em tocar violão para acompanhar um coral, vender biscoito e esperar pela volta ao lar definitivo. Escapando de um fim trágico junto com a mulher, Zezinho ainda conseguiu salvar outras pessoas.

Inspirado num cantinho que só pode rever no quadro, José do Nascimento de Jesus prepara mudas de castanheira para o Novo Bento(foto: Jair Amaral/EM/DA Press)
Inspirado num cantinho que só pode rever no quadro, José do Nascimento de Jesus prepara mudas de castanheira para o Novo Bento (foto: Jair Amaral/EM/DA Press)


RETORNO
Nada impede que Zezinho do Bento leve suas plantas para o reassentamento em Bento Rodrigues, explica o coordenador dos arquitetos da Fundação Renova, Alfredo Zanon – a fundação foi criada para gerir a ações de reparação e compensação dos danos causados pelo rompimento da barragem. Destacando que se trata de um reassentamento pioneiro no mundo, pois os moradores definem o projeto, com escolha do tipo de casa e localização, com uma equipe especializada para orientar. “Vamos ter um viveiro grande, então as plantas podem ser levadas para lá e distribuídas. A atitude de Zezinho do Bento é muito louvável, pois, além de fazer as mudas, ele estimula outras pessoas”, diz o especialista em obras e projetos da Renova.

A expectativa é de que, neste primeiro semestre, comecem as construções das casas, com previsão de término em agosto de 2020, de acordo com entendimento entre comunidade, Fundação Renova e Ministério Público. Para cada casa construída será preciso um alvará. “Olhamos o desejo de cada família, e vale o que ela quer plantar no quintal ou no jardim, se pretende ter um galinheiro e criar outros animais. Há até um pedido para instalação de duas pocilgas, o que será verificado pela equipe de zootecnia e meio ambiente”, diz o arquiteto.

Em nota, a Renova informa que, durante a construção das casas, as famílias poderão visitá-las, “vivenciando a execução, possibilitando criar laços de afeto com o novo espaço antes da ocupação”. Pode surgir, ainda, a necessidade de outros encontros coletivos e individuais com os moradores, como ocorreu durante o processo de “desenho” das casas, para se entender as necessidades dos grupos e fortalecimento dos vínculos. A metodologia dos arranjos de cada casa foi definida com o Ministério Público, Cáritas, da Conferência Nacional dos Bispos dos Brasil, Secretaria de Estado de Cidades e de Integração Regional (Secir) e representantes da comunidade.

Três perguntas para Alfredo Zanon, arquiteto da Fundação Renova

Como está o andamento do projeto de reassentamento das famílias de Bento Rodrigues? Quando as famílias serão transferidas?
As obras de reassentamento de Bento Rodrigues estão em fase de atividades de infraestrutura. Cerca de um terço da terraplenagem foi executado. As atividades de drenagem também foram iniciadas. A previsão é de que o início das contenções dos lotes e a construção das edificações ocorram no segundo trimestre de 2019. As obras das casas devem começar no fim do primeiro semestre.

Qual será a duração da obra?
Toda a obra deve ter duração de 22 a 24 meses, prazo que está sendo construído no Grupo de Trabalho supervisionado pelo Ministério Público, com a participação dos atingidos. A previsão é que 225 famílias sejam reassentadas.

O líder comunitário, Zezinho do Bento, tem cerca de 40 mudas em sua casa em Mariana. A ideia dele é plantar todas elas no reassentamento. É possível? Há variedades indicadas pelos engenheiros?
Sim, é possível. Nas áreas comuns, é preciso alinhar com a equipe de obras para avaliar o local, já que ainda estão ocorrendo intervenções de terraplenagem e outras iniciativas de infraestrutura. As espécies indicadas são as nativas da região. Já em seus lotes, as famílias podem plantar o que quiser.


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