Jornal Estado de Minas

Tumulto com camelô na Praça Sete revela que tensão com fiscais continua

- Foto: Arte EM

O fluxo contínuo de uma multidão e das fileiras de veículos cruzando os quatro quarteirões da Praça 7, no Hipercentro de Belo Horizonte, de repente entrou em ebulição na manhã de ontem. Por volta das 8h, o quarteirão Xacriabá, na altura do número 431 da Avenida Amazonas, começou a aglutinar pessoas correndo naquela direção, ao mesmo tempo em que desavisados de expressões assustadas fugiam. No centro da confusão, uma situação que tem tornado o Hipercentro da capital mineira uma panela de pressão prestes a explodir. Pela segunda vez nesta semana, um torero de 19 anos, que está desempregado e vende cigarros irregulares nas ruas para garantir o sustento dele e da namorada grávida, de 17, foi alvo de fiscais da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). Desta vez, tentou reagir, se desvencilhar dos agentes municipais e de um policial militar. A gestante e vários outros ambulantes tentaram libertar o jovem até que um grande contingente de PMs cercou o local com nove viaturas e apoio da Guarda Municipal, levando o rapaz, a namorada e outra mulher detidos, sob os protestos e ameaças dos vendedores de rua. A reportagem do Estado de Minas presenciou toda a confusão.

Essa tensão entre fiscais, forças de segurança, toreros e camelôs tem sido sentida de forma crescente no Hipercentro. O que impulsiona é o cerco sem tréguas iniciado há pouco mais de um ano e meio para evitar a volta de ambulantes às ruas da capital.
Para se ter uma ideia, em 2017, a chamada Operação Camelô apreendeu 13.936 invólucros que estavam sendo comercializados de forma ilegal nas ruas. Esse número disparou 35% no ano passado, chegando a 18.822 volumes recolhidos.

O subsecretário de Fiscalização, José Mauro Gomes, da Secretaria Municipal de Política Urbana, explica que o aumento nas apreensões se deve ao fato de, em 2017, a prefeitura ter afrouxado nas investidas, na tentativa de uma saída negociada dos ambulantes do Hipercentro. Sem êxito, foi dado prazo final e, em julho daquele ano, as ações fiscais foram intensificadas. “Havia muitos camelôs nas ruas e elaboramos um programa que não só retirava, mas revitalizava a região”, diz. Na sequência, o Plano de Ação de Inclusão Produtiva dos Camelôs propôs a formalização do trabalho, bem como a garantia da apropriação democrática do espaço urbano, em consonância com o Código de Posturas. O subsecretário informa que entre 50% a 60% dos ambulantes aproveitaram a recolocação de alguma forma.

O código (Lei 8.616/2003) proíbe a atividade de camelôs e toreros em logradouro público. Só são permitidos ambulantes que usam veículo de tração humana, como pipoqueiros, e atividade em veículo automotor, a exemplo de lanches rápidos.
José Mauro afirma que a fiscalização é feita diariamente. Em caso de descumprimento, a mercadoria é apreendida e aplicada multa no valor de R$ 2.034,11. O subsecretário acrescenta que está no planejamento um trabalho conjunto com outras autoridades públicas, como Ministério Público e Receita Federal, para coibir certos comércios pela raiz. “Toda comercialização é irregular, mas algumas são ainda mais graves, como a venda de cigarro. Mas, só a apreensão em si é enxugar gelo. É preciso pegar quem fornece as mercadorias.”

PROBLEMA ANTIGO
Vice-presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH), Marcos Innecco Corrêa atribui à permissividade de atuação de alguns grupos a disseminação dos camelôs. “Esse é um problema que existe há mais de 30 anos, sempre com a justificativa, e não estou discordando, da condição econômica. Uma vez que permite, por motivos nobres, que parte da população, sejam deficientes ou outros, ocupe posições de ambulantes, incentiva outras pessoas que se sentem no direito de estar ali também”, afirma.
“Com o passar dos tempos, vão licenciar mais e mais e, já vimos isso ocorrer, o Centro foi tomado por ambulantes e foi quase uma guerra para conseguir tirá-los”, acrescenta.

O Código de Posturas permite o trabalho de pessoa com deficiência, mediante licitação. O processo está em fase final na cidade. São 156 vagas no Hipercentro e mais 10 no Barreiro e em Venda Nova. “São políticas bem-intencionadas e de amparo – e isso se estende a morador de rua e flanelinha –, de tentar dar melhor qualidade de vida à população, mas são essas pequenas permissividades que atraem e fazem crescer essas populações que, no fundo, não são boas para ninguém: comércio, cidades, população e nem para eles, que se tornam dependentes dessa situação”, critica Corrêa.

- Foto: Mateus Parreiras/EM/DA Press

Conflitos pioram as relações


Na segunda-feira, de acordo com o relato do ambulante detido, Leonardo Teixeira de Oliveira Júnior, a fiscalização municipal recolheu seis pacotes de cigarros que seriam vendidos a R$ 30 cada um. Ontem, ele tinha cinco pacotes. Ao ver a aproximação dos fiscais, tentou fugir com a carga, apesar da ordem dada pelo soldado da Polícia Militar (PM) para que parasse. Segundo a versão do policial, o jovem enfiou a mão numa pochete, o que levantou a possibilidade de ele estar armado. Mediante isso, o soldado tentou imobilizar o rapaz, que se debateu, tentando se desvencilhar. A namorada adolescente que está grávida do ambulante entrou na luta, seguida de uma outra mulher, Valdirene Flávia Inácio, de 31.

Vendo aquela situação, ambulantes correram para tentar libertar Leonardo, enquanto outros recolhiam suas mercadorias às pressas para dentro de caixas, sacos e fugiam para não as perder. Destacavam-se, entre os que se aproximavam da luta corporal, os vendedores que povoam os quatro cantos da praça, assim como os captadores de clientes para negociar pedras preciosas e celulares, com seus coletes coloridos.
No meio da profusão de movimentos bruscos e de curiosos, a multidão e o tráfego foram rompidos por oito viaturas da PM, que chegaram velozes, três delas trafegando pela contramão da Avenida Afonso Pena, outras duas subindo em metade do canteiro central da via.



Os policiais bloquearam rapidamente a Avenida Amazonas, onde o conflito se desenrolava. Das janelas dos ônibus, impedidos de seguir em frente, os passageiros observavam boquiabertos aquele caos. O mesmo faziam comerciantes e clientes das varandas dos edifícios comerciais. No meio da luta corporal com o ambulante, a mulher que estava com a gestante teria tentado tirar a arma do soldado do coldre e, de acordo com o agente, os policiais foram obrigados a reagir com agressões, sendo que a grávida chegou a levar um soco na cara. Os três foram detidos e levados à Divisão de Orientação e Proteção da Criança e do Adolescente (Dopcad), da Polícia Civil, para que os fatos fossem esclarecidos.

Leonardo e Valdirene responderão por desacato, desobediência e agressão a funcionário público. Mesmo depois da saída dos conduzidos, dentro da viatura policial, a multidão de ambulantes continuou a fazer ameaças contra os policiais e guardas municipais. “É uma covardia. O Léo estava apenas vendendo cigarros para sustentar sua família. Ele é pessoa trabalhadora e está aqui há anos. A gente quer ter uma condição, mas a prefeitura não dá condições para todos.
E o que se vai fazer, sem emprego e sem vender? Morrer, ver a família passar fome?”, questionou uma das ambulantes, Maria José Raimunda Silva, de 52.

CARNAVAL Os conflitos com ambulantes também podem marcar os próximos ensaios de blocos e até o carnaval 2019 em BH. No último sábado, uma ação da Guarda Municipal para impedir o comércio de garrafas de vidro durante evento do Praia da Estação, na Praça da Estação, no Centro de Belo Horizonte, terminou em discussão entre os agentes e ambulantes. O estacionamento usado como depósito de bebidas foi descoberto e os vendedores foram impedidos de os retirar de lá.

Os guardas faziam uma fiscalização preventiva para o evento e receberam informações de que um estacionamento localizado no cruzamento da Avenida Santos Dumont com a Rua da Bahia servia de depósito para os ambulantes. Os agentes foram até o local e confirmaram que os materiais estavam armazenados. O proprietário foi notificado e um acordo foi feito para que providenciasse a retirada da mercadoria em uma data futura, para que nada fosse comercializado no evento. O clima ficou tenso. Os guardas municipais cercaram a entrada do estacionamento e não deixaram os ambulantes entrarem. Essa atitude revoltou os vendedores..