Brumadinho – Cada hora na vida dos moradores de Brumadinho parece durar uma semana desde a sexta-feira. Ontem, o pesadelo começou pouco depois das 5h, quando o alarme de emergência do complexo de barragens do Córrego do Feijão disparou com a mensagem: “Atenção, esta é uma situação real de emergência de rompimento de barragem. Abandonem imediatamente suas residências”, dizia o comunicado seguido de uma forte sirene, ouvida nas comunidades e em partes da cidade. As horas que se seguiram foram de desinformação, drama e desespero. Ao ouvir a sirene, Agnaldo Santana dos Santos saiu para as ruas para acordar os vizinhos. “Como acordo cedo, saí para a rua e fui acordando todo mundo”, disse, enquanto observa as cerca de 30 casas que foram engolidas pela lama na sexta. “Nós estamos preocupados com nossos amigos que morreram, muita gente desapareceu.”
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Pouco antes das 6h, todos os moradores estavam fora de casa. O dia amanhecia e ninguém sabia o que fazer.
Os primeiros bombeiros civis chegaram ao vilarejo por volta das 8h30. Passava das 9h quando foi colocado um cordão de isolamento e, então, os moradores começaram a deixar as casas – apenas da parte mais baixa. Cláudio Santos se emocionou ao trancar a porta da casa de três cômodos, sem reboco nas paredes. “É a única casa que tenho, agora que a plantação começou a dar mandioca, as plantas estão bonitas”, lamentava Cláudio Santos.
LISTA ERRADA No meio da tarde, após a maior parte do volume de água ser retirado da represa, a Defesa Civil liberou o retorno das famílias para suas casas e a retomada das buscas pelos 305 desaparecidos. Ao todo, 58 corpos já foram encontrados e 19 identificados. Para Eronice Alves Ferreira, de 39 anos, e os filhos, a busca pelo marido, o operador de máquinas Rodrigo Henrique de Oliveira, de 30 anos, se tornou um sofrimento ainda maior desde sábado. Um dia após a tragédia, o nome de Rodrigo foi incluído erroneamente pela Vale numa lista de pessoas localizadas com vida e levadas ao hospital. Desde então, ela carrega no bolso uma foto em que ela aparece sentada ao lado do marido, para ajudar na localização.
O presidente da Vale, Fabio Schvartsman, que esteve ontem em Brumadinho, afirmou que é preciso “ir além e acima” na implementação de ações de segurança para a operação de barragens de minas. “Vamos criar um colchão de segurança bastante superior ao que a gente tem hoje para garantir que nunca mais aconteça um negócio desse”, afirmou o executivo. O prefeito de Brumadinho, Avimar de Melo (PV), que se encontrou com Schvartsman, culpou a Vale pela tragédia socioambiental no município, que depende cerca de 65% do que arrecada com mineração. Segundo ele, a Defesa Civil do município fiscalizava a operação da mina de acordo com as especificações pontuadas na licença concedida pela Secretaria de Estado de Meio-Ambiente e Desenvenvolvimento Sustentável (Semad). A prefeitura multou a mineradora em R$ 100 milhões por causa do rompimento. “A gente acredita que outra barreira não vai estourar. Não podemos ter tanta falta de sorte”, afirmou.
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