Brumadinho – Nas ruas do distrito de Tejuco, em Brumadinho, na Grande BH, há sempre um braço para amparar, um abraço para acolher e uma palavra ou duas, sempre abafadas pela dor, para dar forças a um amigo. No mais, são os olhos do espanto, o andar a esmo ou o choro convulsivo pela falta de informações ou notícias dos desaparecidos na tragédia, ocorrida no início da tarde de sexta-feira, do rompimento da Barragem da Mina do Córrego do Feijão, empreendimento da Vale. “Estou segurando minha mãe, ela está desesperada, saiu andando por aí, entrou no mato e fui atrás”, disse, ontem, Mary Cristina Nunes, de 32 anos, que também não esconde a apreensão pelo desaparecimento do irmão Peterson Firmino Nunes, de 35, casado e pai de três filhos. A exemplo de muitos moradores de Tejuco, Peterson trabalhava na unidade da empresa, com atuação no almoxarifado.
No alto, no fundo das casas, dá para ver as montanhas lavradas pela mineração, o que faz Malvina lembrar que, na madrugada de ontem, soou o alarme na mineradora, embora o risco de rompimento de outra barragem tivesse sido descartado, pelo menos por enquanto. “Pois é, na hora que não precisa, eles ligam a sirene. Agora, quando tem que avisar, não fazem nada”, disse Malvina, para em seguida, citar baixinho o nome do filho Peterson e dizer que quer o filho vivo. Logo após a conversa, dava para ver amigos e vizinhos chegando perto e se abraçando numa união de força contra o sofrimento máximo.
Sem perdoar a mineradora e lembrando a tragédia ocorrida há pouco mais de três anos em Mariana, na Região Central, Fernando perguntou: “Até quanto a Vale vai destruir Minas e causar tanto mal?”.
REVOLTA Por medida de segurança, as estradas que conduzem à sede municipal de Brumadinho estão fechadas, com autorização de passagem apenas para polícia, militares, bombeiros brigadistas e autoridades. Por isso mesmo, a atendente de telemarketing Gisele Pedrelina Duarte Santana Loures, de 22, fica sentada no gramado perto da Faculdade Asa, onde foi montado um quartel-general para centralizar ações e dar informações à imprensa, aguardando qualquer notícia sobre o pai Sebastião Divino Loures, de 58, motorista que havia ido à mina fazer uma entrega, no caminhão.
“Estou sem notícias, ninguém me informa nada, o que aumenta o desespero. Já estive até no Instituto Médico Legal, em Belo Horizonte, mas não consegui nada”, disse Gisele, ao lado do marido, Valdeci Loures Bonfim Júnior, e dos primos Adriano Gomes, Leandro Gomes e José Sidnei. Vestida com uma camisa com a estampa de São Miguel Arcanjo, Gisele diz que é católica e, como tem pessoas de outra religião na família, “todos nós estamos orando”. O celular de Sebastião pode ajudar nas buscas pelo motorista desaparecido desde o início da tarde de sexta-feira em Brumadinho. “A última vez que falei com meu pai foi às 11h53. Mas o telefone continua tocando, está com bateria, acho que podem rastrear.” Revoltada com a situação que a deixa em sobressalto, Gisele pergunta: “Quero saber quanto a vida do meu pai vai valer”.
DESESPERO No distrito de Parque das Cachoeiras, onde as partes mais baixas foram atingidas pelo rompimento da barragem, a dona de casa Izabel Nunes Vieira, de 55 anos, se desespera com o desaparecimento de três primos. “A pressão dela já chegou a 16 por 10”, comentou, ao lado, o marido Geraldo Ribeiro de Paula, que procurava se acalmar fazendo um cigarrinho de palha. “Desde o rompimento da barragem, tem sido muita correria, ninguém tem sossego. Se tivéssemos mais informações, talvez pudéssemos ficar mais calmos”, disse baixinho Izabel sem conter o pranto e com cabeça encostada no pilar da varanda.
Enquanto uns aguardam notícias de parentes, outros tentam se acostumar com um novo modo de viver: agora, longe da casa destruída pelos rejeitos de minério vazados da Barragem da Mina do Córrego do Feijão, da mineradora Vale, em Brumadinho. É o caso da família de Dari Laurindo Pereira, de 39, operador de draga, e Lauriane Oliveira de Souza, pais de Iraci, de 13, e Isabel, de 18, que perdeu tudo o que tinha e agora está abrigada na unidade de saúde do distrito de Parque da Cachoeira. “A lama veio numa velocidade danada, só tivemos tempo mesmo de sair correndo, para salvar nossas vidas”, afirmou Dari.
Na hora da correria, no ínicio da tarde de sexta-feira, a família de Dari e Lauriane se abrigou na casa da cunhada, que ficava perto e também foi destruída – assim, todos bateram em retirada. Na sequência, receberam o suporte provisório na unidade de saúde, onde estão alojadas cerca de 80 pessoas. E agora?, pergunta o repórter. “Só Deus pode nos ajudar. Pelo visto, agora vamos ficar iguais a ciganos, cada vez num lugar”, lamentou a mulher.
Sentada num banco ao lado do marido, Abelo Gomes, de 74, Adélia Oliveira de Souza, de 55, também contou ter perdido a casa no tsunami de lama. “Estamos recebendo comida, abrigo, mas ficamos sem nada, inclusive sem os documentos. Mas a vida é assim: nesta hora, a gente vê que os bens materiais não são o mais importante. O que vale mesmo é a vida. E estamos vivos”, disse Adélia.
Protesto no comitê de crise
O que deveria ser a sede das informações da tragédia de Brumadinho, na Grande BH, se tornou palco da revolta de familiares dos atingidos pela catástrofe, justamente pela falta de comunicação. Revoltados com a interrupção dos trabalhos de buscas do Corpo de Bombeiros, diante da ameaça de mais um rompimento de barragem, cerca de 30 moradores invadiram a Faculdade Asa, onde se abriga o comitê de crise das autoridades, na tarde de ontem. Aos gritos de “queremos o Exército”, eles cobravam ação dos órgãos de segurança e apoio da Vale, um fantasma na opinião de todos os indignados.
“Até ontem (sexta), ele estava na lista dos desabrigados. Hoje (ontem), ele está na lista dos desaparecidos”, contou a moradora Paula Carvalho ao Estado de Minas. Ela estava, até o fechamento desta edição, à procura do seu irmão de criação, Márcio Freitas, mecânico da Vale. “Um deles vai ter que me escutar. O IML não passa nada, nem a Polícia Civil. Ninguém fala nada com nada. Eles lá de cima (da Vale) são preparados para esconder tudo da gente. O que eu posso fazer e o que eu não posso fazer? Quero saber do meu irmão”, reclamava, aos berros.
Situação semelhante vive Eliel de Freitas e sua esposa, que não quis se identificar. Eles estão à procura do pai dele, Eliseu de Freitas, de 51 anos. “Desde sexta-feira, eles (a Vale) não dão notícia nenhuma. Ontem, eu ouvi na imprensa que a empresa estava dando apoio. Mentira! Uma hora está na lista de desaparecidos, outra hora não. Isso é injustiça demais com a gente. Estamos desesperados”, contou a nora. Para eles, a falta de dados é uma estratégia da mineradora para se resguardar juridicamente. “A tragédia não era pra acontecer, mas já que aconteceu, eles precisam ligar para as famílias. Cadê o representante da Vale aqui?”, perguntou o filho, também trabalhador do setor minerário, em Nova Lima, na Região Metropolitana de BH.
Também desamparada, Marli Silva procurava pelo cunhado Anjo Gabriel da Silva Lemos. “Ele vestiu o uniforme e foi trabalhar sexta-feira. Agora, eles (autoridades) não dão uma informação correta? Está com a lista de ontem (sábado) ainda”, disse. Segundo ela, a família não recebeu qualquer assistência desde o tsunami de lama e rejeitos. No local, ela estava acompanhada de vários parentes do desaparecido.
O protesto dentro do comitê de crise durou cerca de 10 minutos, antes de ser barrado pelas forças de segurança. Certo é que, momentos depois, as autoridades voltaram a conceder entrevista à imprensa. No boletim da vez, eles informavam sobre a volta do trabalho dos militares nas zonas quentes da tragédia, com intuito de encontrar os desaparecidos. (Gabriel Ronan)
Fake news
Além da falta de informação, as famílias enfrentam a disseminação de notícias falsas. “A gente recebe toda hora uma
ligação com coisa errada. Mandaram uma foto de um bombeiro com uma pessoa, dizendo que era meu pai. Mas a foto é de 2011”, disse Eliel de Freitas, sobre um registro feito em Patos de Minas, durante um resgate do Corpo de Bombeiros.